• Ciberartigo: Linguística, Hipertexto & Educação

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    Todos os artigos deste ebook foram produzidos e publicados no periódico Ciberpub [2317-1588]

    ISBN:

     978-85-8413-060-3

    Organizadores:

    Lilian Cristina Monteiro França

    Lucas Pazoline da Silva Ferreira

    Título:

    Ciberartigo: Linguística, Hipertexto & Educação

  • Tipo: E-BOOK

    Edição:

    Local: Aracaju

    Ano: 2016

    Projeto e diagramação:

    Lucas Pazoline da Silva Ferreira

    Capa e suporte técnico:

  • Lumia Design

  • Editora:

  • Criação



  • Sumário

    PREFÁCIO Ler

    Maria Emília de Rodat de Aguiar Barreto Barros (Doutora/UFS)

     

    A LINGUAGEM DOS EMOJI E A REINVENÇÃO DO ALFABETO Ler

    Lilian Cristina Monteiro França (Doutora/UFS)

     

    ATLÂNTIDA: UM OLHAR SOBRE A LINGUÍSTICA DO INÍCIO DO SÉCULO XX Ler

    Lucas Pazoline da Silva Ferreira (Doutorando/UFPE)

     

    MERCANTILIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E CAPTAÇÃO DA SUBJETIVIDADE COLETIVA A PARTIR DE SITES DE REDES SOCIAIS: O CASO DO FACEBOOK Ler

    Eloy Santos Vieira (Mestrando/UFS)

     

    CIBERESPAÇO: UMA ABORDAGEM ACERCA DA APROPRIAÇÃO DESSE DISPOSITIVO COMUNITÁRIO E INTERATIVO PARA GERAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO Ler

    Márcio Renan Correa Rabelo (Mestrando/UFS)

     

    A CRIAÇÃO DE CIBERARTIGOS NO PERIÓDICO DIGITAL CIENCIDADE-CIBERPUB: UM ESTUDO DE CASO Ler

    Meyre Jane dos Santos Silva (Mestranda/UFS)

     

    GÊNEROS DIGITAIS: A LITERATURA SURDA EM QUESTÃO Ler

    Almir Barbosa dos Santos (Mestrando/UFS)

     

    RECURSOS DIGITAIS NO ENSINO DE LÍNGUAS: UMA ANÁLISE DO "SIMPÓSIO HIPERTEXTO" Ler

    Tarcízio Reis de Jesus (Mestrando/UFS)

     

    A UTILIZAÇÃO DE FILMES PARA A APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA: UMA ABORDAGEM ACERCA DO MÉTODO DESUGGESTOPEDIA E DOS NOVOS LETRAMENTOS Ler

    Amisa Dayane Lima de Gois (Mestranda/UFS)

     

    UMA ANÁLISE REFERENCIAL DO CURTA "TOUR EIFFEL", DE SYLVAIN CHOMET Ler

    Lorena Gomes Freitas de Castro (Mestranda/UFS)

     

    O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E AS TIC Ler

    Maria Conceição Lima Santos (Mestranda/UFS)

     

    CURTINDO O CURTA SEMIOTICAMENTE Ler

    Flávio Passos Santana (Mestrando/UFS) / Nicaelle Viturino dos Santos de Jesus (Mestranda/UFS)

     

    INTERNETÊS: UM ESTUDO DE CASO Ler

    Débora Reis Aguiar (Mestranda/UFS) / Gládisson Garcia Aragão Souza (Mestrando/UFS)

     

    RELAÇÕES DE PODER NA MÍDIA: AS PIADAS COMO FERRAMENTA DE COMUNICAÇÃO E INTERATIVIDADE Ler

    Sanadia Gama dos Santos (Mestranda/UFS) / Fabiana Alves do Nascimento (Mestranda/UFS)

     

    O "CORPO IDEAL" NAS CAPAS DA REVISTA BOA FORMA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA Ler

    Grace Cristina Milet Castro da Paixão (Mestranda/UFS)

     

    "LEMBRAM-SE DO QUE FOI DITO?": A MEMÓRIA DISCURSIVA NO TWITTER Ler

    Jaqueline Lima Fontes (Mestranda/UFS) / Thayza Souza Carvalho (Mestranda/UFS)

     


  • Prefácio

    Sumário

    Ciberartigo: Linguística, Hipertexto e Educação” consiste em uma coletânea, composta por quinze artigos científicos, produzidos por docentes e discentes dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) e em Letras (PPGL), da Universidade Federal de Sergipe. É o resultado das discussões geradas na disciplina "O Texto na Linguagem Digital", ministrada pela professora doutora Lilian Cristina Monteiro França, no primeiro período de 2015. Por conseguinte, este trabalho traz em seu bojo múltiplos pontos de vista sobre o ciberespaço, seus usos, seus efeitos sobre os sujeitos, suas contribuições para a produção do saber.

    Inicialmente, Lilian Cristina Monteiro França nos apresenta o artigo intitulado "A linguagem dos emoji e a reinvenção do alfabeto". Nessa produção, essa autora debate sobre as quatro eras culturais (a da oralidade, a da escrita e a da digitalização), revelando a popularização do computador, o uso linguagem dos emoji, definido como sendo um conjunto de caracteres gráficos/visuais, utilizado para representar o universo em nosso entorno. Consoante essa estudiosa, tal linguagem aponta para uma reconfiguração da escrita, uma mudança de sua lógica, pois estabelece uma relação entre fala e escrita, em um mesmo texto. Como ela bem argumenta: “Os emojis funcionam como elementos paralinguísticos que integram a conversação” (Ler). Além disso, a referida autora historia a instauração dessa linguagem na internet, mostrando a tentativa de seus autores em adequá-la à diversidade cultural existente, com vistas à sua ampla divulgação, ao seu amplo uso.

    Em seguida, Lucas Pazoline da Silva Ferreira nos traz o artigo denominado “Atlântida: um olhar sobre a Linguística do início do século XX”. O texto procede a uma análise comparativa entre os estudos linguísticos, desenvolvidos no início do século XX, e recortes do filme “Atlantis: the Lost Empire”. Este filme consiste em uma obra de ficção científica, criada pela Walt Disney Feature Animation, em 2001. Como arcabouço teórico para o estabelecimento dessa comparação, esse pesquisador traz à baila estudos de Câmara Jr (1987), Borba (2003), Weedwood (2008), todos, historiadores da ciência Linguística. Lucas sustenta que a narrativa desse filme evidencia o modus operandi de um linguista do início do século XX. Ademais, elucida algumas das principais tendências da época: a reconstituição de línguas, o método histórico-comparativo, a hipótese indo-europeia. E, na medida em que o autor estabelece tal comparação, desvela o mundo criado pela Disney, enfatizando a sua relação com a produção do conhecimento linguístico.

    O terceiro artigo é intitulado “Mercantilização da informação e captação da subjetividade coletiva a partir de sites de redes sociais: o caso do facebook”, criado por Eloy Santos Vieira. Este discorre sobre a relação economia e Internet, mostrando que “novas formas de acumulação de capital têm surgido como forma de adequação de algumas companhias”. O autor defende que o Facebook é uma empresa criada a partir da exploração de um site de rede social, elevando-a à categoria de maior plataforma de rede social na internet; a corporação obtentora de maior lucro. Por conta disso, ele faz uma breve análise dessa empresa, observando não só como ela se insere no contexto de rede social, como também os lucros gerados a partir dessa mesma rede. Em decorrência desse lucro, Eloy chama atenção para o controle do capital, no que diz respeito à produção cultural nesses meios, adjetivado por ele como novos. E, apesar de considerá-los novos, adverte que há uma “reorganização do velho capitalismo”, necessária para a manutenção e evolução do sistema. Ou seja, há uma propensão da continuidade de velhos modelos com novas roupagens.

    Ciberespaço: uma abordagem acerca da apropriação desse dispositivo comunitário e interativo para geração e distribuição de conhecimento e informação” constitui o quarto artigo, produzido por Márcio Renan Correa Rabelo, para quem as TIC (novas tecnologias da informação e comunicação) provocaram um redimensionamento na vida cotidiana, na cultura (desde o entretenimento, até a comunicação, a educação). Esse autor analisa a apropriação do ciberespaço, tomando como objeto de estudo a educação, investigando como se pode construir e distribuir o conhecimento, a informação, em rede, a partir de AVAS. Nesse contexto, a Internet surge como um novo ambiente difusor do conhecimento, na medida em que reconfigura as relações de tempo e espaço. Conclui, a partir desse estudo, que esse ambiente demanda novo comportamento, nova cultura, “conhecida como cibercultura” (Ler).

    O quinto artigo é intitulado “A criação de ciberartigos no periódico digital ciencidade-ciberpub: um estudo de caso”, produzido por Meyre Jane dos Santos Silva. Essa autora estuda o ciberartigo, considerado por ela um “novo gênero de produção de artigos acadêmicos” a partir de estudos realizados por Ferreira (2014). E como recorte de seu objeto, investiga a primeira plataforma digital brasileira específica para esse tipo de produção, Ciencidade Ciberpub, cuja principal característica é propiciar aos pesquisadores uma forma de integrar ao texto científico diferentes linguagens (verbal, visual, sonora) e aplicações web no mesmo suporte de informação. Outra característica é a irrestringibilidade de conteúdo científico, à medida que os pesquisadores colaboram entre si, utilizando o compartilhamento de textos, comentários e revisões dos trabalhos ( Ler). Como aporte teórico, aborda as questões sobre hipertexto, trazendo à baila autores como Xavier (2013) e Marcuschi (1999). Investiga, então, desde os recursos que essa plataforma disponibiliza para os pesquisadores até a publicação e circulação dos trabalhos. Analisa também a sua contribuição para a comunidade acadêmica. A escolha desse objeto de estudo corrobora as discussões trazidas por Márcio Renan Correa Rabelo (artigo anterior), uma vez que Meyre também trata da produção e divulgação do conhecimento no ciberespaço.

    Mais uma vez o debate sobre a divulgação e produção do saber é trazido à tona por Almir Barbosa dos Santos, no sexto artigo: “Gêneros digitais: a literatura surda em questão”. Nesse texto, o referido autor reflete sobre a importância dos gêneros digitais para o ensino/aprendizagem dos alunos surdos, atentando para o livro digital da literatura surda, "As Aventuras de Pinóquio". Ao longo de sua exposição, defende que esses recursos tecnológicos digitais são responsáveis por os alunos surdos compreenderem uma segunda língua (nesse caso particular, a Língua Portuguesa), a partir da sua própria língua (Libras, a língua de sinais), tornando-se bilíngue. O gênero digital, então, constitui um meio eficaz para o ensino de crianças e adultos com surdez, por redimensionar o processo de comunicação (voltado para a educação), inter-relacionando linguagem verbal e não verbal (imagem, animação). Nesse caminho, o autor conceitua hipertexto, baseado nos pressupostos teóricos de Xavier (2010), segundo o qual "[o hipertexto é uma] forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade" (Ler). Afora a discussão acerca do gênero digital, o pesquisador historia não só a literatura surda como a instauração da língua de sinais, mostrando quando esta começa a ser considerada uma língua enquanto tal (a partir de 1960, quando William Stokoe desvenda a estrutura linguística dos sinais). Decorre daí a relevância desse artigo para os estudiosos em ensino/aprendizagem de língua para pessoas com surdez.

    E, quanto ao tema ensino de línguas, há uma continuidade no sétimo artigo: “Recursos digitais no ensino de línguas: uma análise do 'Simpósio Hipertexto'”, escrito por Tarcízio Reis de Jesus. Nele, o autor promove uma discussão acerca do uso de recursos digitais no ensino de línguas, historiando o Simpósio Hipertexto, evento multidisciplinar organizado pelo Núcleo de Estudos e Tecnologias na Educação (NEHTE). Para tanto, Tarcízio pesquisou em anais e periódicos desse Simpósio, construindo seu corpus. Este foi formado por trabalhos cuja abordagem principal era o uso das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação), concernentes ao hipertexto, aos blogs e às redes sociais. Ele enfatiza ainda a importância desse evento (em sua sexta edição) para o diálogo de estudiosos sobre o tema em questão: recursos digitais no ensino/aprendizagem de línguas, observando novas perspectivas de letramentos.

    No oitavo artigo desta coletânea, Amisa Dayane Lima de Gois sustenta o tema sobre ensino de língua, refletindo desta vez sobre ensino/aprendizagem do Inglês, enquanto língua estrangeira (L2). Em “A utilização de filmes para a aprendizagem da Língua Inglesa: uma abordagem acerca do método Desuggestopedia e dos novos letramentos”, a pesquisadora reflete sobre uma metodologia de ensino de L2, a partir da qual os aprendizes possam adquiri-la em situações livres de tensão. No caso em estudo, ela propõe a exposição de filmes e, depois, uma análise crítica deles, proporcionando aos alunos a aquisição de formas dialogais linguísticas, da cultura local, da identidade pessoal dos personagens. Analisa, então, como essa língua pode ser estudada/aprendida, na medida em que associa o método em questão (Desuggestopedia) a novos letramentos, às consequentes possibilidades de compreensão de textos (neste caso, produzidos pela mídia cinematográfica). Ao longo do texto, a pesquisadora alega que esse método é capaz de estimular a inteligência espaço-visual, a partir da qual o aluno pensa com imagens, relacionando-as ao conteúdo programado. Isso porque tal método propõe ações pautadas em situações reais de comunicação, em que os aprendizes estão inseridos. Em virtude disso, a aprendizagem ocorre mais significativamente. Amisa, dessa forma, contribui para reflexões sobre a aquisição de L2 (a língua inglesa), numa perspectiva de letramento, proporcionando ao estudante o desenvolvimento das competências comunicativas básicas: falar, ouvir, ler, compreender.

    Uma análise referencial do curta 'Tour Eiffel', de Sylvain Chomet”, elaborado por Lorena Gomes Freitas de Castro, destaca as discussões sobre os processos de referenciação e a produção de sentido. Neste artigo, Lorena analisa a construção referencial do texto no curta francês em foco ("Tour Eiffel"), observando a construção da narrativa, por meio de diferentes códigos semióticos (desde o linguístico ao imagético). Estes códigos se integram e convergem para uma interpretação além da verbal, porque os protagonistas se utilizam de mímicas, exigindo dos sujeitos (interlocutores) habilidades de leituras diferenciadas. Numa análise, pautada nas perspectivas da referenciação, ela examina a multimodalidade textual, observando como as multissemioses agregadas são importantes para a criação de efeitos de sentido. Considera, portanto, o texto como ação social multiforme, refletindo as relações humanas, as diferentes maneiras de enxergar o mundo. Nesse caminho, concorda com Marcuschi (2008, 2011), para quem o texto consiste em uma construção de sentidos dinâmica e flexível. Por conseguinte, sugere um diálogo entre as áreas do saber capazes de darem conta dessa dinamicidade do texto e seus efeitos de sentido. Após esse diálogo, a autora conclui que “[...] o processo de construção referencial não é exclusivo da textualidade linguística grosso modo, porém constitui processo intercognitivo, social e multimodal” (Ler).

    No décimo artigo, há uma retomada do ensino de Língua Portuguesa, “O ensino de Língua Portuguesa e as TIC”, de Maria Conceição Lima Santos. Esta destaca a revolução propiciada pelas TIC, no que diz respeito à forma de pensar de algumas pessoas, sobretudo no campo social, político, científico e tecnológico. A autora evidencia ainda a mudança com relação à leitura, à escrita e, consequentemente, ao ensino destas. Daí a necessidade de a escola (e o ensino) descentralizar modelos considerados tradicionais. Nesse sentido, ela apresenta as principais normas que regem o emprego das TIC em sala de aula, no âmbito da Legislação Brasileira, principalmente, as normas concernentes ao ensino de língua portuguesa, no ensino médio. Além da apresentação da legislação atual, a autora faz uma breve retrospectiva histórica, procedendo a uma revisão bibliográfica, com abordagem descritiva, análise documental. Conclui seu texto apontando para a necessidade de a escola vivenciar, assim como os estudantes, a era digital. Para que isso ocorra, ela adverte que é imprescindível instrumentalizar as escolas, os estudantes.

    Flávio Passos Santana e Nicaelle Viturino dos Santos de Jesus são os autores do décimo primeiro artigo, intitulado “Curtindo o curta semioticamente”. Eles trazem à baila discussões relacionadas à circulação dos discursos institucionalizados pela mídia cinematográfica. Elegem, então, como corpus de pesquisa, o curta-metragem denominado “Xandrilá”, uma produção intersemiótica, embasada no conto de mesmo título, publicado em 2010, por Isaac Dourado. A partir desse corpus, procedem a uma análise, à luz da semiótica discursiva, apoiados na semiótica greimasiana, no percurso gerativo de sentido, mais especificamente no nível fundamental; focalizam o estado de consonância e dissonância dos principais personagens, quanto à satisfação existencial. Esta, em muitos momentos, não se adéqua às normas e valores sociais privilegiados. Com base em Jakobson (2005), defendem que há uma tradução intersemiótica, na medida em que há uma passagem do conto para as telas. Por conseguinte, ocorre uma transformação de um sistema de signos para outro: do verbal para o não verbal. Os referidos autores argumentam ainda sobre a importância de uma investigação, pautada em uma obra audiovisual.

    Débora Reis Aguiar e Gládisson Garcia Aragão Souza são os responsáveis pelo décimo segundo artigo desta coletânea, intitulado “Internetês: um estudo de caso”, no qual pensam sobre a utilização do ciberespaço para a interação entre indivíduos, em especial, entre jovens, e a consequente aplicação de uma linguagem própria, mais conhecida como “internetês”. Observam, então, a possibilidade de tal emprego alterar a chamada norma padrão, principalmente a concernente à escrita veiculada na escola. Nesse sentido, os referidos autores questionam se o uso das hastags apresenta uma variação linguística, um novo padrão de língua ou se ele se aproxima da norma padrão. Para investigar esse objeto de estudo, sob o viés sociolinguístico, elegem como aporte teórico os estudos de Freitag et al (2006); Thurlow, Brown (2003). E, a partir de suas investigações, concluem que os aspectos linguísticos presentes nas hastags não representam uma variação linguística. Quanto às máximas eleitas para as análises do corpus, percebem que há um uso pouco frequente da máxima da brevidade e velocidade, pois os indivíduos preferiram escrever por extenso; no que diz respeito à segunda máxima, relacionada às intuições linguísticas, a homofonia torna-se ausente, uma vez que os informantes preferem o uso da norma culta; quanto à última máxima, a denominada aproximação fonológica, os autores constataram que esta se apresenta pouco frequente no corpus analisado.

    Relações de poder na mídia: as piadas como ferramenta de comunicação e interatividade” constitui o décimo terceiro artigo. Fabiana Alves do Nascimento eSanadia Gama dos Santos analisaram as piadas como um gênero do discurso presente nas redes sociais, em especial no Facebook. Elas consideram essas piadas como instrumento discursivo de comunicação e de poder, haja vista (por elas/nelas) serem perpassadas ideologias estigmatizadas pela sociedade, compartilhadas rapidamente por tal mídia. Esse compartilhamento, por seu turno, é ampliado, na medida em que os leitores curtem tais piadas, promovendo, dessa forma, uma rede de partilhas de tais ideologias. Como corpus da pesquisa foram utilizadas piadas postadas no Facebook, à luz de uma abordagem qualitativa, ancorada nos estudos Marcuschi (2001), Ramos (2010), Possenti (2003) e Foucault (2003, 2008). A partir desse estudo, as referidas pesquisadoras concluem que os discursos circulados nesse espaço contribuem para a reprodução de ideologias estigmatizadas, podendo (ou não) fortalecer, reproduzir determinados comportamentos sociais.

    O décimo quarto artigo, denominado “O 'corpo ideal' nas capas da revista boa forma: uma análise discursiva”, de autoria de Grace Cristina Milet Castro da Paixão, analisa o discurso perpassado nas/pelas capas da revista Boa Forma, na tentativa de “compreender a formação e a transformação das práticas discursivas relacionadas ao corpo” (Ler). Isso porque tal revista veicula slogans, imagens de artistas famosas, com a finalidade de induzir as pessoas a buscarem o corpo ideal (magro, por excelência), reafirmando a luta de determinados indivíduos (homens ou mulheres) contra o excesso de peso. Nesse sentido, Grace investiga quais sentidos são produzidos na veiculação de discursos sobre a obesidade, contemplando a relação entre o dito e o não dito, com base no campo teórico metodológico da Análise do Discurso, de linha francesa. Consoante essa área do saber, o discurso é estrutura e acontecimento, efeito de sentido, inserido numa dimensão linguística e sócio-histórica. Para tal investigação, ela selecionou um corpus formado por três capas da revista Boa Forma; conclui, a partir de tal análise, que o discurso veiculado nas capas /pelas capas pode promover uma certa alienação do sujeito, ao perpassar ideias preestabelecidas sobre a beleza, sobre o emagrecimento do corpo.

    "Lembram-se do que foi dito?": a memória discursiva no twitter” compõe o décimo quinto artigo desta coletânea. Foi produzido por Jaqueline Lima Fontes e Thayza Souza Carvalho, com vistas a analisar o funcionamento do discurso no Twitter, por meio de alguns exemplos. Observam, então, a relação entre dito/não dito, a memória discursiva (PÊCHEUX, 1999; ACHARD, 1999), capaz de trazer à tona dizeres ditos e esquecidos. Como aporte teórico, as pesquisadoras utilizaram os pressupostos da Análise do Discurso, de linha francesa, analisando tweets extraídos da conta @ThinkOlga. Refletiram, então, sobre a composição "estrutural" (recursos tecnológicos do microblog, utilizados pelas pessoas) e sobre os modos como o discurso é produzido no Twitter. Os resultados mostram o uso de hiperlinks e de hashtags, de forma a não apenas complementar, mas contextualizar o discurso publicado na rede social, o que lhes permitiu identificar uma espécie de "acervo hipertextual" de memórias.


    Conforme a apresentação dos "ciberartigos" componentes desta coletânea, nós percebemos a originalidade e a importância deste ebook respectivamente no modo como traz diferentes linguagens (verbal, visual, sonora) e no âmbito das discussões acadêmicas acerca da mídia impressa, cinematográfica, do ciberespaço e da cibercultura. Os estudiosos em questão elucidaram múltiplas perspectivas de análise, de pesquisa, ressaltando a importância desses meios ora para o ensino, ora para a comunicação, ora como instrumento de veiculação de ideologias. Enfim, não só os organizadores desta coletânea como também os autores dos textos estão de parabéns pelo esforço para a concretização deste projeto!


    Professora Doutora Maria Emília de Rodat de Aguiar Barreto Barros
    Universidade Federal de Sergipe (DLEV / PPGL / PPGCOM)


  • Atlantis

    Sumário

    A LINGUAGEM DOS EMOJI E A REINVENÇÃO DO ALFABETO[1]

    Lilian Cristina Monteiro França (Doutora / UFS / liliancmfranca@uol.com.br[2]

    Resumo: A linguagem da internet incorpora aos tradicionais códigos de escrita um novo conjunto de símbolos (em especial os denominados emoji) produzindo, em certa medida, uma reinvenção do alfabeto.

    Palavras-Chave: Emoji; Linguagem; Internet; Remediação; Alfabeto.

     

    1 Introdução

    Em 2015, a “palavra do ano”, tradicionalmente escolhida pelos dicionários Oxford, não foi uma palavra, mas um pictograma (Figura 1).

    Figura 1 – Pictograma “Chorando de rir”/ Fonte: Diário de Notícias (2015)

    Conhecido como “chorando de rir” ou “lágrimas de alegria” (em inglês "Face with Tears of Joy"), o pictograma reflete, segundo os dicionários Oxford, o que mais representa o espírito cultural do ano: “Em 2015, o "rosto com lágrimas de alegria" representou 20% de todos os emojis usados no Reino Unido e 17% nos Estados Unidos” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 2015).

    O universo dos pictogramas, conhecidos como Emoticons, Smileys e Emojis, vem ganhando espaço nas formas de comunicação através de dispositivos móveis, abrindo espaço para novas configurações da linguagem.

    De acordo com Finnemann (1999) vivemos num momento de coexistência da "galáxia de Gutenberg" (caracterizada pelo texto impresso) e da "galáxia de Turing" (baseada na microeletrônica e no hipertexto não sequencial).

    O autor discute a existência de um "alfabeto dos alfabetos", originado pela potencialidade do código binário (composto de “zeros e uns”), que funciona como um gerador de símbolos (Figura 2).

    Figura 2 – Representação do Código Binário / Fonte: Slideshare

     

    A partir do código binário desenvolveu-se o Unicode, que especifica a representação de texto em todos os produtos e softwares (UNICODE, 2014), permitindo a padronização de uma série de elementos gráfico/visuais (Figura 3).

     

    Figura 3 – Tabela de Codificação Unicode / Fonte: Unicode (2014).

    A escrita na era da digitalização vem sendo objeto de estudos que procuram compreender as mudanças no uso do texto em ambientes digitais. Tuman (1992), ao estudar a relação entre computadores e os processos de escrita, destacava que o uso de computadores estava modificando o processo de alfabetização e alterando o modo como lemos, escrevemos e pensamos, dando origem ao que o autor chama de "uma nova paisagem cultural", e, ainda, adverte:

    Alguns grupos já estão transferindo sua lealdade da página impressa para a tela do computador. Eles pensam no computador como meio primário e na impressão como um meio secundário ou especializado. Se a nossa cultura como um todo seguir a sua liderança, o texto poderá vir a ser associado às qualidades do computador (flexibilidade, interatividade, velocidade de distribuição), ao invés das qualidades da impressão (estabilidade e autoridade). (BOLTER, 2001, p.3) (tradução própria)[4].

    De toda forma, o crescimento do uso de pictogramas é inegável.

     

    2 Emoticons, Smileys e emojis

    As letras do alfabeto latino, para além da escrita segmental, historicamente têm sido utilizadas com base na plasticidade e no seu caráter gráfico/visual, incorporando-se a obras de arte e às composições arquitetônicas (Figuras 4 e 5).

    Figura 4 – Presença de letras em obras de arte: “Bottle, glass, violin”, Pablo Picasso, 1912; “Villa R”, Paul Klee, 1919; Grafite de Jean-Michel Baquiat, década de 1980. / Fonte: Wikiart e SubsoloArt

    Figura 5 – Representação da palavra “Símbolo” a partir de detalhes arquitetônicos / Fonte: Próprio autor,alphabetphotography)

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    O “alfabeto da internet” inclui Emoticons, Smileys e Emojis. Os Emoticons (resultado da junção das palavras emotion+icons) funcionam como unidades mínimas de significação, construindo um texto capaz de atravessar, em certa medida, as barreiras impostas pelo domínio de diferentes idiomas, possibilitando, dessa forma, uma comunicação de ordem global (Figura 6). Estudos realizados por Tchokni, Seaghdha e Quercia (2014) indicam que o uso de Emoticons está diretamente relacionado ao poder do usuário nas redes sociais. Os autores criaram, inclusive, um Emoticon Sentiment Dictionary, baseado no Wasden’s Internet Lingo Dictionary (WASDEN 2010). Wasden (2010) afirma e indica as razões que o levam a acreditar que uma nova linguagem surgiu.

    Figura 6 - Dicionário de Emoticons / Fonte: Textmeanings

    Os Smileys, conhecidos também como “Face com um sorriso” (Smiley Face), datam do início do século XX, quando, em 1900, o poeta dinamarquês Johannes V. Jansen, conhecido por suas experimentações com a linguagem, incluiu em uma carta a seu editor o desenho de duas faces, uma alegre e outra triste (Wikipédia). Ingmar Bergman, em seu filme Hamnstad, 1948, incluiu uma cena na qual a personagem Berit, desenha uma face triste no espelho (Figura 7).

    Figura 7 – Berit desenha uma face triste no espelho, em Hamnstad de Ingmar Bergman, 1948/ Fonte: Ingmarbergman.se.

    Uma versão inicial da Smiley Face teria aparecido numa mensagem postada por Scott Fahlman, da Carnigie Mellon University, em setembro de 1982 (Figura 8). Uma campanha da rádio estadunidense WMCA , de 1962, apresentou as primeiras representações da famosa face (Figura 8). De acordo com Stamp (2013) o criador da Smiley Face foi o artista gráfico estadunidense Harvey Ross Ball, que teria desenvolvido a marca para uma campanha da State Mutual Life Assurance Company em 1963 (Figura 8). Em 2001, em homenagem a memória do artista, foi criada a World Smiley Foundation , (Figura 8) organização sem fins lucrativos que desenvolve atividades beneficentes e se encarrega da comemoração do Worlds Smileys Day, toda primeira sexta feira de outubro. A imagem disseminou-se e foi incorporada à mensagens e frases que circulam pela internet, sendo adicionada a teclados de smartphones e tablets.

    Figura 8 – Versões do Smiley Face / Fonte: Carnigie Mellon University, Wikipédia, Smitsonian, WSF

    Do mesmo modo, os emojis, criados por Shigetaka Kurita, em 1999, para uso nos celulares, passaram a integrar o “alfabeto”. O crescimento da demanda fez com que fossem desenvolvidos teclados especiais contendo os emoji, como mostra a Figura 9:

    Figura 9 – Teclado emoji para smartphones e tablets / Fonte: ABC de Sevilla

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    O verbete "emoji" (termo derivado do japonês e-imagem+ moji-letra ou de e+mo (escrita)+ ji (personagem) foi incluído no dicionário Oxford em agosto de 2013, juntamente com uma série de outros termos ligados ao universo da comunicação digital. A definição do dicionário para emoji é: "uma pequena imagem digital ou ícone usado para expressar uma ideia ou emoção na comunicação eletrônica" (OXFORD DICTIONARIES, 2013) (tradução própria)[5].

    Os Emoji dividem-se em: pictogramas que representam rostos, edifícios, animais, plantas, objetos, e, ícones, que representam emoções, sentimentos ou atividades e não ficam restritos ao universo dos emoticons, ou seja, não têm por objetivo representar apenas as emoções, mas todo o universo que nos rodeia.

    Um estudo desenvolvido pela empresa Swiftkey, o Swiftkey Emoji Report, 2015, analisou mais de um bilhão de emojis utilizados por falantes de 16 línguas diferentes, indicando que variações das “faces felizes” são as mais utilizadas, como mostra a Figura 10:

    Figura 10 – Emojis mais utilizados por categoria / Fonte: Swiftkey Emoji Report, 2015.

    O estudo indica ainda quais os emojis mais utilizados para representar os sentimentos, colocando em primeiro lugar as “faces felizes” em todos os países pesquisados, com exceção da França, que usa mais os “corações” (Figura 11).

    Figura 11 – Emojis mais utilizados para demonstrar sentimentos/ Fonte: Swiftkey Emoji Report, 2015.

    A presença dos emojis tem crescido, obrigando o Unicode Consortium – entidade responsável pela padronização do Unicode[6] – a rever seus processos de trabalho. Em 2014 o Unicode Consortium enfrentou uma crise relativa à forma de representação de diferentes etnias na internet através da linguagem do emoji, tanto que em novembro/2014, a organização publicou uma nova diretriz que inclui a adição de 37 novos personagens emoji, incluindo um sistema para representar a diversidade racial, além de um conjunto de novas regras sobre como os emoji seriam adicionados ao Unicode padrão, daqui para frente.

    A questão surgiu nas próprias redes sociais a partir de considerações que questionavam a utilização exclusiva de personagens com pele branca, excluindo todas as outras raças e etnias. O UNICODE versão 7.0, passou a incluir uma gama maior de possibilidades, como mostra a Figura 12:

    Figura 12 – Emoji adicionados ao UNICODE versão 7.0 / Fonte: Unicode

    De acordo com Mark Davis, presidente do Unicode Consortium, a popularidade dos emoji surpreendeu a organização: "Nós realmente tivemos que evoluir nosso pensamento por causa de emoji " (FASTCODESIGN, 2014). Em princípio, os critérios para a adição de novos emoji obedecem a duas regras básicas: lacunas lógicas (se existe um emoji para "tigre" e não existe um para "leão", é preciso criar um para "leão") e, onipresença (um determinado emoji torna-se muito popular na internet e, por isso, deve ser adicionado).

    O Unicode Consortium tem recebido uma grande quantidade de solicitações que fogem às suas regras básicas. Campanhas públicas pedindo a inclusão de novos caracteres tornam-se cada vez mais comuns, a exemplo da promovida pela Taco Bell (cadeia norte americana de fast food especializada em comida mexicana), que lançou uma petição pública on-line[7] para que o emoji de um "taco" (comida típica mexicana) fosse também incluído pelo Unicode Consortium, o que aconteceu em 2015 (Figura 13).

     

    Figura 13 – Campanha da Taco Bell para a criação do emoji “Taco” / Fonte: Change.org

    O pano de fundo aqui apresentado tem o objetivo de contextualizar a utilização dos emoji e ampliar a compreensão de como essa nova forma de grafia vem criando “alfabetos paralelos”, que passam a integrar uma parte significativa das comunicações digitais.

     

    2 O emoji e a reinvenção do alfabeto

    A importância dos emoji faz com integrem a rotina de diferentes tipos de pessoas. Vejamos, por exemplo, a matéria do On Politics, datada de 2011: “Hilary Clinton reveal she needed help on emojis” , indicando que os pictogramas integram a agenda de secretários de estado, políticos e de todos os que dependem da comunicação digital. Antecipando as eleições presidências de 2016 nos Estados Unidos, a CNN preparou emojis para todos os candidatos, reiterando a importância do pictograma (Figura 14).

    Figura 14 – Emojis dos possíveis candidatos às eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos segundo a CNN / Fonte: CNN, 2015.

    A preocupação com a tradução do significado dos emojis levou ao surgimento de vários sites especializados, como é o caso da Emojipédia (Figura 15), que apresenta uma série de informações sobre o emoji pesquisado.

     

    Figura 15 – Tela de abertura da Emojipédia / Fonte: Emojipédia.

    Kelly e Watts (2015) ressaltam que a comunicação mediada por computador esbarra na falta de formas de expressão típicas do contato face a face, fato que resulta na adoção dos emojis para conferir precisão ao sentimento externado.

    "Emoji Dick; or The whale" é uma tradução do clássico "Moby Dick" de Herman Mellvile, publicado em 1851, para a linguagem emoji. O livro, com 736 páginas, foi editado e compilado por Fred Benenson, em 2010. Trata-se de um projeto experimental que reuniu algumas tendências do ambiente digital: a captação de recursos através de plataformas digitais (o Kickstarter)[8] e o trabalho colaborativo (Amazon Mechanical Turk)[9].

    Uma força de trabalho da ordem 8 mil pessoas realizou a tradução, durante um período equivalente a sete anos, se feito por uma só pessoa. Um exemplo da tradução pode ser visto na Figura 16.

    Figura 16 – Trecho ampliado – Cap. 1, p. 15 – do livro "Emoji Dick" / Fonte: Benelson ( 2010)

    O que chama a atenção nessa obra, não é tanto a estranheza da tradução, mas o fato de que cada linha do texto foi traduzida ao menos por três pessoas diferentes e submetida a uma votação on-line para que se chegasse à versão mais adequada, indicando haver um conjunto de pessoas capazes de decodificar as ideias centrais do texto.

    A linguagem empregada na tradução reúne elementos das quatro eras culturais. A oralidade está presente na medida em que a escrita se aproxima da fala. Os emojis funcionam como elementos paralinguísticos que integram a conversação.

    Outro livro escrito inteiramente com emojis foi criado pelo chinês Xu Bing: "The book from the ground: From point to point", e publicado em 2014 pela MIT Press (Figura 17).

     

    Figura 17 – "The Book from the ground: From point to point", de Xu Bing / Fonte: Asiasociety

    No âmbito da poesia, cabe mencionar o trabalho de Carina Finn e Stephanie Berger, "The Grey Bird: thirteen emoji poems in translation" (2014), apresentando a versão em inglês e em emoji de uma série de poemas (Figura 18).

     

    Figura 18 – Poema "A kitty devours the grey Bird" extraído do livro "The Grey Bird: thirteen emoji poems in translation" / Fonte: Coconut.

    A renomada revista "The Yale Literary Magazine", publicou um poema de Isabel Ortiz (2014) traduzido para a linguagem dos emoji (Figura 19):

     

    Figura 19 – Poema de Isabel Ortiz (p.45/ Slide 28) / Fonte: Yalelitmag

    Todas as obras apresentadas apontam para uma tendência de estruturação gramatical dos emoji, além de apresentarem versões impressas, o que caracteriza o processo de convivência e coevolução nos termos propostos por Finnemann (1999). Não se trata apenas de uma imagem ou ícone representando uma ideia ou uma emoção, mas de textos narrativos completos, estruturados em torno de uma gramática e uma lógica que se distanciam, em certa medida, das práticas literárias convencionais.

    Cientes da importância dos emoji, Niki Selken e Cara DeFabio fundaram, em 2013, a World Translation Foundation WFT, com o objetivo de promover, explorar e traduzir a palavra escrita para o alfabeto pictórico do emoji (WORLD TRANSLATION FOUNDATION, 2013). Os fundadores argumentam que "As palavras podem ser complicadas e enganosas e, o pior de tudo, mudam de país para país. O alfabeto pictórico do léxico do emoji é onipresente. [...] A WTF visa educar o público na arte de deixar a arte falar para você. A WTF vai transformar a maneira como você se comunica, e pavimentar o caminho para um futuro mais tranquilo. (WORLD TRANSLATION FOUNDATION, 2013) (tradução própria)[10].

  • Selken (2014) argumenta que com os avanços tecnológicos, a comunicação interpessoal passou a ser cada vez mais uma comunicação mediada, despontando como uma linguagem visual emergente que amplifica a capacidade de conexão entre pessoas em diferentes espaços através de formas mais abstratas e reduzidas de comunicação (SELKEN, 2014, pp. 2-3).

    Nesse sentido, cabe citar Recuero (2012), descrevendo o ambiente digital de comunicação:

    A conversação no ambiente do ciberespaço nem sempre ocorre em uma unidade temporal onde há a copresença dos participantes. Com a escrita “oralizada”, as interações possuem memória ou permanência. [..] são capazes de persistir no tempo como registro de trocas. Com isso, um conjunto de trocas conversacionais pode acontecer em um período de tempo alargado e sem a copresença física dos envolvidos. (RECUERO, 2012, p. 264)

    As estratégias de comunicação escrita, portanto, desenvolvem-se no sentido de buscar outras estratégias, para além do caráter simbólico do alfabeto latino, dominante no ocidente, incorporando elementos pictográficos e retomando a iconicidade dos alfabetos ideográficos, o que se constitui na construção de uma outra lógica de produção textual.

     

    3 Considerações Finais

    O Global Language Monitor – GLM – apresentou em dezembro de 2014 a lista das palavras mais utilizadas no idioma inglês durante o ano: este ano, de fato, não se tratou de uma palavra, mas sim de um símbolo, o "emoji heart" ( ). De acordo com o GLM (2014), a figura do emoji "coração", bem como as suas variações, aparece bilhões de vezes por dia no ambiente digital, o que vem levando a muitas modificações no próprio alfabeto:

    O idioma Inglês está passando por uma transformação notável, diferente de qualquer outra em sua história de 1400 anos - seu sistema de escrita, o alfabeto, está ganhando caracteres a uma taxa incrível. Estes caracteres são ideogramas ou pictogramas que são chamados emoji e emoticons ( GLM , 2014) (tradução própria)[11] .

    O fato de um emoji ter sido considerado "a palavra" mais utilizada no idioma inglês em ambientes digitais traduz as mudanças em curso na comunicação escrita mediada, apontando para significativas transformações no próprio alfabeto latino[12].

    Subjacente a este fato, uma nova lógica se desenvolve, alterando a lógica segmental que organiza o alfabeto latino e postulando uma prática diferente de organização das ideias na forma de texto escrito. Aliás, o próprio conceito de escrita se vê ressignificado, ganhando novos contornos e abrindo espaço para um novo paradigma.

    A facilidade de leitura dos textos compostos por emojis deve ser considerada, uma vez que, muitas vezes, esses caracteres são utilizados para resolver problemas de imprecisão, ocasionados pela especificidade da comunicação on-line.

    Também chama a atenção o número de publicações impressas que começam a surgir apresentando versões do texto em emoji ou, ainda, somente em emoji e as inciativas para criar dicionários emoji.

    Outro ponto a ser destacado é a utilização de princípios de trabalho colaborativo para encontrar as melhores definições e empregos de cada emoji, num processo que caracteriza a comunicação bottom-up (de baixo para cima), buscando no uso corrente os significados mais indicados.

    Não é possível saber se essa prática irá perdurar ou se é apenas uma tentativa de propiciar a comunicação mais ampla entre falantes de diferentes idiomas, mas, de toda forma, é interessante verificar como a lógica da produção textual vem sendo modificada pela comunicação em ambientes digitais.

     

    Referências

    BING, Xu. The book from the ground: From point to point. Massachusetts: MIT Press, 2014. 

    BOLTER, Jay. Writing space: The computer, hypertext, and the history of writing.Hillsdale, NJ: L. Erlbaum, 1991.

    DIÁRIO DE NOTÌCIAS. A palavra do ano não é uma palavra, é um emoji. 18 de novembro de 2015. Acessado em: novembro de 2015.

    FINN, Carina e BERGER, Stephanie. The Grey Bird: thirteen emoji poems in translation. Atlanta, GA: Coconut Books, 2014.

    FINNEMANN, Neils Ole. Hypertext and the Representational Capacities of the Binary Alphabet. 1999. Acessado em: dezembro de 2014.

    FASTCODESIGN. How Emoji Is Changing Text As We Know It. 2014. Acessado em: dezembro de 2014.

    GLM - Global Language Monitor. Home Page. 2014. Acesso em: dezembro de 2014.

    JENKINS, Henry. Cultura da Covergência. São Paulo: Aleph, 2009.

    KELLY, Ryan e WATTS, Leon. “Characterising the Inventive Appropriation of Emoji as Relationally Meaningful in Mediated Close Personal Relationships”. In: Experiences of Technology Appropriation: Unanticipated Users, Usage, Circumstances, and Design. Oslo, 20 de setembro de 2015. Acessado em: novembro de 2015.

    OXFORD DICTIONARIES, 2014. Home Page. Acessado em: dezembro de 2014.

    RECUERO, Raquel. A conversação em rede. Porto Alegre: Sulina, 2012.

    SANTAELLA, Lúcia. “Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano”. In: Revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 22, dezembro 2003.

    SELKEN, Niki. World Translation Foundation. 2014. Acessado em: dezembro de 2014.

    STAMP, Jimmy. “Who Really Invented the Smiley Face?”. In: Smithsonian.com. 13 de março de 2013.

    SWIFTKEY. Swiftkey Emoji Report. Abril de 2015. Disponível em: <>. Acessado em: novembro de 2015.

    TCHOKNI, Simo. SEAGHDHA, Diarmuid O. QUERCIA, Daniele. Emoticons and Phrases: Status Symbols in Social Media. 2014. Association for the Advancement of Artificial Intelligence. Acessado em: novembro de 2015.

    THOMPSON, Edward. P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

    TUMAN, Myron. Word perfect: Literacy in the computer age. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1992.

    TURING, Alan. "Computing Machinery and Intelligence". In: Mind49: 433-460. 1950. Disponível em: http://cogprints.org/499/1/turing.html. Acessado em: dezembro de 2014.

    UNICODE Consortium. Home Page. 2014. Acessado em: dezembro de 2014.

    WASDEN, Lawrence. Internet Lingo Dictionary. Acessado em: novembro de 2015.

    WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

    WORLD Translation Foundation. Home Page. 2013. Acessado em: dezembro de 2014.

    _________________

    [1] Este artigo consiste numa versão multimodal com modificações, do capítulo de livro “A linguagem dos Emoji e as mudanças da logica textual em ambientes digitais” (no prelo).

    [2] Doutora em Comunicação e Semiótica. Pós Doutora em História da Arte. Professora do Mestrado em Letras (PPGL), do Mestrado em Comunicação (PPGCOM) e do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: liliancmfranca@uol.com.br. Bolsista de Pós-Doutorado/CAPES/Procad, junto ao PPGCOM/UFRGS.

    [3] No original: “[…] looking forward from a world of print, we are still able to see the importance of a critical edge in avoiding too ready and too easy an accommodation with what seems to be an increasingly market-driven world. Even the most ardent fans of computer technology must have some misgivings in the face of the onslaught of sensory images, many commercially motivated, about to invade the hitherto abstract, private space of reading and writing” (p. 138).

    [4] No original: "Some groups are already transferring their allegiance from the printed page to the computer screen. They think of the computer as their primary medium, and print as a secondary or specialized one. If our culture as a whole follows their lead, we may come to associate with text the qualities of the computer (flexibility, interactivity, speed of distribution) rather than those of print (stability and authority)" (BOLTER, 2001, p. 3).

    [5] No original: "A small digital image or icon used to express an idea or emotion in electronic communication" (OXFORD DICTIONARIES, 2013).

    [6] Unicode: “é um padrão que permite aos computadores representar e manipular, de forma consistente, texto de qualquer sistema de escrita existente” (UNICODE CONSORTIUM, 2015).

    [7] A petição está disponível em: <https://www.change.org/p/unicode-consortium-the-taco-emoji-needs-to-happen-2>.

    [8] O projeto está disponível em: <https://www.kickstarter.com/projects/fred/emoji-dick>.

    [9] Para compreender o funcionamento do Amazon Mechanical Turk ver: < https://www.mturk.com/mturk/welcome>.

    [10] No original: "World Translation Foundation believes that words often get in the way of expressing how we feel. Words can be cumbersome and misleading, and worst of all, they change from country to country. The pictorial alphabet of the emoji lexicon is ubiquitous; easy to use and understand. In a tradition that dates back to the hieroglyphs of ancient Egypt, WTF aims to educate the public in the art of letting art speak for you. Let WTF transform the way you communicate, and pave the way to a quieter tomorrow" (WORLD TRANSLATION FOUNDATION, 2013).

    [11] No original: “The English Language is now undergoing a remarkable transformation unlike any in its 1400 year history — its system of writing, the Alphabet, is gaining characters at amazing rate. These characters are ideographs or pictographs that are called emoji and emoticons" (GLM, 2014).

    [12] Cabe destacar que a incorporação de novos elementos tem sido feita em diferentes idiomas e alfabetos, mas no âmbito deste estudo as menções se referem ao alfabeto latino.


    Atlantis

    Sumário

    ATLÂNTIDA: UM OLHAR SOBRE A LINGUÍSTICA DO INÍCIO DO SÉCULO XX[1]

    Lucas Pazoline da Silva Ferreira (Doutorando / UFPE / prof.lucaspazoline@gmail.com)

    Resumo: Este ciberartigo apresenta uma breve discussão sobre o filme "Atlantis: The Lost Empire", uma animação de ficção científica, lançada pela Walt Disney em 2001. A partir da análise de determinadas cenas, objetiva-se descrever, de modo geral, algumas características da Linguística praticada no início do século XX. Em termos metodológicos, a escolha das cenas considerou os seguintes critérios: apresentar uma metodologia ou um resultado de análises linguísticas; evidenciar um papel/lugar do linguista no início do século XX. Como fundamentação teórica, foram utilizados os estudos desenvolvidos por Câmara Jr (1987), Borba (2003), Weedwood (2008), entre outros estudiosos que elaboram um percurso histórico do desenvolvimento da Linguística.

    Palavras-chave: Método histórico comparativo; Animação; Linguística.

    Vídeo 1 – Cenas iniciais do filme “Atlantis: o Reino Perdido” / Fonte: Walt Disney

    1 Introdução

    "Atlantis: The Lost Empire" é uma animação de ficção científica, lançada pelos estúdios Walt Disney em 2001. O enredo do filme, situado em 1914, apresenta “Milo”, um doutor em Linguística, que se aventura numa viagem para encontrar o reino perdido de Atlântida. No desenrolar da trama, a caracterização do protagonista e o modo como ele utiliza seus conhecimentos linguísticos a fim de resolver seus problemas podem representar um contexto específico para os estudos linguísticos pouco distinto ao que realmente era desenvolvido no início do século XX.

    Diante disso, este ciberartigo tem por objetivo descrever, de modo geral, algumas características da Linguística praticada no início do século XX a partir de análises de determinadas cenas de “Atlantis: The Lost Empire”. Em termos metodológicos, a seleção das cenas considerou os seguintes critérios, a saber: apresentar uma metodologia ou um resultado de análises linguísticas; evidenciar um papel/lugar do linguista no início do século XX. Assim, as análises pretendem estabelecer um paralelo entre uma caracterização dos estudos linguísticos apresentada no filme e os dados teóricos, metodológicos e historiográficos, disponíveis em textos científicos.

    No que se refere à fundamentação teórica, ou seja, aos dados teóricos, metodológicos e historiográficos relacionados aos estudos linguísticos do início do século XX, foram utilizados os trabalhos desenvolvidos por Saussure (1998[1916]), Câmara Jr (1987), Borba (2003), Weedwood (2008), entre outros, especialmente os que realizaram um percurso sobre a história das ideias linguísticas. Por fim, as discussões seguintes se estruturam basicamente em duas partes, a saber: um momento de reflexão teórica e, em seguida, a apresentação das análises.

     

    2 Breves considerações sobre a Linguística Histórico-Comparativa

    Antes de uma descrição da Linguística Histórico-Comparativa, torna-se fundamental evidenciar que, por motivos didáticos, alguns pesquisadores que realizam historiografia linguística classificam momentos de estudos sobre a linguagem a partir dos séculos, ou seja, do período de auge de uma determinada perspectiva teórica. Sendo assim, mesmo que a especificação “início do século XX” possa demarcar uma nova vertente da Linguística, não se pode esquecer das perspectivas de estudo do séc. XIX (e anteriores), que, em certa medida, ainda eram praticadas e consequentemente influenciaram na formação da futura geração de linguistas, como é o caso de Ferdinand de Saussure.

    De formação histórico-comparatista, estudo da linguagem predominante no século XIX, Saussure (1998 [1916]) divide a Linguística basicamente em duas dicotomias: Linguística da língua e Linguística da fala; Linguística Sincrônica e Linguística Diacrônica. Todavia, a Linguística enquanto “ciência autônoma” se manifesta quando são eleitas, respectivamente, para objeto de estudo e metodologia, a língua e o ponto de vista sincrônico (um dado estado da língua), em detrimento da fala e da perspectiva diacrônica. Por sua vez, este artigo enfatiza o desenvolvimento da diacronia.

    A diacronia, em termos amplos, refere-se ao estudo das mudanças estruturais de uma língua (ou parte dela) ao longo do tempo. Entre os séculos XVIII e XIX, essa orientação metodológica se fundamentou no desenvolvimento da fonética articulatória e da morfologia. Ambas as disciplinas se tornaram alicerces para os chamados estudos histórico-comparativos. Alguns precursores desse método comparatista são Franz Bopp (1791-1867), que considerou o sânscrito como a fonte comum do latim e do grego, e Jacob Grimm (1785-1863), que identificou certas transformações fonéticas (sistemáticas) dentro das línguas germânicas. Os trabalhos desses estudiosos, no século seguinte, contribuíram para o fortalecimento da tese das “Leis Fonéticas”. E embora o método histórico-comparativo tenha sofrido várias críticas, a diacronia se conservou como orientação aos estudos linguísticos do século XX. Isso ocorre mesmo com a “ruptura epistemológica” estabelecida após a publicação do Curso de Linguística Geral, fundamentado nas ideias de Saussure.

    No início do século XIX, com a descoberta do sânscrito, a noção de “parentesco” entre as línguas ganha força. Ao estudar essa língua, Willian Jones esclareceu que o sânscrito, o grego e o latim eram línguas oriundas provavelmente de uma língua pré-histórica. Posteriormente, estudos como os de Franz Bopp, citado como o fundador da linguística comparatista, foram fundamentais para o desenvolvimento de novos métodos para o trabalho histórico-comparativo.

    Bopp compreendeu que as relações entre as línguas de uma mesma família podiam converter-se em matéria de uma ciência autônoma. O conhecimento do sânscrito foi-lhe precioso [...] O método do eminente gramático alemão, aperfeiçoado, revolucionou os estudos linguísticos posteriores. (BORBA, 1977, p.27).

    No Vídeo 2, o Dr. Aldo Bizzocchi faz alguns comentários sobre o início desses trabalhos comparatistas, discutindo um pouco mais sobre a vida de Willian Jones e sobre a apresentação da primeira pesquisa comparatista.

    Vídeo 2 – Palestra do Dr. Aldo Bizzocchi / Fonte: Aldo Bizzocchi

    Assim, a ideia e a busca desse ancestral comum a todas as línguas (monogênese) foram difundidas e cômodas ao período. Ao analisar fonética, gramática e vocabulário para comprovar uma possível “evolução” das línguas, foram observados parentescos entre as mesmas, o que comprovou certa “genealogia” existente e parte da hipótese do indo-europeu. O desenvolvimento desses estudos de comparação entre as línguas indo-europeias, influenciado pelo positivismo das ciências naturais, principalmente os postulados de Darwin, é um marco importante para o reconhecimento da Linguística enquanto ciência.

    Assim como o francês, o italiano, o português, o romeno, o espanhol e as outras línguas românicas tinham se originado do latim, também o latim, o grego e o sânscrito, bem como as línguas célticas, germânicas e eslavas e várias outras línguas da Europa e da Ásia tinham se originado de alguma língua mais antiga, à qual é costume aplicar o nome de indo-europeu ou protoindo-europeu. (WEEDWOOD, 2008, p.102).

    Portanto, foram fundamentais para o desenvolvimento do método comparativo os estudos de Sir Willian Jones, o estabelecimento de um princípio de “analogia” e a criação de “leis fonéticas” (mudanças fonéticas regulares), estudadas inicialmente por Jacob Grimm e consolidadas pelos neogramáticos cerca de cinquenta anos depois.

    Uma mudança fonética afeta o som de uma palavra e não o seu significado. Trata-se de uma modificação absolutamente regular na medida em que é percebida em “todas” as palavras de modo semelhante. Em latim, por exemplo, o /s/ intervocálico, quando entre vogais e outras posições, aparece como /r/ numa outra época, a saber: de *genesis e *asëna originaram-se generis e arena. Embora o efeito dessas mudanças seja ilimitado e incalculável uma vez que afeta qualquer espécie de signo, deve-se analisar as diferentes fases sem tomar o resultado imediato apenas.

    A analogia se refere a um modelo linguístico e a regularidade de sua imitação, pois se trata de uma forma à imagem de outra ou de outras, segundo uma regra determinada, a saber: para a forma Honos: Honosem originou-se Honos: Honorem (/s/ intervocálico), mas, em analogia a Orator: Oratorem, tem-se Honor: Honorem. Logo, enquanto a mudança fonética anula uma forma precedente antes de introduzir uma forma nova (honorem substituiu honosem), a analógica não acarreta necessariamente o desaparecimento da forma anterior. Por isso, a analogia por si não poderia ser um fator de "evolução linguística", pois, de acordo com o CLG, só acontece evolução na medida em que algo é criado e outro abandonado.

    Embora o método histórico-comparativo tenha se consolidado especialmente no século XIX, ainda não havia a possibilidade de se constituir uma verdadeira ciência linguística, como afirma Borba (1977).

    O comparativismo, apesar de abrir um campo novo e fecundo, não chegou a constituir uma verdadeira ciência linguística. Teve falhas resultantes naturalmente do excesso de entusiasmo e dos percalços próprios de toda ciência em seus primeiros passos. Não se preocupou grandemente com determinar a natureza da linguagem. A comparação era tida como um fim, não como um meio, pois em suas investigações, limitadas às línguas indo-européias, não se indagava a que conduziam as comparações estabelecidas ou as relações descobertas. (BORBA, 1977,p. 28-29).

  • Por fim, como dito, mesmo que se escolha como demarcação o período de auge de uma determinada perspectiva de estudos linguísticos, deve-se lembrar de que, em certa medida, teorias e métodos anteriores, por assimilação ou discordância, influenciam na formação de novas perspectivas  teórico-metodológicas. Sendo assim,  o slide (Imagem 1) do professor da Unb, o Dr. Dioney M. Gomes, sintetiza aspectos importantes sobre os estudos linguísticos realizados da antiguidade até o século XIX.

    Imagem 1 – Breve histórico dos estudos linguísticos / Fonte:  Prof. Dr. Dioney M. Gomes

    3 Atlantis e o método histórico-comparativo

    Este tópico traz um paralelo entre uma caracterização dos estudos linguísticos apresentada em algumas cenas do filme "Atlantis: The Lost Empire" e os dados teórico-metodológicos discutidos no tópico anterior.

    Ao analisar o Vídeo 1, pode-se destacar alguns elementos importantes. Em primeiro lugar, o período (1914) e o lugar (Estados Unidos) demarcam um certo distanciamento geográfico e temporal com o movimento que estava acontecendo na Europa naquele mesmo período, a saber: a divulgação das ideias de Ferdinand de Saussure em seus três cursos ministrados na faculdade de Genebra, que resultaram na publicação do Curso de Linguística Geral, em 1916. Em seguida, a imagem do espaço utilizado pelo protagonista “Milo”, o doutor em Linguística, pode ser associado ao lugar da própria Linguística frente as outras ciências (naturais). Trata-se de uma “subciência”, que não merece um status igualitário devido as suas falhas metodológicas e aos seus resultados questionáveis. Como visto em Borba (1977), falhas decorrentes do excesso de entusiasmo dos pesquisadores e das limitações próprias de qualquer ciência em estado prematuro.

    Vídeo 3 – Cenas selecionadas do filme "Atlantis: The Lost Empire" / Fonte: Walt Disney

    O 1º Recorte faz referência direta a um trabalho de tradução. Num primeiro momento, pode-se sugerir que a cena expõe um "simples" processo que seria realizado com ajuda de um dicionário e uma gramática, como atualmente e de modo geral conhecemos uma tradução não muito sofisticada. Por outro lado, ao analisar os métodos utilizados por Milo, observa-se um procedimento complexo que indica uma possível relação entre filologia e outros estudos associados ao diacronismo.

    O “texto iluminista” apresentado e cujo conteúdo menciona o “diário do pastor”, uma espécie de mapa para Atlântida, sugere um período compreendido entre o final do século XVII e início do século XVIII. Posteriormente, o protagonista utiliza “um texto nórdico” que o mesmo diz ser uma tradução que data de séculos antes. Em seguida, seu estudo o leva a uma comparação dessa tradução com as runas de um escudo viking. Vale ressaltar que a existência de povos vikings demarca um período entre o século VIII e o século XI. Logo, percebe-se que a correção da tradução (Ireland > Iceland) possivelmente ocorreu após a revisão de alguma “lei fonética” ou “analogia”, por exemplo. O fato é que, antes de corrigir a tradução, houve um estudo histórico-comparativo das línguas, pois se nota que Milo precisou trabalhar com diferentes momentos das línguas germânicas para encontrar o problema e posteriormente a sua solução.

    O 2º Recorte apresenta claramente os conhecimentos de Milo sobre diversas línguas e sobre o método histórico-comparativo. Num primeiro momento, evidencia-se a existência de uma língua primitiva cuja estrutura provavelmente deve ter originado as outras línguas. Nessa cena, ilustra-se a existência do indo-europeu, a língua hipotética cujas tentativas de reconstrução se davam pelos filólogos e linguistas do século XIX. No desejo de se comunicar, Milo conseguiu reconstituir o idioma dos atlantis possivelmente através das “leis fonéticas”.

    Por outro lado, a mesma cena também apresenta alguns dos maiores problemas dessa teoria, a saber:  não considerar o contato entre as chamadas “línguas filhas” e os aspectos extralinguísticos. Por exemplo, sugere-se que o italiano, o francês e o inglês (idioma original do filme) podem ser falados independentemente de uma civilização ou cultura atreladas a cada uma dessas línguas, pois de maneira lógico-matemática se pode falar qualquer idioma. Por fim, a menção ao mito da “Torre de Babel” evidencia tanto a diversidade de línguas quanto a existência de uma língua original da humanidade.

    Um fato interessante apresentado no 3º Recorte é a facilidade de Milo em ler um texto escrito na língua dos atlantis. Pelo que foi apresentado no recorte anterior, a comunicação oral foi a razão para Milo demonstrar seus conhecimentos de reconstrução linguística. Todavia, os estudos desenvolvidos para a reconstituição do indo-europeu se utilizavam de materiais escritos. Por isso, em uma das cenas não delimitadas para este estudo, Milo corrige foneticamente algumas expressões que ele só conhecia na forma escrita (reconstituída). A leitura dos escritos de Atlântida só foi possível através da utilização do método histórico-comparativo e o 4º Recorte vem reforçar esse conhecimento sobre a escrita daquele reino.

    Por fim, um dado importante que se apresenta no desenvolvimento da narrativa é que alguns dos principais membros da equipe de Milo poderiam representar uma área do conhecimento, a saber: Geologia (Molière), Medicina (Dr. Sweet), Química (Vinnie Santorini), Engenharia Mecânica (Audrey R. Ramirez). Percebe-se que gradativamente as outras áreas começam a enxergar o caráter científico e os resultados satisfatórios dos estudos linguísticos. Nesse sentido, a contribuição do método histórico-comparativo pode ser associada a essa tentativa de oferecer/considerar um status científico aos estudos linguísticos. Em suma, a análise do filme "Atlantis: The Lost Empire" permite uma síntese de algumas das principais teorias linguísticas do início do século XX, bem como possibilita observar um momento de tentativa de consolidação da Linguística enquanto ciência através do método histórico-comparativo.

    4 Considerações Finais

    Como observado durante as análises, o filme "Atlantis: The Lost Empire" evidencia em sua narrativa um conjunto teórico-metodológico utilizado por um linguista do início do século XX, a saber: a reconstituição de línguas, o método histórico-comparativo, a hipótese indo-europeia. Além disso, torna-se interessante observar como uma empresa como a Walt Disney, que é direcionada ao público infantil, apresenta sugestivamente nessa animação de ficção científica a figura do linguista e o modo como o ele utiliza seus conhecimentos para desvendar os mistérios da narrativa (Onde se encontra Atlântida? Qual a história e a tecnologia de Atlântida?)

    Embora apresente uma breve análise, este trabalho pode ser considerado um exemplo de investigação sobre o modo como os estudos linguísticos são abordados em filmes. Além disso, as discussões desenvolvidas neste ciberartigo também servem como uma sugestão para debate em sala de aula, cujo assunto esteja relacionado a uma historiografia da ciência linguística ou, especificamente, ao método histórico-comparativo.

     

    Referências

    BIZZOCCHI, Aldo L. O latim, o Indo-Europeu e as origens da Linguística [Parte 1]. 2008

    BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos estudos linguísticos /Francisco da Silva Borba. 13. ed. – Campinas, SP: Pontes Editora, 2003.

    CÂMARA JR., Joaquim Matoso. História da linguística. Petrópolis: Vozes, 1987.

    CARVALHO, C. de. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

    GOMES, Dioney M. Da Antiguidade Clássica ao Século XIX: breve histórico dos estudos linguísticos. [2009*]

    ILARI, Rodolfo. "O Estruturalismo Linguístico: alguns caminhos". In.: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C (orgs.) . Introdução à Linguística: fundamentos epistemológicos. v.3. 5 ed. SP: Cortez, 2011, p. 53-93.

    LUCCHESI, D. Sistema, mudança e linguagem: um percurso na história da linguística moderna. SP: Parábola, 2004.

    SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1998 [1916].

    SILVA, Rosa Virgínia Mattos. Caminhos da linguística histórica – "ouvir o inaudível". São Paulo, Parábola Editorial, 2008.

    WEEDWOOD, Barbara. História concisa da lingüística; [trad.] Marcos Bagno. — São Paulo: Parábola Editorial. 2008.

    ________________

    [1] Este texto consiste em uma versão atualizada da publicação realizada em 2012 no periódico Ciberpub.

    Sumário

    MERCANTILIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E CAPTAÇÃO DA SUBJETIVIDADE COLETIVA A PARTIR DE SITES DE REDES SOCIAIS: O CASO DO FACEBOOK

    Eloy Santos Vieira (Mestrando / UFS / eloy.jor@gmail.com )

    Resumo: A economia que orbita em torno da Internet é dinâmica, o que implica em constantes mudanças a fim de se adequar às novas formas possibilidades tecnológicas que surgem e que são cada vez mais aprimoradas pelos players. A exploração de bancos de dados a partir da captação da subjetividade coletiva por meio de sites de redes sociais é uma desses possibilidades aparentemente recentes, mas que tem se tornado prática comum entre as maiores empresas do ramo. Neste artigo fazemos uma breve análise sobre o caso do Facebook, empresa que se mantém apenas a partir da exploração de um site de rede social e como ela se insere nesse contexto.

    Palavras-chave: Economia Política da Internet; Informação; Subjetividade coletiva; Sites de redes sociais.

     

    1 Introdução

    O desenvolvimento da internet é considerado por Ramos (1994) uma das maiores transformações no cenário comunicacional desde a reestruturação global das telecomunicações nos anos 80 e 90. A rede mundial de computadores continuou crescendo a partir de investimentos na infraestrutura comunicacional e do aumento da capacidade de armazenamento e processamento de informações. As implicações tecnológicas da globalização como a digitalização da informação transformou a comunicação, pois, a partir da conversão de qualquer informação em bits, a informação pôde tornar-se global, sobretudo através da Internet, porém:

    Quando falamos em internet, estamos falando de algo substancialmente distinto de todas as inovações tecnológicas anteriores no campo da informação e da comunicação, devido ao seu caráter híbrido. Não se trata de uma nova tecnologia ou de uma indústria concorrente com as anteriores, mas do resultado do desenvolvimento das novas tecnologias e da sua interpenetração e expansão global [...] (BOLAÑO et al, 2011, p. 36)

    Ainda nos anos 1980 começaram a aparecer os primeiros interessados em adquirir o hardware necessário para integrar-se à nova rede. Em seguida os primeiros vendedores passaram a incorporar o protocolo TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol) a seus produtos devido à demanda crescente. Ainda em meados da mesma década, outros protocolos começaram a ser desenvolvidos e o mercado pode escolher aquele que mais atendesse às suas necessidades, assim, o SNMP (Simple Network Management Protocol) foi escolhido porque era considerado o melhor e mais simples para resolver os vários problemas que a rede apresentava no seu início (LEINER et al).

    Vídeo 1 - História da Internet / Fonte: Melih Bilgil


    Foi a partir de meados da década de 1990 que a Internet começou a ganhar a forma tal qual conhecemos hoje. A liberalização do setor de telecomunicações na Europa depois do projeto das Global Informational Infrastructure (GII) iniciou uma nova fase de comercialização e possibilitou o surgimento de empresas vendedoras de produtos e serviços de rede, além de provedores de conexão e outros serviços básicos de Internet (BOLAÑO et al, 2011). No ano de 1999 houve uma intensificação nos investimentos voltados às empresas do ramo tecnológico-informacional:

    A Nasdaq, bolsa de ações das empresas americanas voltadas para segmento de negócio on-line, recebeu grande fluxo de capital, sobrevalorizando empresas de infra-estrutura a exemplo da Cisco Sistems, IBM, Informix, Oracle, Microsoft, Sun Microsystems. (MONTEIRO, 2008, p.20).

    É o surgimento de empresas que não utilizam a Internet apenas como ferramenta midiática, mas que funcionam exclusivamente através desta:

    O advento da Internet trouxe consigo formas peculiares de acumulação de capital [...] Trata-se, portanto, de um novo tipo de empresa: a empresa informacional - caracterizada pela prestação de serviços especificamente voltados às necessidades de acessibilidade, comunicação e informação (provedores de acesso à rede, hospedagem de conteúdo, correio eletrônico, grupos de interesse, salas de bate-papo, mecanismos de busca, comércio eletrônico, dentre outros). Ou seja, empresas que funcionam e obtém lucro com a manipulação (produção/processamento/distribuição) de informações [...] que representam nova fase de acumulação capitalista no âmbito da produção capitalista de informações. (MONTEIRO, 2008, p.2).

    Atualmente temos exemplos dessas “empresas informacionais” praticamente onipresentes em nosso cotidiano. Empresas como Google e Facebook, por exemplo, são consideradas modelos quando o quesito é utilização da internet como plataforma de acumulação de capital. Nos dois casos, as empresas oferecem produtos e serviços gratuitos aos usuários financiados através da comercialização da audiência. No caso da Google, a possibilidade do cruzamento entre bancos de dados de serviços distintos pertencentes à mesma empresa foi primordial, enquanto na segunda a retroalimentação de um site de redes sociais homônimo é o grande diferencial.

    Em conversa com Eli Pariser, Chris Palmer, da Electornic Frontier Foundation, afirmou: “recebemos um serviço gratuito, e o custo são informações sobre nós mesmos. E o Google e o Facebook transformaram essas informações em dinheiro de forma bastante direta”. O autor completa a assertiva dizendo que “embora o Gmail e o Facebook sejam ferramentas úteis e gratuitas, também são mecanismos extremamente eficazes e vorazes de extração de dados” (PARISER, 2012, p.12). A utilização de algoritmos e técnicas de construção de perfis empregadas por essas empresas garantem-lhes bancos de dados riquíssimos, pois, além de relevantes, seus serviços são personalizados, o que, na visão de Pariser, é o que garante o sucesso deste modelo: “[...] Quanto mais personalizadas forem suas ofertas de informação, mais anúncios eles conseguirão vender e maior será a chance de que você compre os produtos oferecidos” (PARISER, 2012, p.13).

    O objetivo dessas empresas, ao contrário da velha TV de massa, não é a estandardização do produto a fim de diluir os custos de produção ao atingir uma grande massa homogênea do público, mas de segmentar ao máximo essa massa, oferecendo ao anunciante uma mercadoria audiência bem caracterizada. Para isso, no ambiente altamente competitivo que é a web, Pariser (2012) afirma que:

    [...] em vez de buscarem levar ao mercado produtos estandardizados, buscam descobrir o que o consumidor está disposto a adquirir, aperfeiçoando a organização produtiva com fins de identificar pessoas, suas necessidades e desejos para, em seguida, confeccionar produtos e serviços capazes de atender a uma demanda gradativamente mais segmentada. (PARISER, 2012, p. 11).

    Este grau de segmentação da audiência proporcionado só foi possível com ferramentas que sucederam a criação da internet, portanto, não pôde ser observada por Bolaño ainda na década de 1980 quando ele tratava da questão da segmentação da audiência na televisão pela primeira vez no meio acadêmico no Brasil. Mas a questão continua sendo a mesma, pois “Ao anunciante, interessa o público que pode participar do consumo proposto pela Indústria Cultural; o público abrangente só é de seu interesse secundário” (BOLAÑO, 2004, p.45). O autor seguiu acompanhando a evolução, seja do mercado de TV, seja da própria internet, demonstrando que a segmentação chega ao ponto da personalização, sem perder, no entanto a característica de comunicação de massa, pois

    [...] informação e comunicação, na sua forma capitalista, continuam servindo ao capital mas, agora, de uma forma renovada, adequada às exigências da modernização conservadora do final do século XX e abrindo as portas para a sua eventual expansão no século XXI (BOLAÑO et al, 2011, p. 37).

    A expansão da qual trata Bolaño é a ascensão dos internet pure players[2] como grandes atores da Indústria Cultural a partir do final do século XX com a privatização da rede em 1995 e culminando na bolha especulativa cinco anos mais tarde para que, na década seguinte surgissem grandes conglomerados de empresas que se utilizam da internet como plataforma de acumulação de capital, os melhores exemplos deste fenômeno são os sites de redes sociais, representados aqui pelo modelo do Facebook, empresa norte-americana que ganhou penetração global a partir deste modelo de negócio.

     

    2 Primeiros sites de redes sociais surgidas a partir da comercialização da internet

    Observamos que os primeiros sites de redes sociais começaram a surgir ainda no final da década de 1990. Tomando por base os conceitos de BOYD & ELLISON (2007), caracterizamos os sites de redes sociais como:

    [...] serviços de internet que permitem a indivíduos (1) construir um perfil público ou semi-público inserido num sistema fechado, (2) articular uma lista com perfis de outros usuários com os quais compartilham conexões e (3) acessar e explorar suas próprias listas de conexões e as de outros indivíduos inseridos no mesmo sistema. [...] O que torna os sites de redes sociais algo único não é o fato de que eles permitem pessoas conhecer estranhos, mas sim o fato de eles permitirem a construção e a publicação das redes sociais" (tradução nossa).

    O primeiro site de rede social que deu origem ao modelo tal como conhecemos hoje foi a SixDeegres, que teve início em 1997. Além de poder criar perfis, os usuários podiam criar uma lista de amigos e, em 1998, puderam navegar por essas listas. Apesar de ter atraído milhões de early adopters, o site não foi tão lucrativo para os investidores e parou de funcionar em 2000 (BOYD & ELLISON, 2007). O SixDeegress foi sucedido por várias plataformas que tiveram relativamente mais sucesso, principalmente pelo fato da segmentação. O Live Journal[3], Asianevenue[4], Blackplanet[5], Migente[6], Fotolog[7] são alguns exemplos.

     

    Duas plataformas que surgiram ainda no começo dos anos 2000 merecem destaque. A primeira delas foi a que mais se aproximou das plataformas de redes sociais como as que conhecemos hoje. Surgido em 2002, o Friendster logo teve um boom de usuários, o que acabou atraindo a atenção da Google que tentou adquiri-lo em 2003 (MASHABLE, 2009). Apesar de perder vários usuários para novas plataformas como MySpace, sobretudo nos Estados Unidos, o Friendster teve mais de 50 milhões de dólares em investimentos de capital de risco. Um dos principais investidores foi a MOL Global, a maior empresa de Internet da Ásia com sede em Kuala Lampur, Malásia, que adquiriu a companhia por mais de US$ 25 milhões (CNN, 2011). Atualmente a plataforma não preza pelo relacionamento, mas sim a produção de jogos virtuais e outros tipos de entretenimento para o público asiático.

    A outra plataforma que ganhou notoriedade no começo dos anos 2000 foi o MySpace. Vários usuários não se adaptaram a sites anteriores como o próprio Friendster, sobretudo integrantes de bandas independentes, que optaram por deixar o Friendster em virtude de mudanças na política de publicações nos perfis. Tom Anderson, fundador do MySpace, aproveitou este momento e acolheu vários músicos dentro de sua plataforma. A relação entre as bandas que aderiram ao site e seus fãs foi considerada uma das principais propulsoras do crescimento do site. Estes fãs, geralmente adolescentes ou jovens, viram na nova plataforma um site atrativo, diferentemente dos sites de redes sociais anteriores, que eram voltados majoritariamente para o público adulto (BOYD & ELLISON, 2007).

    Em 2005, a News Corporation comprou o MySpace da Intermix Media por US$ 580 milhões. Não obstante, a partir do ano seguinte o site enfrentou vários problemas que concerniam a questões de segurança e até pedofilia (BBC, 2005). Apesar dos problemas, Rupert Murdoch, dono da News Corporation, anunciou em 2006 que o site seguia crescendo e já contabilizava mais 100 milhões de usuários no mesmo ano (SEEKING ALPHA, 2006). No final de 2007 o MySpace era considerado o líder entre os diversos sites de redes sociais existentes, superando inclusive o Orkut e o Facebook no número de usuários. O valor de mercado da plataforma passava dos US$ 12 bilhões quando a News Corporation tentou fundir-se com a Yahoo! (TELEGRAPH, 2011). A partir de 2008 o MySpace começou a perder espaço para outros sites, dentre eles o Facebook, que o ultrapassou no mesmo ano (ALEXA, 2008). Depois de perder até 10 milhões de usuários em apenas um mês (TELEGRAPH, 2011), os diretores da empresa decidiram mudar o foco do site na tentativa de inovar: de plataforma de rede social, o MySpace passaria a ser um site voltado apenas para o entretenimento sobre música, TV, cinema e celebridades. Apesar dos esforços, a News Corporation colocou o site à venda em fevereiro de 2011 e a venda teria sido fechada por apenas US$ 35 milhões, ou seja, apenas 6% do valor pago pela empresa de Murdoch em 2005 (CNN, 2011).

    Com a consolidação do mercado, várias companhias começaram a investir também nos sites de redes sociais. Uma das entradas mais importantes neste mercado foi a da Google. Desde 2001 o engenheiro turco Orkut Büyükkökten desenvolvia um projeto pessoal com o apoio da companhia. A primeira versão do projeto foi chamada de Club Nexus e, só três anos depois ganhou o mesmo nome de seu autor. Nascia aí a primeira rede social lançada pela Google, o Orkut. O site agregava características de outras redes já existentes como o preenchimento do perfil voltado para a exibição de interesses, comunidades e dos atores sociais. A partir do preenchimento deste perfil, os usuários podem estabelecer relacionamentos pessoais a partir dos interesses relatados no formulário inicial com outros usuários com perfis semelhantes, o que culmina numa constante alimentação de um amplo e diversificado banco de dados capaz de reter e fornecer informações precisas e segmentadas (MONTEIRO, 2008, p. 3).

    Todas as informações que constam nos perfis (fornecidas diretamente pelo próprio usuário, vale relembrar) podem ser usadas não só para oferecer e desenvolver produtos e serviços relevantes aos usuários, mas também para ligar as bases de dados do buscador com a do site de relacionamentos a fim de potencializar as informações e assim segmentar ainda mais os produtos e serviços disponibilizados pela empresa, sobretudo o de buscas.

    Mesmo depois de várias mudanças no layout e nas funcionalidades, muitos brasileiros acabaram seguindo a tendência mundial e aderiram ao Facebook. Desde 2011 a penetração deste site no país tornou-se mais significativa. Segundo pesquisa do Ibope Nielsen Online divulgada em setembro de 2011, o Facebook teria ultrapassado o Orkut em número de visitantes únicos[8]. Enquanto em agosto do mesmo ano quase 32 milhões de brasileiros tenham visitado o Facebook, a rede da Google registrou apenas 29 milhões. No começo de 2012, outra pesquisa, desta vez feita pela comScore, empresa de consultoria norte-americana, confirmou a tendência apontada pela pesquisa do Ibope no ano anterior. De acordo com a nova pesquisa, o Facebook registrou 36,1 milhões de visitantes únicos em dezembro de 2011, ou seja, apresentou um crescimento de 192% em relação ao mesmo período de 2010, enquanto o Orkut sofria um decréscimo de cerca de 5%, registrando cerca de 34 milhões de visitantes únicos[9]. O estudo ainda revelou que, enquanto em 2010 os brasileiros gastavam apenas 37 minutos navegando no Facebook, em dezembro de 2011 esse tempo pulou para 4,8 horas. Um dado curioso constatado pela pesquisa é que, apesar de São Paulo ser a cidade com o maior número de visitantes, é no Rio de Janeiro que as pessoas passam mais tempo navegando pelo site de rede social. Veja mais dados aqui.

     

    3 O caso do Facebook

    Originário dos Estados Unidos, mais precisamente da Universidade de Harvard, o Facebook surge em 2004, criado por Mark Zuckerberg em parceria com Eduardo Severin (chefe financeiro), Dustin Moskovitz (chefe de engenharia) e Chris Hughes (porta-voz). No ano seguinte, o projeto, que ainda era chamado de 'TheFacebook.com', foi acusado de plágio pelos irmãos Tyler e Cameron Winklevoss e Divya Narendra, pois Zuckerberg, contratado por eles em 2003 para desenvolver alguns códigos para uma plataforma de rede social intitulada 'Harvard Connection' (mais tarde chamada de "ConnectU"), teria se apropriado da ideia e assim criou o Facebook (MASHABLE, 2006). Em 2008 o Facebook propôs aos irmãos uma indenização de 65 milhões de dólares, a proposta foi inicialmente rejeitada pelos Winklevoss, que só desistiram de apelar à corte em junho de 2011 depois de aceitarem US$ 65 milhões em indenizações (IDGNOW, 2012a).

    Considerada atualmente a maior plataforma de rede social na internet e a corporação que obteve mais lucros a partir de um site de rede social, o Facebook contabiliza mais de 800 milhões de usuários ativos. Deste total, mais de 150 milhões estão nos Estados Unidos, seguidos Brasil com quase 50 milhões e Índia com pouco mais de 48 milhões (Fonte: SocialBakers). Os dados comprovam a penetração do Facebook entre os brasileiros, enquanto ocupávamos o 6º lugar até o final de 2011, em abril de 2012 subimos para a 3ª posição, e em junho deste ano já estamos em 2ª lugar, atrás somente dos EUA. Todos os dados estão disponíveis aqui.

    Vídeo 2 - Facebook - Documentário/ Fonte: Discovery Channel

    A primeira parceria firmada por Zuckerberg foi feita com a gigante Microsoft em agosto de 2006 para banners e syndication[10]. No ano seguinte, a mesma Microsoft adquiriu US$ 240 milhões no fundo de investimentos do Facebook e firmou outra parceria para ajudar na divulgação mundial do site de rede social. Quatro anos depois, outro acordo foi feito com a Microsoft para que o Bing (buscador criado para concorrer com o Google) fosse o buscador interno da plataforma. Em contrapartida, as buscas no Bing ficariam enriquecidas com o banco de dados do Facebook, ou seja, uma vez que o usuário tenha feito o login no Facebook, os resultados da busca feita no Bing são influenciados pelas informações contidas sobre ele no banco de dados construído a partir do site de rede social (O GLOBO, 2011).

    O primeiro investimento, de cerca de US$ 500 mil, foi feito por Peter Thiel assim que a empresa foi criada em 2004. Quando alcançou 800 universidades (enquanto ainda era fechada somente para instituições de ensino), cerca de um ano depois de sua criação, o Facebook conseguiu seu segundo investimento captando mais de 12 milhões de dólares em forma capital de risco pela Accel Partners (a mesma investidora de outros grandes empreendimentos como a Macromedia e o Walmart.com, e outras empresas do ramo de tecnologia da informação). Em 2006, o Facebook conseguiu seu terceiro investimento. Desta vez foram mais de 27 milhões de dólares da Greylock Partners, Meritech Capital Partners e outros fundos de investimentos. Em 2007 o quadro muda de figura e, ao invés de receber investimentos, Zuckerberg começa a investir em aquisições de empresas menores. Neste ano a empresa dele adquire a Parakey (startup produtora de sistemas para transferências de arquivos pela Internet), abre sua plataforma de desenvolvimento para receber aplicativos de terceiros e lança o Facebook Ads (sistema de publicidade interna). Em 2009, a Digital Sky Technologies investe US$ 200 milhões e compra a FriendFeed (site que oferecia serviços de agregação de feeds) por US$ 50 milhões (LARDINOIS, 2009). Daí em diante, ou seja, 5 anos e meio depois de sua fundação, o Facebook consegue gerar lucro líquido real depois de mais de US$ 700 milhões em investimentos. (FOLHA, 2009)

    Em 2012 o Facebook fez duas aquisições importantes na tentativa de manter-se como a plataforma mais utilizada. A primeira delas foi a do Instagram (startup focada no compartilhamento de fotografias com efeitos de edição) adquirida por, pelo menos, US$ 1 bilhão. Em sua página pessoal, Zuckerberg ratificou a compra dizendo que aquisição foi feita tendo em vista o aprimoramento dos serviços de compartilhamento móvel de fotografias. Veja a fala completa de Zuckerberg sobre a aquisição da nova plataforma. Outra aquisição bastante relevante foi a do aplicativo feito para compartilhar interesses por meio da geolocalização, Glancee. A tecnologia utilizada neste aplicativo deve servir para o aprimoramento de ferramentas de localização geográficas presentes na plataforma.

    3.1 - Facebook e a captação da subjetividade coletiva

  • A chave da rentabilidade do Facebook é seu sistema de publicidade desenvolvida em 2007 especificamente para a realidade da plataforma. O serviço de anúncios, conhecido como Facebook Ads, permite aos compradores de mídia definir seu público-alvo com riqueza de segmentação devido à ampla base de dados detida pelo Facebook. Devido a esta característica, grandes anunciantes foram atraídos, no entanto, a imprecisão do retorno de investimentos afasta outros investidores. Segundo reportagem do IDGNOW (2012b) o porta-voz da Ford, Charles Zinkowski, disse que mais de 20% da mídia digital da empresa está na plataforma criada por Zuckerberg, ainda segundo a reportagem, para o representante da empresa automobilística, o Facebook é confiável enquanto plataforma de publicidade online, mesmo assim, reconhece que é difícil medir o valor do Facebook comparado a outras formas de publicidade. Esta imprecisão fez com que a GM, uma das maiores empresas do ramo automobilístico do mundo, desistisse de investir pesado em publicidade dentro do site de rede social porque não viu retorno deste tipo de investimento nas vendas reais. (IBTIMES, 2012)

    A facilidade de compra de anúncios publicitários no Facebook, uma vez que não só empresas podem comprar os espaços, mas sim quaisquer usuários podem comprar espaços para veiculação de campanhas, com custo diário mínimo de apenas 1 dólar e ainda contando com a visualização por parte dos que não clicam, o que implica numa audiência com custo-por-mil bem inferior ao valor cobrado pelos portais que vendem sua audiência sem o mesmo detalhamento de segmentação alcançado pelo Facebook. Em suma, a publicidade dentro da plataforma está aberta, não só para pessoas jurídicas, mas também para pessoas físicas e com um custo relativamente baixo.

    Em sua página de princípios, o Facebook deixa claro que, diferentemente do Orkut, o usuário é dono da informação que produz, mas deixa claro sua posição em relação às informações já repassadas a terceiros, como os anunciantes do Facebook Ads:

    As pessoas devem ser donas de suas informações. Elas devem ter a liberdade de compartilhá-las com qualquer um e levá-las consigo para onde quiserem, inclusive removendo-as do Facebook. As pessoas devem ter a liberdade de decidir com quem gostariam de compartilhá-las com quem quiser e configurar os controles de privacidade para garantir suas escolhas. Estes controles, no entanto, não influenciariam como outros que já teriam recebido estas informações as usariam, particularmente fora do Facebook. (FACEBOOK, tradução nossa)

    Já na página sobre suas Políticas de uso de dados, o Facebook explica com quais objetivos utiliza as informações disponibilizadas pelos usuários, ou seja, como o banco de dados construído a partir da captação da subjetividade é utilizado:

    • Como parte de nossos esforços para manter o Facebook seguro e protegido;
    • Para lhe fornecer recursos e serviços de locais, como informar a você e seus amigos quando algo acontece perto de vocês;
    • Para avaliar ou entender a efetividade dos anúncios que você e outros usuários veem;
    • Para fazer sugestões para você e outros usuários do Facebook, como: sugerir que seu amigo use nosso importador de contatos porque você encontrou amigos usando-o, sugerir que outro usuário o adicione como amigo porque o usuário importou o mesmo endereço de e-mail que você ou sugerir que seu amigo marque você em uma foto que ele carregou e que você esteja presente.
    • Conceder essa permissão para nós não só permite fornecer o Facebook tal como é hoje, mas também permite fornecer recursos e serviços inovadores que desenvolveremos no futuro que usarão as informações que recebemos sobre você de novas maneiras. (FACEBOOK, 2011)

     

  • Ainda sobre a política de uso de dados, a utilização dos cookies deixa clara a intenção de utilizar as informações para o Facebook Ads:

    [...] Podemos solicitar aos anúncios que entreguem anúncios aos computadores, telefones celulares ou outros dispositivos com um cookie colocado pelo Facebook (embora, nenhuma informação seja compartilhada com este anunciante). A maioria das empresas na Internet usa os cookies (ou métodos tecnológicos parecidos), incluindo nossos parceiros de anúncio ou plataformas [...]. (FACEBOOK, 2011).

    Antes da Internet, as empresas nunca tiveram tanta oportunidade para capturar e reter informações sobre seus clientes. No caso do Facebook, essas informações alimentam um gigantesco banco de dados, detalhado não só com informações genéricas como sexo, idade, nacionalidade etc., mas também gostos pessoais e, depois da nova timeline[11], detalhes como viagens feitas, família e saúde. Este tipo de recurso possibilita que o Facebook detalhe ainda mais seu banco de dados, o que torna o Facebook Ads ainda mais eficiente.

    Os bancos de dados não dizem respeito, num primeiro momento, a indivíduos ou pessoas particulares, mas a grupos e populações organizados segundo categorias financeiras, biológicas, comportamentais, profissionais, educacionais, raciais, geográficas etc. O cruzamento de dados organizados em categorias amplas irá projetar, simular e antecipar perfis que correspondam a indivíduos e corpos "reais" a serem pessoalmente monitorados, cuidados, tratados, informados, acessados por ofertas de consumo, incluídos ou excluídos em listas de mensagens publicitárias, marketing direto, etc. Em síntese, seu principal objetivo não é produzir um saber sobre um indivíduo especifico, mas usar um conjunto de informações pessoais para agir sobre outros indivíduos, que permanecem desconhecidos até se transformarem em perfis que despertem interesses de qualquer natureza. Inicialmente os bancos de dados se situam num nível infra-individual. Eles não têm apenas a função de arquivo, mas uma função conjugada de registro, classificação, predição e intervenção. É exatamente este conjunto de informações que dá às corporações que captam a subjetividade coletiva através de plataformas de internet um grande poder de mercado. (BRUNO, 2006, p. 155-156).

    Para SENNETT (2006, p. 179), a alimentação deste tipo de banco de dados é originada a partir do que ele chama de 'cultura do novo capitalismo': "a cultura que vem emergindo exerce sobre os indivíduos uma enorme pressão para que não percam oportunidades. Em vez de fechamento, a cultura recomenda a entrega". Quando questiona o papel do Orkut para a Google, MONTEIRO (2008, p.13) levanta a hipótese de que o Orkut seria um mecanismo de captação da subjetividade coletiva para rentabilizar o banco de dados do buscador.

    Na era da Internet, já se conhecem vários casos em que o controle sobre um banco de dados levou ao controle do mercado e enormes retornos financeiros [...] Já começou a corrida pela posse de certa classe de dados centrais: localização, identidade, calendário de eventos públicos, identificadores de produtos e códigos [...] Em outros, o vencedor será a companhia que primeiro atingir uma massa crítica de dados através da participação de usuários, e transformar esses dados agregados em um serviço. (O'REILLY, 2006, p.16; 18).

    Assim como outras empresas de internet, como a Google, por exemplo, o Facebook utiliza-se de seu banco de dados, exatamente devido ao seu alto grau de detalhamento. A construção dos bancos de dados com que visam a mercantilização das informações individuais tem início com as pesquisas para colher as informações dos clientes. Em seguida, a empresa (ou até mesmo terceiros) desenvolvem produtos e serviços baseados nestas informações, e, por último, o consumidor realimenta o processo com novas informações, fechando o ciclo (MONTEIRO, 2008, p.13). É desta forma que o Facebook consegue manter sua lógica de funcionamento de anúncios e, ainda assim, aumentar sua base de dados na medida em que cresce e capta mais usuários ao redor do mundo.

    4 Conclusão

    A internet tida como uma inovação híbrida e não meramente uma TIC ou uma nova indústria; é um espaço de convergência para a produção cultural industrializada. Este novo espaço, apesar do grande potencial para descentralização e democratização da comunicação, assumiu um caráter comercial e passou a ser comandado por novos players da Indústria Cultural, ou seja, o capital continua controlando a produção cultural nos novos meios; nada muito diferente do que já ocorria nas velhas mídias há muito tempo, ou seja, nada mais é do que a reorganização do velho capitalismo, que se faz sempre necessária para manter o sistema e garantindo sua evolução.

    O fato de a web ser um sistema de informação ou uma mídia está relacionado à inserção social das novas tecnologias. Wolton (2003) aponta que as constantes mudanças e evoluções nesse ambiente são meras falácias, pois a inserção das novas mídias ainda não está incorporada ao contexto sóciocultural como as velhas mídias. Quando falamos de internet como mídia, na verdade falamos de serviços distintos que estão inseridos na internet, percebemos que as velhas mídias dependem de uma lógica da oferta, enquanto as novas mídias de uma lógica de demanda. "Pela sua abundância os sistemas de informação relembram um pouco os hipermercados, é 'o grande consumo' de informação e comunicação" (WOLTON, 2003, p. 85). E, para se chegar a este 'hipermercado' repleto de informações subordinado às lógicas de mercado, as pessoas que ressaltam sempre as potencialidades das novas mídias, muitas vezes esquecem-se da realidade.

    A análise do desenvolvimento histórico da internet mostra que a lógica comercial vai-se tornando progressivamente mais importante. Antes da internet, as empresas nunca tiveram tanta oportunidade para capturar e reter informações sobre seus clientes. A partir de uma plataforma de rede social na Internet, o Facebook constrói e explora um banco de dados rico e detalhado, provando que o capitalismo não foi subvertido, nem sofreu alterações profundas, mas sim, adaptou-se a um cenário em que grandes corporações migraram e/ou investiram na investiram na internet de forma a transformá-la em mais um mecanismo da Indústria Cultural.

     

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    [1] Este artigo é um pequeno excerto adaptado da monografia escrita e defendida no semestre de 2012/2 como Trabalho de Conclusão de Curso pressuposto para o título de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo sob orientação do prof. Dr. César Bolaño.

    [2] Empresas que funcionam somente a partir da internet como plataforma, não só como uma simples ferramenta. Ver também a definição de “empresa informacional” (MONTEIRO, 2008, p.2).

    [3] O LiveJournal foi lançado em 15 de abril de 1999 pelo programador americano Brad Fitzpatrick como uma maneira de atualizar seus colegas de classe com as atividades escolares. Em 2005, a empresa especializada em blogs, Six Apart, adquiriu os direitos sobre a plataforma. Em 2007, a SUP Media, uma empresa de mídia russa comprou novamente a plataforma e remodelou todo o site para operar no seu país de origem.

    [4] O site voltado para imigrantes asiáticos que vivem nos Estados Unidos foi lançado originalmente em julho 1997 por cinco jovens. Em 1998 tinha alcançado mais de 50 mil usuários e mais de 5 milhões de page views. Assim como outros sites voltados para segmentos étnicos, foi usado como ferramenta na campanha do atual presidente Obama em 2007. A navegação pela plataforma é publica e as pessoas podem ver quem visitou seu perfil.

    [5] Outro site voltado para um segmento étnico, neste caso, os afro-americanos. Começou em 2001 como um espaço para marcar encontros, ofertas de empregos e até discussões sobre política e sociedade. Em 2007 o site ultrapassou a marca dos 16 milhões de usuários e 80 milhões de page views e, dois anos depois, lançou sua versão também para celulares.

    [6] Mais uma plataforma segmentada etnicamente, desta vez para os imigrantes hispânicos, lançada em 2000, alcançou o patamar de 3 milhões de membros registrados e firmou uma parceria com a Si TV em 2007, chegando a revelar músicos através de canais no site. Um ano depois, o site foi comprado pela Radio One por US$ 38 milhões pela mesma empresa que controlava o Blackplanet e o AsianAvenue.

    [7] A marca do Fotolog, lançada em 2002, pertence à empresa Fotolog Inc., companhia privada com ações da BV Capital, 3i e outros investidores individuais. É considerado o primeiro site de rede social voltado para o compartilhamento de fotografias. Em 2007 a empresa de publicidade online Hi-Media adquiriu o Fotolog por mais de US$ 90 milhões (WIRED, 2007).

    [8] Indica o número de pessoas que visitam essas páginas, que não necessariamente coincide com o número de cadastrados nos serviços.

    [9] Número de visitantes contados somente uma vez, ou seja, número absoluto de visitantes do site durante um período específico. Esse tipo de informação pode ser obtida a partir de cookies.

    [10] Termo em inglês que, no contexto da Comunicação, significa a veiculação de conteúdo de um terceiro num veículo de comunicação.

    [11] Recurso lançado pelo Facebook em setembro de 2011, mas aberto ao público geral somente a partir de dezembro do mesmo ano com o intuito de fazer do perfil um reflexo da vida real do usuário como descrito pela própria empresa em: https://www.facebook.com/about/timeline



    CIBERESPAÇO: UMA ABORDAGEM ACERCA DA APROPRIAÇÃO DESSE DISPOSITIVO COMUNITÁRIO E INTERATIVO PARA GERAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO

    Márcio Renan Correa Rabelo (Mestrando/UFS/marciorenancr@gmail.com)

    Resumo: As novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) não estão mudando apenas as formas de entretenimento e lazer, mas potencialmente todas as esferas da sociedade: o trabalho, gerenciamento e atividades políticas, atividades militares e policiais, principalmente no consumo (comércio eletrônico), além da comunicação e educação (Ensino à distância), enfim, estão mudando toda a cultura em geral. Este artigo procura analisar a apropriação do ciberespaço, mesmo que sem englobar a multiplexibilidade que esse dispositivo comunitário e interativo concentra nas interações entre indivíduos para suas relações sociais, econômicas, políticas e culturais; através das práticas e finalidades para quais tem sido destinadas em seu uso, focando sua análise na educação a partir da apropriação do ciberespaço com a finalidade de construção e distribuição de conhecimento e informação em rede a partir de AVAS. Esta análise se dará com o aporte da etnografia virtual como uma metodologia para estudos na Internet (HINE, 2000) e netnografia como um método interpretativo e investigativo para o comportamento cultural e de comunidades on-line (KOZINETS, 1997).

    Palavras-Chave: Ciberespaço; Internet; Educação.

     

    1 Introdução

    A utilização das tecnologias da informação e comunicação (TIC), sobretudo a representatividade da internet nas relações sociais contemporâneas, potencializa o processo comunicativo, por sua vez amplia cada vez mais a geração e distribuição de conhecimento e informação, influenciando na formação da cultura e forma de interagir socialmente do indivíduo. Nesse aspecto, podemos destacar a Internet como uma das forças que regulam a sociabilidade contemporânea. Para Castells (2006, p. 255), a "internet é o tecido de nossas vidas neste momento. Não é futuro. É presente. Internet é um meio para tudo, que interage com o conjunto da sociedade". A internet como meio de comunicação, proporciona a interação e organização social, além disso, dita tendências e desenvolve comportamentos. Afirma ainda Castells (2006, p.255), "a internet é – e será ainda mais – o meio de comunicação e de relação essencial sobre o qual se baseia uma nova forma de sociedade que nós já vivemos". Esse pensamento é representado por processos mediados por novos dispositivos virtuais que proporcionam o comunicar e o saber e transformam essas próprias relações, além de agregar formas de colaboração flexíveis, resultando em processos de inteligência coletiva com experiências em rede, constituindo assim, o ciberespaço. Pierre Lévy afirma:

    O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se como um instrumento dessa inteligência coletiva. É assim, por exemplo, que os organismos de formação profissional ou à distância desenvolvem sistemas de aprendizagem cooperativa em rede […] Os pesquisadores e estudantes do mundo inteiro trocam ideias, artigos, imagens, experiências ou observações em conferências eletrônicas organizadas de acordo com interesses específicos. (LÉVY,1999, p. 29).

  • A utilização dos novos dispositivos de processamento de informação e comunicação transforma as relações e interações entre as pessoas que resultam em uma cultura informatizada, designada como "cibercultura". Lévy (1999) analisa através da designação "cibercultura", como sendo, este novo espaço de interações disponibilizado pela realidade virtual, resultante de uma cultura informatizada. Sobre a cibercultura, o Vídeo 1 traz uma entrevista com esclarecimentos do próprio Lévy.

    Vídeo 1 – Entrevista com Pierre Lévy / Fonte: Radar Cultura

    A cibercultura já não é mais uma promessa, e sim uma realidade. Teixeira (2012, p.27) lembra que "Marcada pelas tecnologias digitais de rede, a cibercultura permeia o cotidiano das pessoas, que convivem e se fundem com as tecnologias disponíveis, fazendo destes aparatos extensões de seus próprios corpos". É importante salientar que a tecnologia da informática possibilita ao indivíduo a inclusão nesse novo espaço e a conquista de outros espaços até então utópicos para algumas pessoas, porém o uso dessas tecnologias requer habilidades e adaptações a estas novas ferramentas computacionais. Sobre esta perspectiva, Bolaño (2007) argumenta que é importante destacar que a tecnologia por si não garante a operacionalização das possibilidades advindas da digitalização. O uso da ferramenta de forma diferenciada e ampliada tanto na produção, como distribuição e articulação dependem, principalmente, do uso e da apropriação que os trabalhadores fazem dela.

    A apropriação dessas tecnologias mesmo que de caráter virtual, podem transformar radicalmente não somente as relações sociais de um indivíduo, mas também gerar mudanças drásticas no espaço físico a partir da mediação virtual para eventos físicos e de grande escala, com consequências de grande impacto para o mundo, como guerras entre países e destruição. Dessa forma podemos ter o ciberespaço que ao mesmo tempo em que proporciona a evolução do processo de comunicação e acesso à informação, pode ser um perigo para a sociedade, a depender do uso e da apropriação desse espaço, principalmente por ser um meio rico para a comunicação a partir do aumento do número de usuários (HINE, 2005).

    A multiplexidade que envolve as novas tecnologias, num aspecto metodológico de investigação científica, pode transpor a discussão da evolução tecnológica em si para as questões de sociabilidade e apropriação, "o agente de mudança não é a tecnologia em si, e sim os usos e as construções de sentido ao redor dela" (HINE, 2005: 13). Nesse sentido a autora defende a utilização da etnografia virtual, ou seja, uma etnografia transposta ao ciberespaço como metodologia para suprir o espaço de estudo das práticas cotidianas em torno da internet. Segundo Hine (2000), "a forma pela qual a perspectiva etnográfica funciona para os estudos da internet é através do estudo de seus diferentes usos". Sendo assim, acredita ser uma metodologia ideal para iniciar esta classe de estudos, pois pode ser utilizada para explorar as complexas relações existentes entre as afirmações previsíveis acerca das novas tecnologias em diferentes contextos, como jogos, espaços de trabalho, meios de comunicação de massa, etc.

    Vídeo 2 – Etnografia Cultural / Fonte: Javier López


    Outra variação foi a criação do neologismo "netnografia" (net + etnografia), cunhado na metade dos anos 90 por Kozinets, que popularizou o termo em suas pesquisas relacionadas ao fandom, ao marketing e às comunidades de consumo online. A netnografia também leva em conta as práticas de consumo midiático (BRAGA, 2007).

     

    2 Ciberespaço: geração e distribuição de conhecimento e informação

    Na educação à distância, as interações ocorrem nos ambientes virtuais de aprendizagem. Esses ambientes são formados por um conjunto de ferramentas para a construção, que também disponibilizam e permitem a manipulação de material instrucional. Este conjunto de ferramentas, além de conter recursos para a manipulação de conteúdo, a partir de textos, imagens e gráficos, contém dispositivos para organizar dados, gerenciar informações e conteúdos, considerando a participação dos usuários conectados em rede nesses processos de comunicação síncrona e assíncrona. Pode-se dizer que:

    Os AVA consistem em mídias que utilizam o ciberespaço para veicular conteúdos e permitir interação entre os atores do processo educativo. [...] Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) consiste em uma opção de mídia que está sendo utilizada para mediar o processo ensino-aprendizagem à distância. (PEREIRA, SCHMITT, DIAS apud PEREIRA, 2007, p. 5).

    Batista (2000) define o AVA como lugar, onde estudantes e professores podem interagir psicologicamente com relação a certos conteúdos, por meio de métodos e técnicas previamente estabelecidos, visando à construção de conhecimentos. Os ambientes virtuais funcionam como "constelações de gêneros digitais", termo sugerido por Araújo (2005) por ser um espaço dinâmico, onde som, imagem, textos verbais e não verbais, hipertextos, e-books, vídeo aulas e outros recursos motivam a aprendizagem dos alunos.

    2.1 Chats

    Dentre os gêneros digitais, alguns dos mais utilizados no ambiente virtual, são: chat, fórum de discussão e wiki. Marcuschi (2004, p.28) elenca vários tipos de chats, dentre os quais podemos destacar: a) Chats em aberto: "inúmeras pessoas interagindo simultaneamente em relação síncrona e no mesmo ambiente". b) Chat reservado: variante dos room-chats, mas com as falas pessoais acessíveis apenas aos dois interlocutores mutuamente selecionados, embora possam continuar vendo todos os demais em aberto. c) Chat agendado: oferece possibilidade de diversos recursos tecnológicos na recepção e envio de arquivos. d) Chat privado: "são os bate-papos em sala privada com apenas os dois parceiros de diálogo presentes". (MARCUSCHI, 2004, p.28)

    2.2 Fóruns de discussão

    Segundo Santos (apud SILVA, 2006, p. 229), os fóruns permitem o registro e a comunicação coletiva por meio da tecnologia. Ainda conforme Santos (apud SILVA, 2006, p.229), nos fóruns, "emissão e recepção se imbricam e se confundem permitindo que a mensagem circulada seja comentada por todos os sujeitos do processo de comunicação".

    2.3 Wiki

    Um wiki proporciona a construção de textos de forma colaborativa, permitindo ainda, que os participantes trabalhem juntos, além disso, possam adicionar novas páginas web ou completar e alterando o conteúdo dessas páginas publicadas. O wiki é importante para a escrita colaborativa no ambiente virtual, porque promove uma maior interação entre os autores que, por sua vez, podem compartilhar suas experiências de produção textual. Esses gêneros digitais apresentados e vários outros gêneros digitais podem ser utilizados para os processos de comunicação mediada por computador (e -comunicação) proporcionando a interação, bem como geração e distribuição de conhecimentos de forma não linear.

     

    3 Considerações Finais

    Uma das características marcantes da sociedade contemporânea é a crescente presença das tecnologias no cotidiano das pessoas. A Internet, hoje, representa um suporte tecnológico fundamental para várias esferas de interações sociais, principalmente para a difusão de conhecimentos até então limitados por espaço-tempo e também geograficamente. A comunicação vem sofrendo, cada vez mais, mudanças a partir de aparatos tecnológicos e da apropriação do espaço virtual que a Internet proporciona. Desta forma, a educação vem utilizando os artifícios tecnológicos dos computadores em rede para criar situações de aprendizagem condizentes com o mundo atual e, de acordo, com as demandas da sociedade do conhecimento. Mesmo assim é um ambiente que se apresenta ainda desconhecido e com um amplo caminho a ser percorrido, exigindo dos indivíduos que interagem e se apropriam desse espaço, uma adaptação e aprendizagem nos processos de construção do conhecimento mediados e gerados a partir destas tecnologias. Esse novo ambiente, distinto por suas características particulares, exige um comportamento diferente, uma nova cultura, conhecida como cibercultura.

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    A CRIAÇÃO DE CIBERARTIGOS NO PERIÓDICO DIGITAL CIENCIDADE-CIBERPUB: UM ESTUDO DE CASO

    Meyre Jane dos Santos Silva (Mestranda/UFS/meyjanne@gmail.com)

    Resumo: Buscou-se analisar nesse artigo o novo gênero de produção de artigos acadêmicos, denominado ciberartigo, na primeira plataforma digital brasileira específica para este fim: Ciencidade Ciberpub. Nosso objetivo nesse ciberartigo é investigar todos os recursos que a referida plataforma disponibiliza para os pesquisadores até a publicação e circulação dos trabalhos, bem como sua contribuição para a comunidade acadêmica. Para tanto, abordaremos as questões sobre hipertexto com os principais autores do tema, dentre eles Xavier (2013) e Marcuschi (1999).

    Palavras-chave: Ciberartigo; Cienciadade-ciberpub; Hipertexto. 

     

    1 Introdução

    É notório que estamos vivenciando um novo momento na era digital. Os internautas da Web 2.0 passaram utilizar niknames e avatares para que pudessem ser facilmente identificados, pois eles desejam sair da condição de espectadores para se tornar agentes criadores desse mundo virtual. Nessa nova cultura do "faça você mesmo o mundo virtual", esses usuários não buscam apenas apreciar os conteúdos, eles querem participar de forma concreta. Sendo assim, são eles que produzem, alimentam e supervisionam esse mundo digital.

    Diante dessa nova cultura do interacionalismo, há um crescente interesse das pessoas em experimentar cada vez mais a leitura e a escrita por essas tecnologias digitais, bem como uma significativa adesão também da comunidade acadêmica nos textos científicos. A partir dessa nova cultura de interação entre sujeitos e redes digitais, o pesquisador Antônio Carlos Xavier relata que:

    Partilhando dos mesmos princípios epistemológicos, qual seja: o sujeito constrói seu próprio conhecimento amparado por parceiros e ferramentas cognitivas e sociais diversas, a teoria da cognição situada defende que a aquisição de conhecimentos passa pela compreensão de que uma cultura não é uma acumulação de saberes, antes é um conjunto de conhecimentos entrelaçados. Tal entrelaçamento de conhecimentos propicia a incorporação de novos saberes, especialmente em contextos específicos de aprendizagem. (XAVIER, 2013, p. 42).

    Ainda nessa perspectiva de entrelaçamentos de conhecimentos, citada por Xavier (2013), enquadram-se também os textos acadêmicos encontrados nos artigos científicos, resenhas e fichamentos. Sendo assim, a partir desse momento histórico da internet e visando a interação da comunidade acadêmica com as novas tecnologias digitais, o pesquisador Lucas Pazoline S Ferreira criou, em 2014, o Blog Ciberartigo que visa reunir cientistas interessados em promover a colaboração entre pesquisas, além da divulgação e leitura de textos científicos.

    O ciberartigo é um gênero textual que surgiu na Web e vem emergindo de forma intensa por conta do apoio encontrado nos sistemas digitais. Tem como uma das suas principais características a integração de diferentes linguagens e ferramentas que os recursos tecnológicos oferecem, sendo essa a sua principal diferença do artigo científico tradicional.

    Segundo Marcuschi (2008, p.155 apud FERREIRA, 2014, p. 47), "O gênero textual refere aos textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Eles apresentam padrões sociocomunicativos característicos e diferenciados pelas características técnicas, estilísticas e institucionais". No caso do gênero ciberartigo, uma das suas principais particularidades é a possibilidade de incorporar várias ferramentas interativas e colaborativas, tais como botões para comentários ou correções.

    Diferentemente do artigo tradicional, esse novo modelo de trabalho científico se distingue desde seu processo de construção até em sua natureza, na medida em que se caracteriza pela integração de diferentes linguagens e ferramentas, pois seu modelo de escrita e leitura é específico e somente possível através das tecnologias digitais. É por conta disto que o consideramos como um gênero emergente da Web.

    O artigo tradicional, por sua vez, tem como uma de suas características a extensão textual. Já o ciberartigo, conforme descrito por Ferreira (2014, p. 57), "[...] segue um princípio de bom senso por parte do(s) autor(es)". Entretanto, os padrões básicos da pesquisa, tais como metodologia, análise dos dados e resultados, devem ser preservados. No que tange à avaliação, para que um artigo científico seja validado cientificamente é necessário que seja avaliado por uma comissão científica e que seja divulgado. Além de tais exigências, o ciberartigo possui propostas de avaliação colaborativa online.

    Vale a pena ressaltar que as duas modalidades de artigos possuem características particulares. O artigo tradicional está diretamente ligado à mídia impressa, já o ciberartigo, em virtude do seu suporte, possibilita a utilização de hiperlinks e hipermídias, o que também o diferencia da versão eletrônica (digitalização). Não podemos desconsiderar também que o artigo científico tradicional possui uma estrutura de base secular enquanto a sua versão digital possui poucas décadas. E, assim como a sociedade, ele também foi se modificando ao longo das evoluções tecnológicas. Entretanto, embora a internet promova uma maior facilidade e rapidez na busca e no compartilhamento de pesquisas científicas, muitas das informações ainda se apresentam em formato tradicional, mesmo que digitalizado. Dessa forma, deve-se considerar a existência dos dois tipos de gêneros de artigo científico: o Artigo Científico Tradicional, sendo impresso ou digitalizado; e o Ciberartigo.

    É a partir da perspectiva desse novo gênero de artigo científico que surgiu o periódico Ciencidade-Ciberpub, o qual propõe a integração de linguagens e ferramentas que somente as tecnologias digitais podem oferecer, como por exemplo, a utilização de hipertextos e hipermídias. Com o presente trabalho pretende-se, portanto, analisar a funcionalidade do referido periódico, bem como suas contribuições para a comunidade acadêmica que se insere nessa nova era digital. Para tanto, procuramos apresentar os conceitos de hipertextos, sob as perspectivas dos principais estudiosos da área, e em seguida apresentar um panorama geral das funções e ferramentas do periódico Ciencidade-Ciberpub.

     

    2 Sobre o Hipertexto

    Hipertexto é uma série de itens lexicais textuais (denominados de blocos de informações ou nó) conectados por links, ou seja, um texto que se ramifica e permite uma interatividade ao leitor. Dessa forma, caracteriza-se por ser um texto não sequencial, visto que tais links podem direcioná-lo para outros textos, vídeos, imagens, etc. Logo, a ordenação da leitura deve partir do leitor, pois não há o compromisso com a sequência rígida da leitura inicial, possibilitando, então, uma interação com as novas informações que surgem durante a navegação e a possibilidade de o usuário criar sua própria linha de leitura, conforme evidencia Marcuschi:

    [...] o hipertexto caracteriza-se, pois como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multisequencial e indetermidado, que segundo Bolter (1991:10), introduz um novo 'espaço de escrita', que ele caracteriza como "escrita eletrônica", tendo em vista a tecnologia de base [...] Ao permitir vários níveis de tratamento de um tema, o hipertexto oferece a possibilidade de múltiplos graus de profundidade simultaneamente, já que não tem sequencia nem topicidade definida, mas liga textos não necessariamente correlacionados. (MARCUSCHI, 1999, p. 1. apud FILHO, 2010, p. 89).

    Segundo Marcuschi (1999), as principais características da natureza do hipertexto, além da não lineralidade (dita anteriormente), há a volatilidade, a topografia, a fragmentariedade, a acessibilidade ilimitada, a multisemiose, a interatividade e a iteratividade. Ainda nessa perspectiva, Xavier (2001) apresenta outras concepções que complementam as características do hipertexto, são elas: a imaterialidade, a ubiquidade, a convergência e a intertextualidade infinita. Já Lévy (1993, p. 15-16), com o intuito de preservar as múltiplas interpretações sobre o hipertexto, aponta características a partir de seis princípios abstratos, a saber:

    Princípio de metamorfose: a rede hipertextual está em constante construção e renegociação.

     

    Princípio de heterogeneidade: os nós e as conexões de uma rede hipertextual são heterogêneos. O processo sociotécnico colocará em jogo pessoas, grupos, artefatos, forças naturais de todos os tamanhos, com todos os tipos de associações que pudermos imaginar entre estes elementos.

     

    Princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas: o hipertexto se organiza em um mundo "fractal", ou seja, qualquer nó ou conexão, quando analisado, pode revelar-se como sendo composto por toda uma rede, e assim por diante, indefinidamente, ao longo das escalas dos grupos de precisão.

     

    Princípio de exterioridade: a rede não possui unidade orgânica, nem motor interno. Seu crescimento e sua diminuição, sua composição e sua recomposição permanente dependem de um exterior indeterminado. Por exemplo: para a rede semântica de uma pessoa escutando um discurso, a dinâmica dos estados de ativação resulta de uma fonte externa de palavras e imagens.

     

    Princípio de topologia: nos hipertextos, tudo funciona por proximidade, por vizinhança. Neles o curso dos acontecimentos é uma questão de topologia, de caminhos. A rede não está no espaço, ela é o espaço.

     

    Princípio de mobilidade dos centros: a rede não tem centro, ou melhor, possui permanentemente diversos centros que são como pontas luminosas perpetuamente móveis, saltando de um nó a outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, de rizomas, finas linhas brancas esboçando por um instante um mapa qualquer com detalhes delicados, e depois correndo para desenhar mais à frente paisagens do sentido.

     

    Para uma maior compreensão, seguem vídeos do Prof. Dr. Antônio Carlos Xavier na Conferência "Hipertexto: ampliando links para linguística, literatura e educação".

    Vídeo 1 – Conferência do Prof. Dr. Antônio Carlos Xavier (Parte 1) / Fonte: Nehte UFPE

    Vídeo 2 – Conferência do Prof. Dr. Antônio Carlos Xavier (Parte 2) / Fonte: Nehte UFPE

     

  • 3 O periódico Ciencidade-Ciberpub: suas particularidades

    Segundo pesquisa publicada na Revista USP, a partir de 2009, mais de um terço da produção científica brasileira vem sendo publicada em periódicos científicos. Esse percentual levou o Brasil a 13ª posição no ranking internacional de produção científica, ao passo que, em 2010, o número de periódicos indexados on-line em acesso aberto na Scientific Electronic Library Online (SciELO) alcançou a média de 10,6 milhões de downloads de artigos. A partir de tais dados, podemos observar a importância que os periódicos têm para a comunidade acadêmica com a divulgação das pesquisas científicas.

    A exemplo da revista Kairos - uma revista americana on-line que visa à publicação de textos digitais e multimodais – o periódico Ciencidade-Ciberpub surge com a intenção de divulgação de trabalhos acadêmicos, mas com uma perspectiva inovadora e pioneira no Brasil. Diferentemente dos outros periódicos, o Ciencidade-Ciberpub tem como objetivo a produção e publicação de artigos científicos a partir das novas tecnologias digitais - Ciberartigo. E uma das suas principais características é que os pesquisadores não se limitam apenas em suas pesquisas, eles podem colaborar com outras pesquisas através do compartilhamento de textos, comentários e revisões dos trabalhos.

    Idealizado pelo pesquisador Lucas Ferreira, o Ciencidade-Ciberpub foi desenvolvido em 2012 e se destaca por ser um periódico cientifico virtual completamente produzido para Web. Outra característica fundamental é que, diferente dos periódicos tradicionais, no Ciberpub, a submissão de trabalhos tem fluxo contínuo, ou seja, pode ser feita a qualquer momento.

     

    Imagem 1- Publicação no Ciberpub / Fonte: Ciberpub

    Atualmente, este periódico recebe trabalhos das áreas de Letras, Linguísticas, Educação e Comunicação Social, e visa atender também as diversas áreas do conhecimento. Outra grande diferença é que sua avaliação é baseada em Peer Review colaborativo, de modo que o usuário pode, além de solicitar avaliação do Conselho Editorial, solicitar também avaliações dos usuários, o qual fortalece ainda mais a discussão de textos científicos. Após apreciações, o pesquisador resume as avaliações e comentários e envia a algum membro do Conselho Editorial ou a algum pesquisador convidado, que tenham afinidade com a temática. Essa proposta de escrita colaborativa do Ciberpub se faz com comentários, revisões dos outros membros e edição do texto em coautoria.

    Outro ponto bastante inovador neste periódico é que ele não funciona apenas como página de visualização e download de textos. Sua plataforma permite ao usuário que o texto seja criado na própria página (ver Imagem 2). Após o cadastro e assinatura do termo de uso, o usuário terá acesso à página de criação do Ciberartigo, a qual possui um layout semelhante aos editores de textos convencionais. Assim, mesmo que o Ciberartigo não esteja pronto, outros usuários poderão visualizar e trocar informações relevantes que possam contribuir para a pesquisa.

    Imagem 2 - Resumo do processo de publicação / Fonte: Ciberpub

     

    4 Considerações finais

    A internet propiciou uma interação social jamais vista anteriormente, que ocasionou uma mudança cultural na sociedade, pois as pessoas buscam sempre estar conectadas para se relacionar com outras mesmo que em ambientes diferentes e geograficamente distantes. E, como todas as inovações tecnológicas que já abrangem todo o mercado e áreas do conhecimento, é preciso que haja também inovação nos textos científicos não apenas no conteúdo de suas informações, mas também na forma de sua criação e desenvolvimento. Ao utilizar esse recurso da internet – o interacionalismo - a discussão e a divulgação de pesquisas podem ser feitas a todo momento, o que antes só era possível em eventos científicos.

    Diante de tudo que foi apresentado, pode-se afirmar que o periódico Ciencidade-Ciberpub é uma proposta inovadora e pioneira no Brasil, pois une as novas tecnologias digitais a fim de promover uma maior discussão, divulgação e compartilhamento de textos científicos. Vale a pena ressaltar que o Ciencidade-Ciberpub não recebe financiamento de nenhum órgão de fomento ou instituição, dificultando, assim, possíveis melhorias. Se a plataforma tivesse algum financiamento, certamente ela poderia ocupar o ranking das melhores plataformas internacionais, visto que ela emerge da necessidade de a comunidade acadêmica se adaptar às novas estruturas digitais.

    Referências

    FERREIRA, L. P. S. "Uma experiência de produção textual acadêmica para Web: um olhar sobre os ciberartigos". In: Congreso Iberoamericano de ciencia, tecnología, innovación y educación, 2014a, Buenos Aires, Argentina. Memorias del Congreso Iberoamericano de ciencia, tecnología, innovación y educación, 2014.

    FERREIRA, L. P. S. Ciencidade: o ciberartigo como gênero acadêmico emergente da Web. 2014. 117f. Dissertação - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2014b.

    FILHO, A. A. "A comunicação na era da nova tecnologia digital: a escrita no ciberespaço". In: Fólio - Revista de Letras. Vitória da Conquista, v. 2, n. 1, jan/jun 2010. p. 88-100.

    MARCUSCHI, L.A. "Linearização, cognição e referência: o desafio do hipertexto". In: Línguas, instrumentos linguísticos. Ed 3. Campinas: Pontes, 1999.

    PACKER, A. L. "Os periódicos brasileiros e a comunicação da pesquisa nacional". In: REVISTA USP, São Paulo, n.89, março/maio 2011. p. 26-61

    XAVIER, A. C. "Hiperleitura e interatividade na Web 2.0". In: Questões de leitura no hipertexto. RETTENMAIER, M.; RÖSING, T. M. K. (Org). Passo Fundo: Ed. Universidade de Passos Fundo, 2013.


    Sumário

    GÊNEROS DIGITAIS: A LITERATURA SURDA EM QUESTÃO

    Almir Barbosa dos Santos (Mestrando/ UFS / almirbarsantos@yahoo.com.br)

    Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir a importância dos gêneros digitais para o ensino/aprendizagem dos alunos surdos através do livro digital da literatura surda. Assim, através destes novos recursos tecnológicos digitais, os alunos surdos conseguem compreender melhor a sua segunda língua (Língua Portuguesa) a partir da sua própria língua (Libras), tornando-se bilíngue. O corpus dessa pesquisa é composto pela literatura surda "As Aventuras de Pinóquio" na perspectiva do gênero digital. A metodologia aplicada foi de caráter exploratório e se fundamentou teoricamente em autores como: Marcuschi e Xavier (2010), Magnabosco (2009), Lorenzi e Pádua (2012), Perlin (1998), Karnopp (2010), Bernardino (2000), Gomes (2011), Teles e Sousa(2010) entre outros.

    Palavras-Chave: Gêneros Digitais; Literatura surda; Línguas de sinais; Bilíngue.

     

    1 Introdução

    A presença das novas tecnologias digitais vem avançando através da internet como ferramenta no processo de ensino/aprendizagem. O espaço virtual tem um papel fundamental para viabilizar recursos que facilitem este processo de cognição, principalmente em relação ao ensino/aprendizado de línguas. A mediação desenvolvida por meio da comunicação através do suporte "computador" trouxe uma mudança significativa tanto no ambiente escolar para as modalidades de leitura e escrita como também na vida social.

    Diante do contexto educacional atual, uso dos gêneros digitais podem favorecer os processos de ensino e aprendizagem mais eficazes tanto ao professor quanto aos alunos. Pinheiro (2008) declara que a inserção da tecnologia da informação e da comunicação na vida cotidiana dos cidadãos tem se tornado um evento cada vez mais marcante, porque, entre outras coisas, é capaz de reordenar o próprio modo como o ser humano interage e se integra socialmente. Este novo ambiente virtual, segundo Magnabosco (2009, p. 1390), "[...] cria, então, um novo lugar de comunicação, atrelado pela velocidade, imagem, digitalização do texto, que acaba por afetar as pessoas e o modo como elas se comunicam e vivem [...]".

    Essa comunicação mediada pelo advento da internet realiza uma mudança significativa na aprendizagem dos alunos surdos, devido aos recursos tais como: imagens, animações, vídeos e entre outros, os quais são de suma importância na construção de sentidos, visto que os alunos surdos significam o mundo dentro de uma perspectiva visual. Este novo espaço virtual através da linguagem digital se mostra eficaz principalmente nos processos de ensino/aprendizagem da primeira língua ou da segunda língua, pois, de acordo com Lorenzi e Pádua (2012. P. 40), "[...] as possibilidades de ensino são multiplicadas se utilizarmos ferramentas digitais. É possível formar redes descentralizadas para a interação; trabalhar imagens [...]".

    O hipertexto possibilita, através dos vários recursos digitais, a leitura nas modalidades escrita e visual, pois o hiperleitor surdo é bilíngue, ou seja, está em contato com a língua portuguesa na modalidade escrita e visual por meio da libras, podendo, assim, fazer uma leitura não linear e não hierarquizada. Assim, o aluno surdo pode partir da primeira língua, que é a Libras, ou pela segunda, que é Língua Portuguesa. A visualização dessas duas línguas só acontece mediante a linguagem digital, possibilitando ao hiperleitor surdo uma melhor compreensão da sua segunda língua na modalidade escrita por meio da Libras. Como há várias literaturas surdas, destacaremos mais uma nesta concepção bilíngue, a conhecidíssima estória da literatura clássica infantil "Chapeuzinho Vermelho", traduzida em libras e adaptada para o público surdo, contemplando, assim, as duas línguas e seus aspectos culturais.

    Vídeo 1 – Chapeuzinho Vermelho em Libras / Fonte: INES

     

    Magnabosco (2009) destaca que quando se incorporam recursos tecnológicos relacionados à prática educacional, tais como: imagem, som, vídeo e animações, há uma melhor assimilação de conteúdo por parte dos alunos. Em relação aos alunos surdos, esses recursos servem como instrumentos norteadores para o desenvolvimento da aprendizagem. Pereira Júnior (2007 apud Magnabosco 2009, p.1396) classifica animação como um dos recursos diferenciadores no hipertexto. Para esse autor, muitos hipertextos, além das características já apontadas, apresentam figuras e menus animados, recursos que dificilmente se adequam a uma estrutura clássica convencional, ou seja, ao papel. Esses recursos tornam o ambiente escolar mais atraente, dinâmico e interativo a fim de uma aprendizagem mais eficaz. Nessa direção, entende-se que esses recursos são fundamentais para os processos cognitivos dos alunos surdos em virtude da modalidade visual que corrobora para seu modelo de aprendizagem linguística.

    O material escolhido para verificação deste artigo foi a literatura surda disponível no site da Arara Azul Editora, empresa que disponibiliza materiais virtuais: links de literaturas surdas, áudios, vídeos, artigos científicos e apoio pedagógico. A empresa Arara Azul tem por MISSÃO o desenvolvimento de ações destinadas à valorização das línguas gestuais, orais e/ou escritas, à promoção das culturas surda e ouvinte e à aceitação das diversidades humanas.

    A escolha do material da editora Arara Azul se deu a partir do momento em que o surdo visualiza através deste material as duas línguas: uma na modalidade visual e a outra na modalidade escrita de língua portuguesa, pois é por meio deste ambiente digital que o hiperleitor pode visualizar a sua língua sendo executada, ou seja, sendo traduzida do português para libras, tornando-o, assim, um hiperleitor bilíngue com o objetivo se comunicar em um ambiente bicultural com proficiência.

     

    2 Gêneros digitais

    Com advento da internet, os gêneros digitais impulsionaram os hiperleitores ainda mais nas práticas de leitura e de escrita, pois os novos gêneros textuais emergentes nos meios virtuais surgiram das necessidades dos novos contextos tecnológicos que estão atrelados à linguagem digital que passou a ter um novo espaço principalmente no contexto educacional através das novas estratégias de leitura e escrita.

    Diante deste novo ambiente virtual, faz-se necessário conceituar o que é hipertexto. De acordo com Xavier (2010, p.208), o hipertexto pode ser entendido como uma "forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade". Xavier exemplifica em seu vídeo o tema: Hipertexto: o que é isso?

    Vídeo 1 – Hipertexto: o que é isso? / Fonte: TVSALA

     

    Em relação ao entendimento de hipertexto, Kock (2011, p. 63) declara que "o hipertexto constitui um suporte linguístico-semiótico hoje intensamente utilizado para estabelecer interações virtuais desterritorializadas", pois de acordo a autora, o distanciamento passou a não ser mais barreira na comunicação entre o leitor e o escritor, com isso o novo leitor ou hiperleitor no espaço virtual passa a ser coautor, pois constrói através da navegação dos links um novo texto.

    Os links são elementos essenciais para que um texto possa ser identificado como um hipertexto. Segundo Gomes (2011, p. 25), "[...] os Links são os elementos constitutivos do hipertexto. Sem eles, o hipertexto é apenas texto", pois é através dos links que a leitura de não-linearidade e de não-sequencial se estabelecem. Portanto, pode-se perceber que, em cada navegação através dos links, um o novo texto vai sendo construído. Assim, o hiperleitor passa a ser um leitor/autor devido à seleção de links que foi realizada para a construção de sentidos.

    É importante salientar que alguns termos usados em relação ao ambiente tecnológico não são palavras novas do nosso cotidiano como: hipertexto e link ou simplesmente hiperlink. O termo hipertexto foi mencionado por Theodore Nelson em 1960 e o termo link ou Hiperlink foi cunhado por ele em 1965 para o Projeto Xanadu. Gomes (2011, p.18) pontua um breve percurso histórico do termo hipertexto.

    Diante da necessidade de novos gêneros no ambiente virtual e para poder relacionar estes novos gêneros, chamados de emergentes, e suas contrapartes em gêneros preexistentes, Marcuschi (2010, p. 36-37) sugere um paralelo formal e funcional, elencando doze novos gêneros digitais: 1. E-mail - carta pessoal/bilhete/correio; 2. Chat em aberto – Conversações (em grupos abertos?); 3 Chat reservado – Conversações duais (casuais); 4. Chat ICQ (agendado) - Encontros pessoais (agendados?); 5. Chat em salas privadas - Conversações (fechada?); 6. Entrevista com convidado – Entrevista com pessoa convidada; 7. E-mail educacional (aula por e-mail) – Aula por correspondência; 8. Aula-chat (aulas virtuais) – Aulas presenciais; 9. Videoconferência interativa - Reunião de grupo/conferência/debate; 10. Lista de discussão – Circulares/séries de circulares (?); 11. Endereço Eletrônico – Endereço postal; 12. Blog – Diário pessoal, anotações, agendas.

     

    3 Literatura surda em questão

    A Literatura surda é uma forma de produzir os textos dentro de um ambiente literário de língua, cultura e identidade surda, em que os artefatos culturais estão intrinsecamente relacionados principalmente a Libras. Lane (1992 apud Santana e Bergamo, 2005, p. 575-576) ressalta que a "[...] cultura surda, além da língua, é composta de literatura específica, sua própria história ao longo do tempo, história de contos de fadas, fábulas, romances, peças de teatro, anedotas, jogos de mímica". Nessa mesma direção, pode-se dizer, então, que a experiência que as pessoas surdas têm na modalidade visual é transmitida de forma diferenciada nos aspectos linguístico e cultural.

    Em relação ao conceito de literatura surda, vale ressaltar, segundo diz Karnopp (2010, p. 171), que a literatura surda surge "[...] pelas histórias produzidas em língua de sinais pelas pessoas surdas, pelas histórias de vida que são frequentemente relatadas, pelos contos, lendas, fábulas, piadas, poemas sinalizados, anedotas, jogos de linguagem e muito mais".

    É de suma importância conhecer as línguas de sinais e a história das pessoas surdas no mundo e no Brasil para poder entender a sua identidade e cultura. As línguas de sinais só passaram a ser consideradas línguas, ou seja, ter status de língua, a partir 1960, quando o professor americano William Stokoe em sua primeira obra Language Structure: An outline of the Visual Communication Systems of the American Deaf, percebe que os sinais formavam estruturas linguísticas que se assemelhavam às línguas orais. Portanto, as línguas de sinais são espontâneas e naturais e são constituídas por aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semântico-pragmáticos. Um vídeo produzido por Daniel Pereira Nunes, em seu canal do Youtube LibrasNunes, apresenta 5 parâmetros próprios da fonologia da Libras: configuração de mão, locação, movimento, orientação/direção e expressões não manuais (expressões faciais e corporais).

    Vídeo 3 – Cinco parâmetros da fonologia da Libras / Fonte: LIBRASNunes

    As línguas de sinais são sistemas abstratos de regras gramaticais, naturais às comunidades de indivíduos surdos dos países que as utilizam. Como todas as línguas orais, não são universais, isto é, cada comunidade tem a sua. Assim, há a língua de sinais inglesa, a americana, a francesa, bem como a brasileira. (BERNARDINO, 2000, p. 82)

    Como as línguas de sinais são, de fato, naturais, os sinais podem ser icônicos (que tentam copiar o referente real) ou arbitrários (que não se depreendem a palavra pela sua representatividade). A partir deste vídeo, veremos alguns sinais que são icônicos (bicicleta, coroa, telefone entre outros) e os sinais arbitrários (biscoito, envelhecer, goiaba, amigo). Tanto a iconicidade quanto a arbitrariedade servem para demostrar que a Libras não é o português sinalizado, pois a Libras tem as suas próprias particularidades linguísticas que diferem da Língua Portuguesa. O vídeo produzido pelo estudante de Libras da UFSC, Arthur Oliveira Godinho, resume esses aspectos icônicos e arbitrários.

    Vídeo 4 – Sinais icônicos e arbitrários / Fonte: Arthur O. Godinho

     

    A lei federal de nº 10436/2002 preconizou os direitos linguísticos e de cidadania através do reconhecimento oficial da Libras como língua oficial da comunidade surda. Diante do respaldo desta lei federal, Santana e Bergamo (2005, p. 565-582) pontuam que "Conferir à língua de sinais o estatuto de língua não tem apenas repercussões linguísticas e cognitivas, tem repercussões também sociais". A Língua Brasileira de Sinais só passou a ser reconhecida a partir da lei nº 10.436/2002. No começo do artigo, descreve-se o reconhecimento da Libras e no artigo 4º, parágrafo único, alerta-se que a língua portuguesa não pode ser substituída pela Libras, mesmo a língua de sinais tendo a sua modalidade escrita - signwriting. Esta lei, de fato, preconiza a abordagem bilíngue no Brasil. No seu artigo 1°, a LIBRAS é reconhecida como meio legal de comunicação e expressão da Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. No artigo 4º, parágrafo único, declara-se que a LIBRAS não poderá substituir a modalidade escrita da Língua Portuguesa.

    A Libras passa a ser incluída no currículo no ensino superior e médio, nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, como exposto no artigo 4º. A pessoa surda tem contato com as duas línguas e precisa se comunicar com a comunidade ouvinte, tornando-o bilíngue.

    A necessidade da aprendizagem da libras na comunidade surda serve como canal de transmissão de valores culturais e de sua identidade. De acordo Correa (2008, p. 42), "A língua é, sem dúvida, a matriz de qualquer cultura e o referencial mais forte de identidade de uma pessoa" e sua comunicação sendo exercida em um ambiente que contemple o contato entre seus pares favorece o reconhecimento da sua própria língua. Retomando as questões de cultura e identidade surda, Perlin (1998, apud Salles, 2005, p.41) elenca os tipos de identidade inseridos na comunidade surda:

     

    • Identidade surda - é reconhecível nos surdos que adotam as formas visuais de experienciar o mundo, nas suas diversas manifestações. A troca dessas experiências é uma característica importante na construção dessa identidade (valoriza-se o momento de encontro entre os surdos);
    • Identidade surda híbrida – ouvintes que perderam a audição e se apropriaram da libras para poder se comunicar, Perlin (1998) citada por Sales (2005, p.41) acrescenta que "nascer ouvinte e posteriormente ser surdo é ter sempre presente duas línguas, mas sua identidade vai ao encontro das identidades surdas"
    • Identidade surda de transição – são pessoas surdas (filhos de pais ouvintes) que rompem a ideia do ouvintista da surdez e se identifica com comunidade surda
    • Identidade surda incompleta – surdos que tentam experienciar a surdez a partir do referencial ouvintista, uma vez que essa cultura dominante, por exemplo, ridiculariza certos aspectos da identidade surda ou desencoraja os encontros da comunidade surda;
    • Identidade surda flutuante - surdos que apresentam "conscientes" de ser ou não ser surdo, mas que não escapam à ideologia ouvintista. Trata-se desses "alguns surdos querem ser ouvintizados a todo custo, desprezam a cultura surda, não têm compromisso com a comunidade surda, outros são forçados a viverem a situação como que conformados a ela" Perlin (1998, p. 66).

     

    4 Análises

    O corpus desta pesquisa é constituído pela literatura surda "As aventuras de Pinóquio – Coleção Clássicos da Literatura em CD-Rom em LIBRAS / Português – Volume III – Autor: Carlo Collodi – Tradutor para LIBRAS: Ana Regina Campello e Nelson Pimenta – Editora: Arara Azul". Este material contempla a abordagem filosófica educacional bilíngue: Libras e Português, sendo estudada no mesmo ambiente digital. Assim, este recurso facilita o entendimento do texto para a segunda língua ou porque através dos links do CD-Rom ou até mesmo fazendo download, o hiperleitor torna-se autônomo ao fazer a sua leitura não linear, construindo para si os caminhos que facilitam a sua aprendizagem a partir da sua língua de instrução - a Libras.

    Vídeo 5 – As Aventuras de Pinóquio em Libras/Português / Fonte: Editora Arara Azul

    A editora Arara azul disponibiliza os seus materiais literários no CD-Rom ou download a fim de facilitar o conhecimento a partir da sua primeira língua para a sua língua alvo - a língua portuguesa. Primeiramente, na tela deste pequeno demonstrativo do romance da Arara Azul, apresenta-se o modo como deve ser feito o download para depois fazer a leitura. Observa-se neste ambiente digital a apresentação das duas línguas através dos links para buscar com esses recursos: história, sugestões pedagógicas, glossário, e ilustrações originais de forma que o hiperleitor possa escolher por onde quer começar a sua leitura para construir sua melhor compreensão. Sendo assim, através do ambiente digital, podemos fazer uma leitura não-linear, ratificando o que diz o nosso estudo.

    As Aventuras de Pinóquio estão relacionadas ao gênero textual fábula, pois este tipo de narrativa de ficção representa estórias da condição humana para retratar um tema de cunho moral, pois este gênero é muito comum tanto para a comunidade surda quanto para o ambiente escolar.

    Vídeo 6 – Pinóquio em libras / Fonte: Editora Arara Azul

     

    No vídeo "Pinóquio em libras", com legenda em português e interpretado por Nelson Pimenta (ator e escritor surdo), a abordagem bilíngue preconizada pelo ator descortina as ideias de que a Libras não é Português sinalizado e do conceito equivocado por Aristóteles que afirmava o pensamento só seria concretizado por meio da palavra falada. Aristóteles (384-322 a.C), conforme Soares (1999 apud TELES e SOUSA, 2010, p. 8) afirma que Aristóteles "[...] ensinava que os que nasciam surdos, por não possuírem linguagem, não eram capazes de raciocinar[...]".

    Este estudo serve para analisar que a literatura surda foi construída como estratégia educacional numa perspectiva que contempla as duas línguas, ou seja, a abordagem filosófica bilíngue em que os surdos possam perceber este recurso contribui de forma significativa a valorização da sua cultura, identidade e de melhor compreensão da língua portuguesa como sua segunda língua.

     

    5 Considerações finais

    Com o advento dos gêneros digitais, os hiperleitores surdos tiveram uma mudança significativa na leitura da sua própria língua para melhor compreensão da língua alvo - a Língua Portuguesa através dos recursos de imagem, som, vídeos e texto impresso que são disponibilizados nestes materiais.

    Assim, diante desse contexto das novas tecnologias, a abordagem na perspectiva bilíngue é evidenciada no ambiente digital como recurso educacional por meio da literatura surda a fim de se trabalhar as duas línguas de forma proficiente. A partir desse momento, a Libras se torna a língua de instrução para o aluno surdo, ou seja, a sua língua natural e espontânea. Com isso, o processo de conhecimento através dessa estratégia pode diminuir o défícit cognitivo da Língua Portuguesa por parte da comunidade surda.

     

    Referências

    BERNARDINO, Elidéa Lúcia. Absurdo ou lógica?: A produção linguística do surdo. Belo Horizonte: Editora Profetizando Vida, 2000.

    BRASIL. Lei nº. 10436, de 24 de abril de 2002. Brasília, 2002.

  • CORREA, Rosa Lydia Teixeira. Cultura e Diversidade. Curitiba: Ipbex, 2008.

    FRANÇA, L. C. M. “O jornalismo online como tecnologia social: O caso do Twitter “. GESTRA – Gestão de Trabalhos para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias. Volume 2, 2012.

    GOMES, Luiz Fernando. Hipertexto no cotidiano escolar. – 1 ed.- São Paulo: Cortez, 2011.

    KARNOPP, Lodenir Becker. "Produções culturais de surdos: análise da literatura surda". Cadernos de Educação (UFPEL), v. Ano 19, p. 155-174, 2010.

    KOCH, Ingedore Villaça. Desvendando os segredos do texto. 7 . ed. – São Paulo: Cortez, 2011.

    LORENZI, Gislaine Cristina Correr. PÁDUA, Tainá-Reká de Wanderley. "Blog nos anos iniciais do fundamental I: a reconstrução de sentido de um clássico infantil". In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo [orgs]. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.

    MAGNABOSCO, Gislaine Gracia. "Hipertexto: algumas considerações". In: CELLI – Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários. Maringá: n. 3, pp. 1389-1398, 2009.

    MARCUSCHI, L. A. "Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital". In: MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A.C. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2010.

    PINHEIRO, Petrilson Alan. Gêneros Digitais Construindo e Sendo Construídos por Gêneros Discursivos: Repensando as Práticas de Letramento. 2008.

    RAMAL, Andrea Cecília."Ler e escrever na cultura digital". In: Revista Pátio. Porto Alegre, ano 4, no. 14, pp. 21-24, agosto-outubro 2000.

    SALLES, Heloísa Maria Moreira Lima et al. Ensino de Língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Brasília: MEC, SEESP. 2005.

    SANTANA, Ana Paula. "Cultura e identidade surdas: encruzilhada de lutas sociais e teóricas". Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 91, p. 565-582, Maio/Ago. 2005.

    TELES, Maria Margarida. SOUSA, Verônica Reis Mariano. Língua brasileira de sinais. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2010.

    XAVIER, A.C. "Leitura, texto e hipertexto". In: MARCUSCHI, L.A; XAVIER, A.C. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2010.


    Sumário

    RECURSOS DIGITAIS NO ENSINO DE LÍNGUAS: UMA ANÁLISE DO "SIMPÓSIO HIPERTEXTO"

    Tarcízio Reis de Jesus (Mestrando / UFS / tarcizio.letras@gmail.com)

    Resumo: Este artigo propõe uma discussão acerca do uso de recursos digitais no ensino de línguas. Como base para essa pesquisa, foi traçado um histórico do Simpósio Hipertexto, evento multidisciplinar organizado pelo Núcleo de Estudos e Tecnologias na Educação (Nehte), que teve sua primeira edição em 2006, e tem sua 6ª edição agendada para 2015. Através de uma pesquisa feita em Anais e Periódicos do Nehte, constituiu-se um corpus através de trabalhos que abordam o uso das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) englobando juntamente o hipertexto, os blogs e as redes sociais. Para a realização desse estudo, foram utilizados como aporte teórico Xavier (2010), Lèvy (2003), Marcuschi (2001), Soares (2002), Ramal (2000) e Alonso (2008).

    Palavras-chave: Hipertexto; TIC; Ensino de línguas.

     

    1 Introdução

    Organizado pelo Prof. Dr. Antonio Carlos Xavier, em sua primeira edição, o Simpósio Hipertexto trouxe discussões sobre as potencialidades das tecnologias digitas da informação e comunicação, e dentro dessa perspectiva, como elas vem sendo incorporadas no ensino.

    No ano de 2008, aconteceu a segunda edição, com a temática "Multimodalidade e Ensino". Nessa mesma edição, para constituir o primeiro volume dos Anais Eletrônicos, foram selecionados 78 trabalhos, abrangendo as áreas de Letras, Educação, Informática e Linguística. Já a terceira edição (2010) trouxe a temática "Redes Sociais e Aprendizagem", e o volume de trabalhos selecionados e publicados nos Anais Eletrônicos foi bem maior que o da edição anterior, chegando a ultrapassar duzentos artigos. O evento ainda contou com a presença do filósofo e pesquisador Pierre Lèvy, pioneiro nos estudos voltados à Cibercultura e às mudanças na sociedade a partir do advento da internet e das novas tecnologias da comunicação e informação.

    O 4º Simpósio Hipertexto (2012) veio com a temática "Comunidade e Aprendizagem em Rede". Nessa edição, o número de publicações manteve-se proporcional ao evento anterior, chegando à marca de 209 artigos publicados.

    O mais recente evento aconteceu em 2013. A 5ª edição do Simpósio Hipertexto, que trouxe a abordagem "Aprendizagem móvel dentro e fora da escola" deu continuidade às temáticas trazidas desde suas primeiras edições. Tendo como público-alvo: professores, estudantes e pesquisadores de diversas áreas, os debates do evento giram em torno de questões que problematizam as tecnologias em meio ao aprendizado de línguas.

    Em 2015, ano em que acontece a 6ª edição do Simpósio, a temática abordada será "Aprendizagem Aberta e Invertida". A organização dessa edição está definida pelas linhas de pesquisa: linguagem, tecnologia e aprendizagem - que estão divididas em 10 (dez) eixos temáticos. O roteiro do "Simpósio Hipertexto" (edição 2015) traz a seguinte programação: conferências – propostas pela organização do evento, mesas redondas com diversos temas para debate, oficinas temáticas, sessões de comunicação coordenada – propostas e realizadas pelos expositores (professor orientador); sessões de comunicação individual – aberta a todos os níveis de graduação (tendo como objetivo a socialização de experiências científicas com base no uso de tecnologias na educação), apresentação de pôsteres digitais – oportunidade para o aluno em nível de iniciação científica, Espaço Artes Digitais e Tecnologias Educacionais – exposição dos trabalhos selecionados na edição vigente do Prêmio Hipertexto, e por fim, o Troféu Luiz Antônio Marcuschi – nome que atribui homenagem ao professor aposentado do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco.

     

    2 Hipertexto e Ensino de Línguas

    O termo hipertexto foi criado pelo filósofo e sociólogo estadunidense Theodor Holm Nelson em 1964, para "[...] exprimir a ideia de escrita/leitura não linear em um sistema de informática [...]" (Nelson, 1964 apud Lévy, 1993, p.17). Para Nelson, essa forma não sequencial permitia que o leitor traçasse o seu próprio trajeto de leitura, dando a ele a autonomia em escolhas feitas no espaço ilimitado da Internet. Seguindo esse preceito de não linearidade, o termo, que engloba uma dimensão de complexidade discutida por vários teóricos interessados no estudo de gêneros textuais, tem fomentado os estudos nessa área desde o seu surgimento.

    Imagem 1 – Mapa conceitual sobre hipertexto / Fonte: Aprendizagens

    Aclarando a discussão que transcorre acerca das possibilidades de uso do meio digital como espaço de produção escrita, sobre o hipertexto Marcuschi (2001, p.81) nos diz que: "[...] mais que um desafio à tradicional noção de linearização é um evento adequado para se rever a noção hoje ainda praticada na linguística quando se fala em linearização". Com essa afirmação, o autor discute a temática como forma de repensar práticas já arraigadas no ensino de línguas, onde a "novidade" trazida na perspectiva de se trabalhar o hipertexto, torna-se muitas vezes polêmica.

    Observamos também que, nesse novo espaço de escrita, definição dada por Bolter (1991) é onde se dá não só a recepção, mas também a produção dos textos determinada pela tecnologia de escrita disponível. A escrita no monitor está sujeita a constantes alterações. No texto impresso, ela limita-se e o leitor assume o papel de apenas receptor. Para Soares (2002, p.151):

    [...] a tela, como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. (SOARES, 2002, p.151).

    Num contexto que envolve formas de repensar as práticas voltadas ao ensino de línguas, além da linguística, para outras áreas que também entram no campo de uso da(s) linguagem(s), tais como: Comunicação e Informática, discutir o hipertexto seria traçar um caminho em busca da resolução de uma série de fatores que envolvem a produção de gêneros textuais no ambiente do ciberespaço. Nesse caminho segue o "Simpósio Hipertexto". De caráter multidisciplinar, esse evento torna-se um espaço propício a diálogos com todas as áreas interessadas na relação entre ensino/aprendizagem e o uso das TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação. Quando Lévy (1993, p. 24) afirma que: "O hipertexto é dinâmico, está perpetuamente em movimento", revela sua complexidade, e isso nos leva a pensar em uma construção colaborativa de conhecimentos. De acordo com Ramal (2000):

    Dentro do hipertexto existem vários links, que permitem tecer o caminho para outras janelas, conectando algumas expressões com novos textos, fazendo com que estes se distanciem da linearidade da página e se pareçam mais com uma rede. (RAMAL, 2000, p.5).

    Nesse sentido de escolha, onde o hiperleitor navega e traça o seu próprio caminho de leitura, Ramal (2000) conceitua a construção de uma rede que se constrói através dos links, que se entendem como nós formadores de novos textos. No processo de hiperleitura, um link leva a um novo texto, e esse complementa o anterior com uma nova informação.

     

    3 Conceituando as TIC

    Incorporadas às novas configurações inerentes ao Advento da Internet, as TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) marcam presença em situações do dia a dia, como: acesso a redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter...), a sites de compra e venda, localização via GPS, além de comodidade em serviços bancários.

    Vídeo 1 – Evolução das TIC, conceitos e fundamentos / Fonte: CEFOR

    Essas são algumas das várias funções disponibilizadas por essas novas tecnologias que, sendo pouco a pouco incorporadas no nosso cotidiano, ou modus vivendi, como diz Xavier (2010), tornaram-se parte integrante desse modelo de sociedade. Nesse mesmo tocante Xavier (2010, p. 4) diz que:

    Essa adesão a novos equipamentos de comunicação pelos sujeitos contemporâneos lhe confere, sem dúvida, acessibilidade a uma grande quantidade de informação e a possibilidade de usufruir de todas as vantagens da ampliação dos processos de comunicação viabilizados por tais equipamentos. (XAVIER, 2010, p. 4).

    De acordo com França (2014), “Em decorrência desse novo modo de operação, a comunicação de massa vai sendo reformatada, passando a voltar-se para nichos específicos e para atender às demandas da segmentação de públicos, com vistas a manter, ou tentar manter, a sua hegemonia”. E em meio à assustadora quantidade de informações presentes na rede em que se permite essa praticidade em serviços, temos a impressão de mergulho em um oceano, ou melhor, em um dilúvio de informações, assim como define Lèvy (1993).

    Através dessa perspectiva de acesso a uma infinidade de informações residentes no ambiente virtual, por meio de análise de alguns trabalhos acadêmicos, discutiremos como vem sendo abordado o conceito de uso das TIC em âmbito educacional. Levando em consideração que:

    As TIC, ao se estenderem a todos os âmbitos da sociedade humana, modificam nossas percepções sobre o sociocultural e sobre o político-econômico, fazendo brotar uma ideologia que traz, em seu âmago, a ideia de acesso irrestrito e universal à informação, confluindo na certeza de que a digitalização, como realidade inevitável, transformará o mundo. (ALONSO, 2008, p.753).

    Desse modo, sem abandonar a criticidade com relação ao uso das mesmas, assim como Alonso (2008) discorre em seu texto sobre a formação de professores nesse sistema complexo que envolve a significação das TIC no ambiente educacional – à distância ou presencial, analisaremos suas contribuições significativas ao estudo de línguas.

     

    4 Aspectos metodológicos e análise do corpus

    Para constituir o corpus deste artigo, foi feita uma busca através dos sites que dão acesso aos Anais Eletrônicos do "Simpósio Hipertexto" referente às edições de 2008 a 2013. Buscou-se usar como critério de seleção, uma filtragem dos artigos que abrangessem especificamente a área de estudos linguísticos, para que em seguida fossem analisados de forma que trouxessem abordagens acerca do uso dos recursos digitais no ensino de línguas. Na medida em que a busca tomou avanço, onde em primeiro momento foram selecionados 86 artigos, chegou-se à seleção de 1 (um) artigo por edição, totalizando 4 (quatro) trabalhos que trazem na abordagem o uso do hipertexto, de blogs e redes sociais no contexto aqui discutido. Em seguida, foi feita uma relação de todos esses trabalhos em uma tabela (ver Tabela 1) onde se especifica título e autoria de cada uma das produções.

    Tabela 1– Artigos dos Anais (2008-2013) / Fonte: Próprio Autor

    ANO: TÍTULO AUTOR(ES)
    2008: Blogs literários como gênero do discurso: uma contribuição para a formação do leitor/autor. Maria Leopoldina Pereira (PPGE/UFJF)
    2010: Procedimentos linguístico-discursivos utilizados pelos twitteiros para a composição de um texto sintético. Isaac Itamar de Mello Costa (UFRPE) José André de Lira Silva (UFRPE)
    2012: Hipertexto nas aulas de Inglês. Cristina Aurélia Rezende Ozório (UEG) Débora Cristina Santos e Silva (UEG)
    2013: O uso do Facebook pelos professores de língua portuguesa: trabalho com a língua/linguagem. Renalle Meneses Barros (UFCG) Rossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

     

    Em segundo momento, uma tabela com o número de produções voltadas à área de recursos digitais e ensino de línguas (ver Tabela 2).

    Tabela 2– número de produções / Fonte: Próprio Autor

      200x 2008 2010 2012 2013 Total
    Hipertexto - 9 11 11 2 35
    Blogs - 3 7 5 3 18
    Redes Sociais - 1 13 13 6 33

     

    A Tabela 2 evidencia o interesse de muitos pesquisadores no uso de alguns desses recursos digitais, que em grande parte, são utilizados no dia a dia com outras finalidades. Sendo que, o recurso que se mostrou à frente aos demais foi das "redes sociais", que corresponde a uma significativa contingência de usuários, em concorrência com as pesquisas voltadas ao estudo do hipertexto (liderança no total de trabalhos) e também dos blogs. Vemos que nas produções de 2008 prevaleceu o uso da categoria hipertexto (nove artigos) como tema abordado, em 2012 o número foi igual, já em 2013, houve uma queda para apenas dois artigos. Com as produções referentes ao uso de blogs, em 2008 o número de artigos que tratavam do tema chegou a três, em 2010 houve um aumento para sete, e em 2012 foi a cinco, caindo para três no ano seguinte. No entanto, uma das categorias analisadas mostrou maiores índices de produção desde 2010. As redes sociais, com nascimento no Orkut, trouxeram uma contribuição ao Simpósio no ano de 2008. Em 2010 o Facebook e o Twitter predominaram nas pesquisas, chegando a treze artigos que discutiam o tema, que no ano seguinte atingiu a mesma marca, caindo então para seis publicações no ano de 2013.

    Essa análise mostra a progressão de algumas dessas ferramentas tecnológicas, ao mesmo tempo em que evidencia o desuso de outras como no caso, o Orkut, que abriu caminho para as demais redes sociais nas publicações que saíram nos anais do evento, perdendo espaço para as duas novas redes que apareceram. Isso acaba revelando que as produções voltadas ao uso desse meio de comunicação seguem uma tendência de uso recorrente em meio social. No entanto, o gênero digital blog não mostrou muita diferença no seu número de produção, assim como o hipertexto, apesar de ter caído no seu último evento.

     

    5 Conclusão

    Através do percurso teórico feito com base em pesquisadores que exploram o hipertexto e os demais meios em que ele é produzido, pudemos analisar ao longo do artigo alguns aspectos importantes envolvendo letramentos, ciberespaço e o uso dos recursos digitais no ensino de línguas. Tendo em vista a realização bianual do "Simpósio Hipertexto", que promove uma inquietação entre pesquisadores que buscam tratar de discussões quanto ao uso dessas ferramentas que estão acessíveis em vários âmbitos da sociedade, no caso, as TIC, e que podem também entrar no ambiente de ensino/aprendizagem de línguas por já serem parte integrante dos mais variados contextos de produção e recepção textual.

    Com relação à análise, conclui-se que a partir das perspectivas que os trabalhos selecionados e publicados nos Anais Eletrônicos oferecem a respeito do uso de tecnologias tão presentes no dia a dia, mostra-se com bastante relevância por estarem contextualizadas com a proposta do hipertexto, e consequentemente, mostram-se verdadeiras ferramentas para se trabalhar as competências no ensino de línguas.

    Referências

    ALONSO, K. M. "Tecnologias da Informação e Comunicação e Formação de Professores: sobre rede e escolas". Educação & Sociedade. Campinas, vol. 29, p. 747-768, 2008.

    FRANÇA, L. C. M. “Letramento digital e participação social: o discurso midiático da Microsoft”. In: JAMES, Wilton et al. (orgs) Letramento e Participação Social. Aracaju, SE: Editora Criação, 2014.

    LÈVY, P. As tecnologias da inteligência - o futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

    MARCUSCHI, L. A. "O hipertexto como um novo espaço de escrita". Linguagem e Ensino, Vol. 4, Nº 1, 2001, p. 79-111

    RAMAL, A. C. "Ler e escrever na cultura digital". In: Revista Pátio, ano 4, no. 14, agosto-outubro 2000, Porto Alegre, p. 21-24.

    SOARES, M. "Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura". Educação & Sociedade. [online]. 2002, vol.23, Nº 81, pp. 143-160.

    XAVIER, A. C. "A (retórica) digital das redes sociais". Anais Eletrônicos. 3º Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação, 2010.


    Sumário

    A UTILIZAÇÃO DE FILMES PARA A APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA: UMA ABORDAGEM ACERCA DO MÉTODO DESUGGESTOPEDIA E DOS NOVOS LETRAMENTOS

    Amisa Dayane Lima de Gois (Mestranda/ UFS / amisadayane.mb@hotmail.com)

    Resumo: Diante da necessidade de se aprender uma segunda língua, propomos com esse trabalho um método que busque deixar os alunos mais relaxados para a aquisição de uma segunda língua (L2), em especial, a língua Inglesa, que traga mais interesse por parte desses alunos, unindo o que eles gostam de fazer a uma forma de aprender. Nosso objetivo é, pois, analisar como a aprendizagem de Língua Inglesa pode ser propiciada através de filmes e como o método Desuggestopedia pode estar associado a esta técnica de se aprender Inglês, associando também aos novos letramentos e as novas formas de compreender o texto na cultura digital.

    Palavras-chave: Desuggestopedia; Multimodalidade; Letramento Digital.

     

    1 Introdução

    Aprender uma segunda língua (L2) é diferente de adquirir a primeira língua (L1) pelo fato de já termos, ao aprender a L2, a maturidade cognitiva e, além disso, vários fatores influenciam, tais como a idade, desenvolvimento psíquico, convivência com a língua, etc. Além do mais, teóricos estudiosos buscam demonstrar como é dada a aprendizagem de uma segunda língua e nos levam a discutir qual seria o método, abordagem ou técnica mais apropriada para o ensino.

    Os métodos e abordagens não levam em consideração, por vezes, aspectos importantes na aquisição de uma língua, como a relação entre professores e estudantes, na qual muitas vezes o mestre é visto como centro em sala de aula, tornando o ambiente escolar não democrático à medida que o professor não procura entender seu público, sem respeitar e abordar situações reais de interesse desse público, logo, não dando ênfase suficiente e adequada à cultura. Além disso, valorizam muito as habilidades de escrita e leitura, apenas, fazendo com que o aluno busque associação entre a sua língua materna e a língua a ser adquirida – a qual diverge em muitos sentidos, tal qual a estrutura sintática, por exemplo –, além de não darem atenção à pronúncia correta. O sentimento dos alunos também deve ser levado em conta na aprendizagem da L2, pois muitas vezes o professor os leva a adotar uma postura retraída, aplicando testes que, na maioria das vezes, voltam-se à memorização de diálogos e pontos gramaticais sem voltar a atenção ao contexto real de uso, tornando os alunos meros repetidores, dependentes e pouco autônomos na aprendizagem de uma segunda língua.

    Por esses motivos, é preciso um método que busque deixar os alunos mais relaxados para a aquisição de uma L2, em especial, a língua inglesa, que traga mais interesse por parte desses alunos, unindo o que eles gostam de fazer a uma forma de aprender. O método Desuggestopedia, estudado e testado por Larsen-Freeman (2000), é o método que mais se aproxima dos desejos dos alunos, com mais atributos favoráveis ao aprendizado da L2. Nosso objetivo é, pois, analisar como a aprendizagem de Língua Inglesa pode ser propiciada através de filmes e como o método Desuggestopedia pode estar associado a esta técnica de se aprender Inglês, associando também aos novos letramentos e as novas formas de compreender o texto na cultura digital, já que vários filmes são disponibilizados no Youtube, permitindo o acesso a qualquer momento.

     

    2 O texto na cultura digital

     

    Estamos cada vez mais circundados por tecnologias que nos levam a participações em diversas situações diárias. A internet tem nos colocado frente a uma mudança significativa nas formas de se produzir texto, pois possibilita uma gama de recursos para que mudemos nossas práticas de leitura e escrita.

    Com o surgimento da história, as pessoas passaram a utilizar a escrita para relatar acontecimentos. Mas, antes disso a transmissão se dava por meio da oralidade que era passada por pessoas mais antigas para os seus descendentes. O surgimento da escrita e tempos depois da máquina de impressão de Gutemberg tornou a escrita cada vez mais acessível às pessoas. Era possível, pois, ter em mãos o papel com a história escrita. Com o advento das tecnologias, as transmissões de informações e histórias ganharam um novo espaço de veiculação e uma nova forma de produção. Com a disponibilidade da web em 1990, houve a possibilidade de colocar em prática os recursos da internet e aos poucos as práticas de leitura e escrita foram mudando.

    A internet propiciou um universo de liberdade, onde as pessoas leem diversos textos e tem a capacidade também de produzi-los. Com ela não é necessário comprar um livro apenas para ler, há uma possibilidade muito maior em que o próprio leitor se torna também autor. O leitor vai produzindo em sua mente suas reflexões acerca de tudo que foi lido, acessando diversos textos diferentes por meio de hiperlinks. É o chamado hipertexto que possibilita uma não linearidade no ciberespaço.

    Esta "não linearidade" não é possível em um texto escrito comum, ela só é permitida neste ciberespaço por meio de hiperlinks que levam o leitor a textos diferentes e a uma construção de texto diferenciada. Esta nova forma textual diminui as barreiras entre o autor e o leitor, pois ambos participam de uma mesma atividade colaborativa relacionada ao texto. Em Hipertexto: Algumas considerações, a autora Magnabosco (2009) menciona Marcuschi (2001) explicitando bem essa relação leitor/autor:

    Como lembra Marcuschi (2001), essas novas formas textuais afetaram o modo como escrevemos, proporcionando a distribuição da inteligência e cognição, diminuindo a fronteira entre leitor e escritor, tornando-os parte do mesmo processo e, fazendo com que a escrita seja uma tarefa menos individual para se tornar uma atividade mais coletiva e colaborativa. (MAGNABOSCO, 2009 p.1389).

    Como exposto, o processo de produção textual passa a ser de forma colaborativa e ao mesmo tempo interacional, pois as pessoas são movidas pela vontade de participar, além de ser uma produção imediata, mas que não respeita uma linearidade, permitindo também que haja uma liberdade de escrita, pois as pessoas passam a ser mais autônomas na sua aprendizagem. Se tornar autônomo do próprio conhecimento é saber organizar ideias diante da multiplicidade de textos que nos cercam. É necessário para tal o Letramento Digital que é a possibilidade de colocar em prática os recursos da internet. Diante disso, muitas escolas e muitos profissionais têm corrido atrás da inserção no mundo digital, pois um mundo tende a se adaptar a esta nova forma de escrita que privilegia a inteligência coletiva, não mais individual.

    O conceito de hipertexto é de suma importância para nosso entendimento acerca dos textos digitais e ele não acontece apenas no ciberespaço. Utilizamos a aplicação desse conceito também quando lemos vários textos diferentes e estabelecemos uma relação entre eles para produzirmos algo. Mas, na cultura digital acontece de forma mais diferenciada. Vejamos o que Ramal (2000) nos diz:

    O hipertexto, reunião de vozes e olhares, é subversivo em relação ao monologismo. Construído na soma de muitas mãos, é aberto para todos os links e sentidos possíveis, o hipertexto contemporâneo é, de certo modo, uma versão da polifonia que Bakhtin buscava; e, portanto, uma possibilidade para o diálogo entre as diferentes vozes, para a negociação dos sentidos, para a construção coletiva do pensamento. (RAMAL, 2000, p. 6).

    Este comentário nos permite confirmar tudo que foi exposto em relação às novas características de texto na linguagem digital. A leitura e escrita passa a ser de uma forma liberatória, pois leitor lê uma gama de textos e se expressa tal como as entende. É também uma leitura não linear que se dá em um ciberespaço que permite o leitor atravessar uma gama de links que o reportam a textos diferentes, é daí que surge o conceito de hipertexto. É possível perceber que as práticas permitem uma autonomia na aprendizagem, uma liberdade de expressão na qual os participantes são movidos pela vontade de participar e expandir a comunicação de massa.

     

    3 O método Desuggestopedia e os novos letramentos

    O método Desuggestopedia admite que os aspectos psicológicos dos alunos e se apresentem no momento de aprendizado de  outra língua. Nele os estudantes assumem novas identidades para se sentirem mais seguros e à vontade. Quanto ao processo de ensino em aula, o conteúdo gramatical é apresentado de forma livre, isto é, não como forma de imposição, aparecendo juntamente com vocabulário, de forma contextualizada para que a linguagem possa ser usada e aplicada imediatamente (LARSEN-FREEMAN, 2000).

    Vídeo 1 – O método Desuggestopedia / Fonte: American English

    O ambiente estrutural e decorativo trabalhado a partir do método Desuggestopedia é colorido, preenchido com imagens que representam a cultura da língua inglesa, uso de aparelho sonoro objetivado para o relaxamento do aluno presente, a fim de construir uma sala de aula diferente, motivadora para a aprendizagem de uma segunda língua. Trazendo a parte estrutural visual da sala de aula do método Desuggestopedia, os alunos aprendem com o que observa, utilizando um dos tipos de inteligência estudada por Gardner (2000), a inteligência espaço-visual, no qual o aluno pensa com imagens para relacioná-las ao conteúdo programado e a aprendizagem se torna mais significativa. Quando o professor aborda tal forma de ensino, ele demonstra ser democrático e participativo respeitando a diversidade de ensino, contribuindo, assim, para o atendimento da realidade situacional dos alunos. Estes, que aprendem de variadas formas, agora aprendendo, também, através do visual. Alunos que desenvolvem melhor esse tipo de inteligência, através do visual, tendem a aprender mais o uso de recursos audiovisuais, como filmes que exigem de nós, de forma significativa para a aprendizagem, a aplicação do letramento visual, que, segundo Ferraz (2012, p. 98) na sua defesa de mestrado:

    O homem tipográfico entra em crise ao se deparar com a imagem televisiva e cinematográfica, uma vez que poderíamos, nas práticas de leitura, ler um filme, o jornal, a televisão e a internet no que diz respeito às imagens e suas construções de sentidos. Essas transformações, como pequenas revoluções, introduzem a multimodalidade ao cotidiano e, consequentemente, alteram a maneira de lermos e o próprio conceito do ler. (FERRAZ, 2012, p. 98).

    O aluno de hoje tem variadas formas de aprender. A imagem televisiva é mais um meio de aprendizagem para a aquisição de uma segunda língua. Estamos num mundo diversificado em ferramentas para a aprendizagem. E nestas ferramentas, uma única ferramenta, como filmes, que podem ser muitas vezes encontrados no Youtube, o usuário tem variados tópicos para analisar, o que gera maior meio para o conhecimento. Depois da evolução conceitual de leitura, hoje, é inúmera as estruturas para leitura no espaço midiático de vídeo. Além do mais, quando os estudos são aplicados de forma a seguir as teorias e preceitos dos Novos Letramentos, a aprendizagem dos alunos tende a ser mais significativa à aprendizagem dos alunos (OCEM, 2006), sobretudo quando se acrescenta aos estudos o uso de ferramentas tecnológicas.

    Com os estudos sobre Novos Letramentos (doravante, NL) ficou mais ampla e significativa a análise de textos para uma maior interpretação e entendimento. Através dos NL, a leitura se diversificou deixando de lado a linearidade do texto escrito, pois o conceito de leitura não se limita a códigos linguísticos, significando uma atividade mais atentiva e complexa, diversificada e crítica (HOECHSMANN; POYNTZ, 2012). Além disso, segundo Lankshear e Knobel (2011), depois dos estudos sobre os Novos Letramentos, ferramentas de uso para aprendizagem foram reestruturadas, repensadas, novas formas de discussão foi aderida, representando mudanças juntamente com a sociedade, do "convencional ao novo", tornando, de tal maneira, os objetos para o conhecimento mais "participatórios e colaborativos" em meio a "novas formas de textos" (p. 29).

    A multimodalidade, que é uma parte dos estudos sobre NL, categoriza qualquer situação comunicativa com o leitor, leitor este não apenas de texto escrito, mas também de telas midiáticas. A multimodalidade é vista por categorias delimitadas que são analisadas num todo. Essa análise tem mais valor significativo ao leitor quando observado em conjunto, a fim de ter maior sentido em qualquer contexto, embora não seja desvalorizada quando individual. A questão multimodal, mais especificamente, é a busca de interpretar objetos quaisquer, valorizando suas várias formas e detalhes num conjunto, tendo grande sentido individual e coletividade. Anstey e Bull (2010), de acordo com estudos nessa área, dizem que há cinco sistemas semióticos, dentre eles, o linguístico, visual, auditivo, gestual e espacial, tendo, como exemplo, respectivamente, vocabulário, cores, sons, movimento e posição. Dessa forma, a combinação de dois ou mais modos semióticos denomina-se multimodal. A análise desse processo de forma crítica torna-se significativa na vida do estudante, o que se aproxima do processo de letramento na mídia:

    Media literacies suggest a capacity or competence to do something with media, whether to make sense of it, to produce it, or to understand its role in our societies. Just as more traditional literacy practices enable one to engage with print-based texts, media literacy enables one to engage with a variety of multimodal texts ("texts" that may include visual, audio, and print text elements) that range from a magazine advertisement to a televised rock video, a radio talk show to a video game, a cell phone photograph to a website. (LANKSHEAR; KNOBEL, 2006, p. 1).

    Em meio ao processo de globalização, a diversidade de ferramentas para aprendizagem tem crescido, o que provoca no aprendiz dúvidas ao escolher um instrumento de caráter formal para a aprendizagem. O que se sabe é que, qualquer forma de aprendizagem, como os instrumentos digitais ditos na última citação, é fonte de conhecimento para o intelecto do aluno (NORTON, 2011). É preciso, no mais, saber como utilizá-las para que não haja desvios à aprendizagem, como apenas se tornar momento de diversão, mas, de qualquer maneira, este pode acontecer e ser aproveitado para a aprendizagem.

    Por esse motivo, retomo a observação quanto ao método Desuggestopedia, que, numa aula de tal, o ambiente além de colorido, apresenta a sonorização de música, pois ela torna a aula mais descontraída, relaxa o aluno deixando-o calmo. Ou seja, mostrar que aprender uma língua pode ser divertido e não algo apenas denominado como imposição do professor. Assim, julga-se que a música, que é uma das formas mais utilizadas nesse método, provoca emoção no aluno e dentro do ambiente calmo escolar torna-se possível aprender quando bem utilizadas quaisquer metodologias pelo professor, como também a utilização de filmes e seriados.

    Vídeo 2 – Trailer do filme: A Walk To Remember em Inglês / Fonte: WarnerBros

     

  • 4 Os filmes e a aprendizagem de língua Inglesa

    Quando os filmes são bem aproveitados e analisados criticamente, os alunos além de aprender formas dialogais linguísticas, aprendem sobre cultura local e identidade pessoal dos personagens, situações reais, o que pode desencadear alteração positiva por parte deles. Em acréscimo ao dito, Ferraz (2012, p. 96) esclarece que os temas de mídias cinematográficas estão diversificados, tais como "[...] da psicanálise à literatura, dos estudos midiáticos à educação, esses estudos trazem contribuições importantes por estabelecerem conexões com a realidade social".

    Os temas abordados nos filmes podem ser variados, ser reais os surreais tendo em vista, sobretudo, a aplicação de mudanças quando visualizados por alunos. Em outras palavras seria tornar real e significativo após analisar algum filme (tela midiática num todo) a fim de que haja mudanças por parte dos analisadores, seja por parte de professores ou alunos. Por essa razão, Ferraz (2012, p. 96-97) argumenta que "a possibilidade do estudo dos filmes como textos se insere nas propostas de letramento e pedagogia crítica também por se tratarem de novos textos e possibilidades de leitura, além de realizarem conexões com a vida pública". Dessa forma, as aplicações de filmes cinematográficos são contextualizadas e reais, pois se utilizam de ferramentas estruturais linguísticas, de cores, formas, sonoras, espaciais, e, por trás destas, há um tema que pode, e deve ser dialogado por indução dos professores, para que essa aula por meio de filmes se torne motivacional para a aquisição de uma L2.

    Tudo isso leva os principais sujeitos do ensino a esquecer da leitura linear do texto escrito, visto que a ascensão dos estudos sobre letramentos revela que o processo de leitura exige, cada vez mais, um conjunto de habilidades e competências diversificadas no ensino-aprendizagem (LANKSHEAR; KNOBEL, 2006).

    Afora a isso, parece oportuno comentar que a maioria dos alunos de hoje acreditam que os conteúdos programáticos do ensino de língua Inglesa são chatos ou pouco interessantes e cada vez mais podemos perceber que a disciplina tem se tornado para nossos alunos algo de pouca aceitação e importância. Por isso professores de língua Inglesa devem por vezes se questionar, como por exemplo, o motivo pelo qual alunos concluem o ensino regular sem habilidades quaisquer em tal língua, ou se problemas verificados em aula são criados por parte dos professores de língua inglesa. Não há respostas concretas, mas o que se sabe é que nós professores necessitamos estar informados e atualizados frequentemente quanto à formação continuada para um melhor domínio metódico em sala de aula.

    Por conseguinte, sabe-se que a maioria dos alunos de hoje vivem cercados por um mundo de tecnologias, no qual livros já não chamam tanta atenção e que se deve trazer para eles formas que os levem a aprenderem a língua Inglesa de forma efetiva. Por esse motivo, devemos buscar uma maneira de unir o útil ao agradável, aproveitar o que os alunos apreciam, tornar real e usar como artifício para aquisição da língua Inglesa, como bem coloca Paiva (Prelo, p. 7), quando afirma que:

    A cada nova tecnologia, a escola, especialmente no ensino de línguas, busca inserir essa nova ferramenta nas práticas pedagógicas em uma tentativa de melhorar a mediação entre o aprendiz e a língua estrangeira. Assim, o livro ganhou a companhia do som e da imagem, oferecendo input menos artificial. (PAIVA, prelo, p. 7).

    Assim como dito na citação, a valorizar o uso de som e imagem, sem deixar de lado o livro didático, o uso de filmes legendados é um interessante recurso pedagógico, pois, dificilmente há aluno que não demonstre interesse ao assistir. Utilizando filmes para a aquisição da língua Inglesa, estaremos deixando nossos alunos mais relaxados para o aprendizado da língua, sem sentirem-se pressionados pela obrigação de aprender. No contexto de filmes, a trilha sonora causa reações emocionais no aluno, o que gera, consequentemente, imersão à imagem cinematográfica, e isso se torna atrativo aos alunos. Além disso, ao analisar a imagem, legenda e ouvir os personagens, o aluno associa o verbal ao não verbal (visual), deste modo, aprende o linguístico através do vídeo mesmo que esse não seja seu objetivo principal.

    Por meio do uso de filmes, temos a possibilidade de focar a integração entre as 4 habilidades (Reading, Writing, Listening, Speaking) para que o aprendiz seja bem-sucedido na L2, permitindo, dessa maneira, que o aluno comece a fazer produções orais considerando tanto os aspectos linguísticos como também os culturais em seu contexto real que são de suma importância no momento em que estamos aprendendo uma segunda língua. Além disso, o professor em sala de aula pode solicitar a leitura de texto escrito e imagens, solicitar texto escrito a partir do tema assistido, ouvir diálogos entre os personagens do filme, além de criar discussões acerca do filme imposta em sala para gerar comunicação com o uso da língua Inglesa.

    Um aspecto muito importante que os alunos aprendem ao assistir filmes legendados, além da ampliação de vocabulário, é a pronúncia e entonação mais próxima de nativos, portanto o filme é um instrumento pedagógico eficaz. Segundo Gomes (2006), o uso de filme, pode melhorar as habilidades da língua estrangeira (LE). Em um mundo que o uso de tecnologias é cada vez mais disseminado é possível utilizar diversos recursos para aprendizagem. Os filmes, assim, proporcionam maior contato com a língua, funcionando como meios menos rígidos se comparados às formas tradicionais dos exercícios gramaticais. É por meio do entretenimento que a aprendizagem é mais proveitosa e os alunos se sentem mais atraídos, "dessugerindo" (Desuggestopedia) as barreiras psicológicas impostas por certos métodos e abordagens, evidenciando que aprender pode ser divertido e eficaz através de técnicas com filmes. Trazendo as ideias multimodais de Theo van Leeuwen (2011), para ele, a interpretação multimodal por parte do observador de imagens estáticas ou em movimento (vídeo) é de grande importância e para melhor entendimento interpretativista, é necessário fazer o uso de partes constitutivas, de um filme, por exemplo, para maior possibilidade de interpretação. Assim, temos a liberdade de, além do encontrado por Gomes em seu trabalho de defesa de mestrado, o uso de estrutura do campo de filme, cores, sons, a oralidade dos personagens, o gestual dos mesmos, etc. Para maior concentricidade multimodal em conjunto, disponibilizo um manifesto do autor:

    [...] a linguagem falada não pode ser adequadamente entendida sem levar em conta a comunicação dentro do discurso; muitas formas contemporâneas de escrita da linguagem não podem ser adequadamente entendidas sem ao menos levar em conta nossas observações, não apenas da linguagem, mas também de imagens, bordas, tipografia e cores. (VAN LEEUWEN, 2011, p. 668).

     

    5 O método em prática

    Primeiramente, o aluno pode achar que a utilização de filmes seja difícil porque ele não conhece a língua muito bem. Para isso, o aluno deve ser preparado a identificar contexto de uso das palavras, analisar situações, seus personagens e ações. O professor deve estar muito bem preparado para lecionar uma aula conforme esse método, preparando atividades acerca do file que levem a uma sequência de aprendizagem, passo-a-passo. O professor pode, por exemplo, passar o filme com legenda em Português e áudio em Inglês (a depender do nível dos alunos pode ser passada a legenda também em LI) para que eles assistam comparando o áudio com o que está sendo dito em Português. Consequentemente pode planejar uma sequência que leve a aprendizagem de vocabulário, como atividades de relatório para praticar a habilidade escrita, conversação acerca das situações, caracterizar os personagens, falar dos lugares, etc. As atividades solicitadas dependerão do nível dos alunos.

    Por exemplo, o filme Life In A Day pode ser acessado gratuitamente no Youtube. Logo aos 3:40 do filme já existem palavras que os alunos mesmo que não tenham grande proficiência conseguem entender. Além disso, as imagens cinematográficas ajudam muito no entendimento. De modo geral, o importante é que seja levado em conta o contexto real de uso da língua Inglesa. Com a sequência de atividades, os objetivos podem ser atingidos. O aluno pode atingir com o uso habitua dessa técnica associada ao método um nível mais alto de proficiência.

    Vejamos o seguinte vídeo que mostra uma técnica de trabalhar com filmes para aprendizagem de Inglês. O filme trabalhado é Matrix. Ferraz (2012, p. 111) diz que:

    A leitura das imagens revela as possibilidades de leitura em contraposição a uma leitura dita tradicional. Nesse sentido, diferentes leituras de um filme podem emergir e ser foco para discussão sobre cultura, identidade, raça, economia, política, colonialidade e religião. (FERRAZ, 2012, p. 111).

    Como visto na citação, o uso de filmes se torna um trabalho crítico e significativo quando bem trabalhados por parte dos professores de língua Inglesa. Além de termos a possibilidade de uso das quatro habilidades da língua Inglesa, ao fim de um filme, somos capacitados e informados sobre uma cultura que envolve outras categorias informativas, como visto na última citação, tais quais questões econômicas, religiosas, etc. É disso que precisamos: estar informados de situações reais e culturais através da língua com o propósito de dominar informações que circulam ao redor do mundo:

    O uso da TV e de filmes em VHS e em DVD na sala de aula oferece excelentes oportunidades para o uso de material mais autêntico que os textos, CDs e fitas cassete que geralmente são usados nas aulas de LE. Por apresentarem uma grande variedade de elementos visuais em associação com elementos auditivos como a linguagem oral, os filmes na sala de aula de LE podem promover a motivação dos alunos e a prática oral mais autêntica. (GOMES, 2006, p. 13).

    O vídeo a seguir fala do método Desuggestopedia (também chamado de Suggestopedia), mostrando os princípios, o foco, a sala de aula e o ciclo do método. Lembremos que nesse método, o sonoro e o visual podem ser trabalhados. Desta forma, trabalhamos não com músicas, e sim com filmes, pois envolvem sonoro e visual, trazendo uma aprendizagem baseada em situações reais de uso com uma aprendizagem significativa e efetiva.

    Vídeo 3 – Suggestopedia in practice: Lonny Gold: part 1 of 5 / Fonte: Lonny Gold

     

    6 Considerações finais

    Em suma, procuramos desenvolver um trabalho que abordasse o uso do método Desuggestopedia atrelado aos estudos sobre Novos Letramentos, contribuindo, assim, para um trabalho preocupado com o conhecimento do aluno quanto à aprendizagem de língua Inglesa, levando em conta seu sentimento e a utilização de filme como técnica de aprendizagem. Buscamos, dessa maneira, analisar o filme de forma abrangente para que leve ao processo de aprendizagem por meio de atividades sequenciais diferenciadas que visem principalmente o desenvolvimento da habilidade da fala (speaking) em diferentes níveis de aprendizagem. Com este trabalho, pretendemos, pois, contribuir para o ensino de Língua Inglesa e a maior efetivação da aprendizagem de língua estrangeira.

     

    Referências

    ANSTEY, M.; BULL, G. "Helping Teachers to Explore Multimodal Texts". In: Curriculum Leadership: An Eletronic Journal for Leaders in Education. Education Services Australia, vol. 8, issue 16, 2010. Acesso em 15 de junho de 2015.

    BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEB, 2006, vol. 1, p. 85-124.

    FERRAZ, D. M. Letramento Visual: A Leitura de Imagens nas Aulas de Inglês. Jundiaí: Paco Editorial, 2012.

    GOMES, F. W. B. O Uso de Filmes Legendados como Ferramenta para o Desenvolvimento da Proficiência oral de Aprendizes de Língua Inglesa. Ceará, 2006. Acesso em 20 de junho de 2015.

    GARDNER, H. Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences. Perseus, 1983.

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    LARSEN-FREEMAN, D. Techniques and Principles in Language Teaching. New York: University Press, 2000.

    LANKSHEAR, C.; KNOBEL, M. New Literacies: Everyday Practices and Social Learning. New York: Open University Press, 2011.

    LEEUWEN, Theo van. "Multimodality". In: SIMPSON, J. (Org.). The Routledge Handbook of Applied Linguistics. New York: Routledge, 2011, p. 668-682.

    MAGNABOSCO, Gislaine Gracia. "Hipertexto: algumas considerações". In: CELLI – Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários. Maringá: n. 3, pp. 1389-1398, 2009. Acesso em: maio de 2015.

    MARCUSCHI, L.A. XAVIER, A.C. Hipertexto e gêneros digitais novas formas de construção de sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

    PRIMO, Alex. "Quão interativo é o hipertexto? Da interface potencial à escrita coletiva". In: Fronteiras: estudos midiáticos. São Leopoldo, v.2, n.2, pp. 125-142, 2003.

    NORTON, B. "Identity". In:______ (Org.). The Routledge Handbook of Applied Linguistics. New York: Routledge, 2011, p. 318-330.

    PAIVA, V. L. M O. O uso da tecnologia no ensino de línguas estrangeiras: breve retrospectiva histórica. Universidade Federal de Minas Gerais. (Prelo). Acesso em 18 de junho de 2015.

    RAMAL, Andrea Cecilia." Ler e escrever na cultura digital". In: Revista Pátio. Porto Alegre, ano 4, no. 14, pp. 21-24, agosto-outubro 2000. Acesso em: maio de 2015.


    Sumário

    UMA ANÁLISE REFERENCIAL DO CURTA "TOUR EIFFEL", DE SYLVAIN CHOMET

    Lorena Gomes Freitas de Castro (Mestranda/UFS / lorenna.gfc@gmail.com)

    Resumo: Este trabalho busca desenvolver uma análise da construção referencial do texto no curta francês "Tour Eiffel" de Sylvain Chomet. A narrativa é construída por meio de diferentes códigos semióticos que se integram e convergem para uma interpretação não verbocêntrica, uma vez que os protagonistas são mímicos. Para essa análise do processo de construção de referentes foi preciso avaliar o discurso multimodal e como as multissemioses são importantes para a criação de efeitos de sentido. Percebe-se através desse estudo com base nas perspectivas da referenciação que os sentidos do texto se valem das multissemioses agregadas. Alguns teóricos importantes são Cavalcante (2012), Kress e Van Leeuwen (2001), Koch (2006, 2011) entre outros.

    Palavras-chave: Referenciação; Multimodalidade; Construção de sentidos.

    Vídeo 1 – Paris, je t'aime - Tour Eiffel (legendado) / Fonte: Sylvain Chomet

     

    1 Introdução

    A linguagem pode ser representada através de códigos semióticos distintos, possibilitando, então, a configuração de textos nas mais variadas semioses, sendo assim é válido considerar o texto como ação social multiforme, ações estas que refletem as relações humanas e as formas de enxergar o mundo. Atentar-nos para as diversas realizações textuais é averiguar como as pessoas utilizam a variedade de recursos semióticos para construir signos em contextos sociais concretos (KRESS E VAN LEEUWEN, 2001).

    É preciso, então, ter noção de que o texto é construção de sentidos que varia em forma e em conteúdo, há de se levar em consideração como esses elementos se relacionam para configurar sentidos durante a interação, como afirma Cavalcante "o texto é um evento comunicativo em que estão presentes os elementos linguísticos, visuais e sonoros, os fatores cognitivos e vários aspectos" (2012, p. 20).

    A escolha do texto para estudo/análise neste artigo é então justificada por se tratar de um curta-metragem (francês), cuja narrativa é iniciada pelo texto linguístico, no entanto se desenrola sobretudo através de elementos visuais e sonoros, uma vez que os protagonistas são mímicos focalizando os elementos imagéticos (sucessão de imagens).

    A constituição multimodal do curta roga do sujeito habilidades de leituras diferenciadas, habilidades estas que solicitam ao leitor seus conhecimentos linguísticos, conhecimentos individuais e de mundo, para que seja possível interpretar os sentidos que ali estão sendo construídos.

    Levando em consideração a habilidade de leitura, quanto maior for a capacidade do leitor de perceber as informações nos percursos multissemióticos, maior será o número de interpretações diante do texto a ele apresentado. Os sentidos do texto serão construídos nas diversas semioses integradas, no conhecimento de mundo ativado e no contexto. Como ratifica Cavalcante "o texto é um evento comunicativo em que estão presentes os elementos linguísticos, os fatores cognitivos e sociais" (2012, p. 27).

    É prerrogativa deste trabalho perceber os aspectos multimodais do curta-metragem, ir além da materialidade linguística, buscando compreender sua narrativa através da construção de referentes linguísticos e extralinguísticos. Porque é necessário ampliar as abordagens sobre o texto e reconhecer que este é construção de sentidos dinâmica e flexível (MARCUSCHI, 2008, 2011) e deve, portanto, ser estudado com plenitude em suas modalidades.

    Aqui, pretende-se estabelecer um estudo multimodal do curta-metragem, à luz dos estudos desenvolvidos sobre os processos da referenciação e do discurso multimodal para comprovar a importância do diálogo entre áreas linguísticas e aquelas que têm como escopo textos construídos por outras linguagens, assim será possível estabelecer novos olhares aos processos de produção e compreensão de sentidos, sobretudo quanto a textos que se configuram a partir de multimodalidades (imagens, gestos, sons, tipografia, elementos linguísticos etc).

    Para a realização desde estudo, tem-se como aporte teórico-analítico alguns estudos da Linguística de Texto, sob uma perspectiva sociocognitiva e interacional da linguagem e os da multimodalidade. Alguns nomes são Cavalcante (2010, 2012), Custódio Filho (2009, 2010), Dionísio (2011), Marcuschi (2008, 2011, 2012), Kress and Van Leeuwen (2001), Pereira (2010) entre outros.

    A seguir, será feito um breve percurso histórico acerca do cinema, a contextualização do curta-metragem escolhido, um pouco sobre a mímica enquanto linguagem corporal e, por fim, a análise do texto multimodal e considerações finais.

     

    2 Uma retrospectiva cinematográfica

    2.1 O cinema

    Junto com outras invenções, o cinema constitui um dos grandes trunfos do universo cultural e pode ser considerado como uma das formas de linguagem mais ricas a que se tem acesso na contemporaneidade. Ao contrário do que muitos podem pensar e como afirma Jean-Claude Bernardet (1985), cinema não é só a história projetada na tela, mas todos os elementos que se seguem desde produção, distribuição e exibição do filme ao público. Além disso, nem sempre os filmes contaram com tantos recursos a fim de expressarem os desejos de seus produtores como nos dias atuais.

    O cinema evoluiu em diversos aspectos, passando do cinema em preto e branco ao colorido, do mudo ao sonoro e assim por diante. A novidade da ilusão, a possibilidade de provocar impressões do real, foi provavelmente a base do grande sucesso do cinema (BERNARDET, 1985). O início da "arte do real" se deu com o então chamado primeiro filme da humanidade, um curta de um trem chegando à estação, data de vinte e oito de dezembro de 1895 e foi filmado em Paris pelos Irmãos Lumiére, os inventores do cinematógrafo (ver Vídeo 2).

    Vídeo 2 – Arrival of a Train at La Ciotat (The Lumière Brothers, 1895) / Fonte: Cinema History

    Crescendo em diversos lugares, a perspectiva cinematográfica se destacou de formas diferentes. História, cultura, economia e inclinações tanto ao realismo quanto ao "faz-de-conta" são fatores que tiveram grande influência na produção das obras. Ou seja, enquanto alguns países investiam numa produção cinematográfica alinhada com a expressão da realidade (como a situação econômica e/ou política), outros investiam na criação de outras realidades, atingindo inclusive uma perspectiva intimista (Cinema Argentino, nos anos 1960 por exemplo).

    Os primeiros filmes foram em curta-metragem, em meados dos anos 10, essa modalidade foi aos poucos cedendo espaço aos filmes de longa-metragem que foram se aprimorando - com a implantação do som, por exemplo. Nos últimos anos, como bem explana Bernardet (1985), é possível verificar que os curtas assumem uma postura quase que revolucionária, uma vez que se propõem a apresentar temáticas sociais que precisam ser debatidas, tais quais questões políticas, movimentos operários e a mobilização feminista.

    2.2 Tour Eiffel

    Tour Eiffel, de Sylvain Chomet, é um curta dentre vinte e um que compõem o filme Paris, je t'aime. Este é um filme colaborativo, isto é, uma coletânea de curtas de diferentes diretores que dentre perspectivas diversas, mostra a cidade de Paris e apresentam o amor sob percepções distintas, cada curta-metragem tem duração de 5 minutos. A coletânea contou em sua produção com vinte e dois diretores e atores reconhecidos, foi coordenado por Emmanuel Benbihy e data do ano de 2006.

    O pequeno filme é uma homenagem a Marcel Marceau, mímico mais popular do período pós-guerra, de origem judaica francesa viu-se obrigado a fugir e mudar de nome por causa das perseguições. Não obstante, após a segunda grande guerra se matriculou numa escola de arte dramática e tendo Chaplin como ídolo, deu prosseguimento aos estudos da linguagem corporal, teve sua carreira de mímico alavancada e viajou pelo mundo espalhando a, então, chamada "arte do silêncio".

    2.3 A mímica

    A mímica é a arte de expressar o pensamento através de gestos e expressões corporais, a pantomima é um teatro gestual que faz uso da mímica e pouco ou nenhum uso das palavras para narrar histórias. Assim como a dramaturgia, tem suas origens na Grécia antiga, mas também se sabe de indícios em outros povos, teve destaque também no império romano de Augusto, eis a pantomima clássica. Houve um período de proibição das manifestações artísticas, durante a Idade Média com a Inquisição, e logo depois surge a pantomima romântica, tendo como grande nome Jean-Gaspard Debureau que trouxe de volta a arte, sendo seguido no cinema mudo, por exemplo, por Charles Chaplin e Buster Keaton.

    A partir do século XX - período de grande renovação conceitual e estética - surge um novo estilo de pantomima com um repertório considerado neoclássico e tendo como principal representante o já mencionado pantomimo Marcel Marceau. Nos dias de hoje, os artistas contam com recursos enriquecedores para enfatizar suas performances como cenário, maquiagem, figurino e objetos, influência bastante demarcada com a atuação de Charles Chaplin.

    A linguagem corporal constitui outra modalidade de comunicação, diferentemente do código linguístico. Sendo assim a utilização de todas as partes do corpo e a ênfase da expressão facial serão importantes na configuração da história, para atrair a atenção do público e uma construção de sentidos fundamentada na imagem e, talvez, com suporte sonoro, que é o caso do curta-metragem utilizado neste trabalho.

    Como traz Pereira (2010) "a linguagem é fenômeno corpóreo", logo, integrando outras formas de comunicação e constituindo outras maneiras de querer-dizer, têm por base o processo cognitivo, ativando a memória do leitor e solicitando habilidades específicas de letramento em virtude da(s) modalidade(s) então apresentadas. É preciso buscar compreender como elementos distintos se integram para entendê-los, como afirma Dionísio, "Na atualidade uma pessoa letrada deve ser alguém capaz de atribuir sentidos a mensagens oriundas de múltiplas fontes de linguagem, bem como ser capaz de produzir mensagens incorporando múltiplas formas de linguagem." (DIONÍSIO, 2011, p. 138).

    Os gestos das mãos são responsáveis por designar pensamentos e formas, relações com o espaço, indicam direções e mostram o formato das coisas e estão estreitamente ligados à fala (PEREIRA, 2010). Não obstante, no caso da mímica a construção dos referentes acontece principalmente através dos movimentos corporais e expressões faciais, isto é, a linguagem corporal "fala por si só", é a linguagem essencial nessa modalidade e não apenas serve de suporte para uma comunicação pautada em elementos linguísticos.

    Etienne Decroux, durante o período neoclássico do mimo, foi responsável por estudar o mimo corporal, sua técnica e o trabalho de atuação observando como

    [...] os alunos realizavam ações corporais de experimentação das qualidades de movimento, subtraindo o uso da fala e cobrindo o rosto com um véu denominado máscara neutra. Esses exercícios levaram Decroux a refletir sobre a variação das formas de se movimentar, dando enfoque às possibilidades articulares do corpo, desde seu isolamento de movimento articular até a pluralidades de combinação articular. (SCHINDEL, FURTADO, 2013, p. 2).

    Isso significa que a arte de narrar através dos movimentos corporais não requer o discurso linguístico, é completa o suficiente para estabelecer conexões com o seu leitor e apresentar seu texto, pois a interação vai gerar a produção de sentidos, em função dos conhecimentos de mundo (individuais e coletivos), do contexto e das inferências ali produzidas (CAVALCANTE, 2012). Assim como, por exemplo, na Linguística de Texto (LT) é possível que estudemos o processo de construção referencial, as expressões referenciais utilizadas e, obviamente, suas funções no texto, o mimo tem seus princípios básicos que vão ser responsáveis pela função dos movimentos, tais quais ponto fixo, origem do movimento, causalidade, equilíbrio de luxo, dinamoritmo, resistência, contrapeso, raccourci, desenhos tridimensionais (LEABHART, 2007 e BURNIER 2009 apud SCHINDEL, FURTADO, 2013).

    É importante ampliar nossos olhares diante de uma perspectiva multidisciplinar na tentativa de compreender como são construídos os sentidos noutras modalidades de linguagem, suas técnicas e como funcionam, para então interpretar essas configurações numa dimensão ampliada quando a elas estiverem, inclusive, integrado o elemento linguístico, assim a coerência, princípio de interpretabilidade e compreensão (KOCH, 2011) pode ser considerada na coexistência dos elementos linguísticos e não linguísticos.

    Neste trabalho, não se busca desprezar o componente linguístico em detrimento de outras formas de linguagem, mas tentar entender na combinação textual, por inteiro, quais elementos corroboram essencialmente para a construção dos referentes no texto, afinal "nem o referente, nem sua âncora precisam ser necessariamente expressos por mecanismos linguísticos. A referenciação é um processo intercognitivo, que se produz durante a interação e a partir dela." (CAVALCANTE, 2010).

     

    3 Metodologia

    O presente trabalho se pauta numa perspectiva ampla do estudo do texto, já que o objetivo é realizar análises do curta-metragem utilizando como suporte os processos intercognitivos da construção de referentes no texto levando em consideração os diversos códigos semióticos. É válido evidenciar que a textualidade aqui considerada não está delimitada aos elementos linguísticos, porém se amplia para os elementos textuais de natureza não linguística e sua interação, isto é, a construção de sentidos através das multissemioses integradas.

  • É aqui pensada a "referenciação como atividade discursiva" (KOCH, 2009, p. 53), além disso o processo de construção de referentes atende a algumas percepções basilares, tais quais operar na elaboração da realidade, na negociação entre interlocutores e na constituição de trabalho sociocognitivo (CAVALCANTE, 2012). Sendo assim, a partir de subsídios teóricos da linguística de texto alusivos aos processos de referenciação, buscar-se-á identificar os elementos de maior importância na construção de sentidos do texto - sejam eles de caráter linguístico ou não linguístico - diante de algumas noções como introdução referencial, objetos de discurso de expressão anafórica ou dêitica, por exemplo, e algumas funções por elas representadas, como a organicidade temática, o convite à ativação da memória do interlocutor e a progressão referencial (KOCH, 2009; CAVALCANTE, 2012).

    O texto analisado, como já dito, é um curta-metragem estruturado através de recursos de linguagem variados, no que diz respeito às semioses que o constituem, a análise parte do suporte teórico da linguística de texto que também oferece recursos à interpretação do caráter multimodal do corpus - além dos de caráter linguístico. Então, é reconhecendo a importância do caráter multimodal dos textos e seu valor no processo de construção de sentidos na completude do material, que os referentes (linguísticos, imagéticos ou visuais e sonoros) serão observados e avaliados de acordo com os papéis que podem desempenhar no processo de referenciação, na textualidade como um todo.

     

    4 A análise do curta-metragem

    A escolha do material foi definida em propósito de o curta-metragem, apesar de ter apenas cinco minutos de duração, constituir um texto rico no que diz respeito à utilização de recursos semióticos diversos, portanto, a construção de sentidos nesse texto também vai exigir do leitor habilidades de leitura para além daquelas necessárias diante do texto habitualmente dito verbal. Sobre a narrativa, a história se inicia com o pequeno Jean-Claude contando que seus pais se conheceram na prisão. É importante ressaltar que os elementos linguísticos são utilizados no início, num pequeno trecho intermediário da duração e outro rapidamente no final, isto é, a história é narrada por seus pais mímicos, cuja apresentação é essencialmente visual e sonora (como pode ser verificado no curta anexado acima).

    Considera-se o curta-metragem um texto multimodal, uma vez que é possível verificar o diálogo entre modalidades distintas, ou seja, é composto por formas diferentes de linguagens: imagens, sons, gestos (KRESS e VAN LEEUWEN, 2001). Seu caráter multimodal é com certeza fator primordial na escolha enquanto objeto de estudo e análise neste trabalho. Portanto, vale ressaltar que este estudo e análise constituem uma simples tentativa de refletir sobre a construção referencial na constituição dos elementos não linguísticos do texto.

    Além do aporte teórico que leva em consideração a LT - com o estudo da referenciação -, é fundamental citar os estudos da multimodalidade de Kress a Van Leeuwen e, especificamente para a análise, de trabalhos como o de Custódio Filho (2009) com a análise de um filme ("Bem me quer, mal me quer"), que considera as relações entre o texto verbal e a imagem. Para além dessas duas modalidades que podem ser identificadas no curta trabalhado, aqui será observada/ouvida mais uma: a modalidade sonora, uma vez que, por serem os protagonistas mímicos, a identificação de alguns referentes acontecerá, em alguns momentos, especificamente graças aos sons que aparecem aliados às imagens.

    Faremos um resumo da narrativa para que nos atentemos a detalhes que poderiam, num primeiro momento, não ter sido notados. Seguem, respectivamente, as análises e observações juntamente aos trechos a que se referem. O curta se inicia com uma moça entrevistando Jean-Claude que se apresenta (dêixis pessoal) e questionando como seus pais se conheceram e ele responde que na prisão - acrescentando-se a isso, ele ter mencionado a tristeza do pai em não ter uma mulher (objetos introduzidos por elementos linguísticos, imagéticos e sonoros). Aqui há a introdução dos referentes do discurso, "os pais" do menino, cuja história será narrada em seguida (ver 00:00:00 - 00:00:50).

    Imagem 1 – Apresentação de Jean-Claude no início da entrevista / Fonte: Sylvain Chomet

    Jean-Claude não conta a história sozinho, pois essa retrospectiva é feita através da narrativa visual-sonora, após a apresentação há uma desfocalização do menino para o momento da narrativa em si. O mímico acorda, abre a janela, acaricia seu animal de estimação, dá-lhe algo para beber, passa pela porta afora e pega uma flor no jardim. Lembrando que é um mímico, o contexto e levando em consideração o cenário pouco ornamentado, a casa sem objetos - com exceção de dois quadros na parede, sugerindo felicidade e tristeza-, a construção de sentidos se dá através dos sons simultâneos às imagens, a introdução dos objetos de discurso, pode-se dizer, acontece através do conteúdo que é inferido na confluência do texto imagético e sonoro. Está claro que ele acorda, espreguiça-se, no entanto, ao pegar e acariciar o animal, por exemplo, sem o recurso/referencial sonoro, não se saberia de que referente se trata de fato. Seria possível deduzir um animal pequeno, dentre muitos que podem ser criados em ambiente domiciliar, entretanto o som nos infere que é um gato (ver 00:00:54 - 00:01:48).

    Imagem 2 – O mímico sai de casa à procura de sua amada / Fonte: Sylvain Chomet

    Ao sair de casa, o mímico se depara com uma guarda de trânsito, oferece-lhe a flor colhida (que é rejeitada), entra em seu automóvel (inferências visuais e sonoras) e sai a percorrer a cidade. Sua primeira parada é num café ao lado de duas mulheres, ele se senta e começa a ler, talvez, um jornal, é "convidado a se retirar" - referência construída através da visualização da linguagem corporal - pelo garçom, deixa uma gorjeta (referente sonoro ativando a memória do som de uma moeda) e vai embora.

    Chega a uma grande praça (com vista para a Torre Eiffel) em que encontra vários casais que combinam, pode-se dizer, e mais uma vez, percebe-se triste e sozinho. Por um breve momento, a progressão dos elementos visuais e sonoros (indicando beijo) nos fazem crer que o mímico finalmente encontrou sua alma gêmea, mas não passava de uma atuação e sua solidão é recategorizada através de sua expressão facial de tristeza (anáfora), como a que foi introduzida no início da história (ver 00:03:10 - 00:03:28).

    Imagem 3 – Representando a solidão que tomava conta do mímico / Fonte: Sylvain Chomet

    Ao imitar algumas pessoas na praça, arranja confusão e vai preso. Nesse momento o personagem literalmente sai de cena e a inferência de que ele apanhou e teve problemas é introduzida apenas através do referente sonoro. Diante disso ele vai preso e lá conhece sua futura esposa - um novo elemento visual - porém, ancorado na referência linguística do início do curta quando o pequeno Jean-Claude diz "Meu pai estava triste porque não tinha uma mulher" (ver 00:04:03 - 00:04:32).

    Imagem 4 – O encontro do casal transforma, claramente, a tristeza em felicidade / Fonte: Sylvain Chomet

    Ao se conhecerem, a tristeza se transforma em felicidade, são expulsos da cadeia e saem a passear por Paris. O referente sonoro recategoriza o automóvel sendo utilizado, junto com o elemento visual, a forma como eles movimentam suas pernas indica que estão em movimento e o "carro funcionando". O processo de construção desses referentes visuais e sonoros ocorre de forma bem estreita, pois a seleção e a montagem desses elementos constituem operações linguísticas que tem como objetivo contar as histórias.

    Chega-se à conclusão de que os elementos constitutivos da linguagem cinematográfica não têm em si significação pré-determinada: a significação depende essencialmente da relação que se estabelece com outros elementos. Esse é um princípio fundamental para a manipulação e compreensão dessa linguagem. Por isso o cinema é basicamente uma expressão de montagem. (BERNARDET, 1985, p. 19).

    Durante o passeio aparece a imagem da torre Eiffel, que neste momento, entende-se a inferência de Paris enquanto "cidade do amor" e, sutilmente, retomando o próprio nome do filme "Paris, eu te amo". Neste ponto, a narrativa visual-sonora se encerra e a focalização volta-se ao pequeno Jean-Claude que encerra a narração dizendo "Terminei de contar minha história". Logo depois ele é derrubado por garotos que passam correndo e a focalização da câmera volta-se aos mímicos, seus pais, colocando os três personagens no mesmo âmbito temporal (presente da narrativa). Ainda assim, seus pais "dizem-lhe para não ficar triste" através da expressão facial, o filho assente e vai à escola - inferência construída também de acordo com os referentes visuais introduzidos: uniforme, pasta da escola, colegas que riem dele (ver 00:05:02 - 00:05:20).

    Imagem 5 – Apesar da tristeza, os pais lhe orientam a deixar os problemas de lado, trocando a expressão de tristes para felizes / Fonte: Sylvain Chomet

    É importante destacar a noção de um otimismo sutil (expressão triste-feliz), pois parece, além do tema amor, constituir noção fundamental no curta. Percebe-se que no início do pequeno filme, um objeto linguístico do discurso está escrito na porta da casa do mímico: "mímico estúpido" ("con de mime"). Esse referente linguístico pode ser considerado recategorizado através de elementos visuais em progressão, reativado na memória do interlocutor quando, por exemplo, ao chegar em lugares diferentes, ele, na sua condição de mímico, nunca é bem recebido (tendo sua flor recusada e sendo "convidado a se retirar" do café) tendo sido expulso, inclusive da prisão.

    Interessante é que, ao final, alguns referentes que foram introduzidos apenas com o recurso sonoro "aparecem" e podem ser literalmente vistos pelo interlocutor, esses objetos são o gato e o automóvel que ancoram nos referentes introduzidos no início do curta pela modalidade sonora e/ou visual. Ou seja, considerando como se desenrolam as cenas no curta, como são selecionados os elementos que as constituem e como os elementos multimodais se integram de forma a construir sentidos (aspectos visuais, sonoros e o linguístico, em menor instância) convergem para uma construção referencial de sentidos que articulam o texto.

    Imagem 6 –Resumo de algumas cenas principais no curta, (1) a surpresa do encontro do casal, (2) a felicidade como consequência do encontro, (3) o filho Jean-Claude encerrando sua narrativa/ Fonte: Sylvain Chomet

    Verifica-se que os referentes do texto analisado, sejam eles de caráter imagético, sonoro ou linguístico, foram responsáveis, principalmente, para manter a temática do curta (o mímico triste e incompreendido que buscava uma mulher para amar), ou seja, conservar a organização temática; recategorizar alguns referentes que ora foram introduzidos pela modalidade visual, ora pela sonora e ativar a memória do interlocutor. Ciulla e Silva (2008 apud CAVALCANTE, 2012, p. 138-139) "defendem que a estratégia de apelar para a memória do interlocutor, que precisa preencher a imagem do texto com as próprias experiências, é uma forma de trazer o leitor para perto da situação", contribuindo para o processo de interpretação de sentidos elaborados no texto.

     

    5 Conclusão

    Neste trabalho, o empenho foi estabelecer a análise de um curta-metragem com protagonistas mímicos, ou seja, bastantes recursos imagéticos e sonoros, e em menor incidência recursos linguísticos. O desafio é necessário para repensar alguns conceitos e teorias no que diz respeito ao estudo do texto. Além disso, a tentativa de buscar entender a construção de sentidos num texto que apresenta poucos - mas não menos importantes - recursos linguísticos e, essencialmente, recursos imagéticos e sonoros que propiciam a interpretabilidade desse material é válida, no sentido de comprovar que a construção dos referentes pode acontecer via elementos não linguísticos, ou seja, através de multissemioses integradas.

    Demonstra-se a importância do estudo dos elementos não linguísticos, por vezes integrados aos linguísticos, a fim de validar que o processo de construção referencial não é exclusivo da textualidade linguística grosso modo, porém constitui processo intercognitivo, social e multimodal podendo ser selecionados e estar estruturados de tal forma a corroborar com a organização temática e/ou fazer um convite à ativação da memória do interlocutor, que nessa ação continuada e complexa de contato com as linguagens diversas, conexão com seus conhecimentos individuais e de mundo, vai ser capaz de assimilar os sentidos do texto com seus mais diversos recursos.

    Vale ressaltar ainda a importância da experiência da produção deste artigo em meio digital, permitindo ampliar as possibilidades de leitura e de estudo acerca da multimodalidade, o que proporcionou o enriquecimento da investigação e da leitura através da acessibilidade do curta analisado per se de suas respectivas observações.

    Referências

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    Sumário

    O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E AS TIC

    Maria Conceição Lima Santos (Mestranda/UFS /cecalima@hotmail.com)

    Resumo: Este estudo objetiva apresentar as principais normas que regem o emprego das TIC em sala de aula, no âmbito da Legislação Brasileira, em especial no que diz respeito ao ensino de língua portuguesa no ensino médio. Além de apresentar a legislação atual, será realizada uma breve retrospectiva histórica. A pesquisa consistirá numa revisão bibliográfica com abordagem descritiva, incluindo levantamento bibliográfico e análise documental. Alguns dos autores utilizados como referência foram Lévy (2010), Moran (1999), Prensky (2001), entre outros.

    Palavras-Chave: TIC, Língua Portuguesa, Legislação Educacional Brasileira.

     

  • 1 Introdução

    O uso das TIC vem suscitando reflexões quanto à sua utilidade em sala de aula, em função da ampliação do acesso e da criação de um ambiente que fomenta o uso de tecnologias digitais, em especial, nesse caso, no ensino de Língua Portuguesa (LP). As TIC, ou melhor, as Tecnologias da Informação e da Comunicação, vêm sendo utilizadas como ferramentas de trabalho tanto nas práticas formais quanto informais de educação. No caso da educação formal, cujos métodos e recursos didáticos já vêm normatizados por lei, as TIC surgem também como conteúdo a ser ensinado. De acordo com França (2014):

    Operar com a nova mídia torna-se um desafio para indivíduos e organizações. Produzir um discurso consistente significa dominar as novas formas de produção de texto para ambientes digitais de comunicação, alguns deles ainda em formação, outros já consolidados pela tradição. Os gêneros textuais digitais surgem na forma de hipertextos, postagens, mensagens audiovisuais e outros que ainda não foram “nomeados” mas que circulam pela rede das redes. (FRANÇA, 2014, p. 204).

    Vive-se hoje em uma sociedade que cultua as novas tecnologias. Nesse contexto, os meios de comunicação vêm se modernizando e se modificando. A cada dia, surge uma novidade, levando à busca por capacitação e a uma melhor integração no mercado de trabalho (LEVY, 2010).

    Porém, ainda existe resistência por parte de alguns professores quanto à utilização das TIC. Segundo Prensky (2001), muitos educadores continuam se firmando em antigos métodos de ensino e fecham os olhos para as novas formas que vêm emergindo com as mudanças tecnológicas. Abrindo-se assim, um impasse de como deve ser o ensino-aprendizagem relacionado às tecnologias. Com as TIC surgem novos conteúdos a ser ensinados, os quais devem ser transmitidos como conhecimento aos alunos. Moran (1999) acredita que o professor obterá mais sucesso na transmissão de informações se souber adaptar programas educativos às necessidades dos alunos.

    A fim de melhor entender o uso das TIC no ensino de LP tornou-se necessário compreender o sistema educacional brasileiro e a necessidade de revisão curricular em face dos progressos científicos e dos avanços tecnológicos (BRASIL, 1998). Com isso, percebe-se que a educação através do uso tecnológico deverá estar voltada para o desenvolvimento humano e para a formação de cidadãos, ou seja, para a preparação dos jovens para a solução de problemas, para a capacidade e tomada de decisão, para a produção de conhecimento (BRASIL, 2013a).

    A intenção de estudar o ensino de língua portuguesa e as TIC recupera, de certa forma, a possibilidade de reflexão sobre as regulamentações que regem o sistema educacional no que tange ao uso das TIC. O objetivo principal deste estudo é apresentar as principais formas que regem o emprego das TIC em sala de aula, no âmbito da Legislação Brasileira, em especial no que diz respeito ao ensino de língua portuguesa no ensino médio. Além de apresentar a legislação atual, será realizada uma breve retrospectiva histórica.

    O Prof. Dr. Antonio Carlos Xavier, referência no estudo das TIC aplicadas à educação, apresenta uma importante reflexão em conferencia apresentada no “5º. Simpósio Hipertexto e Tecnologias na Educação”, 2013:

    Vídeo 1 – Prof. Dr. Antonio Carlos Xavier/ Fonte: Nehte UFPE

    O presente artigo está organizado em quatro partes. A primeira é a introdução, que contém a apresentação do tema, a justificativa, os objetivos e a metodologia. O segundo tópico apresenta os conceitos de TIC e discute a sua aplicabilidade no ensino de LP. Num terceiro momento, apresenta-se um panorama geral sobre a Legislação e histórias que regem o ensino de LP. Na última parte, fazem-se as considerações finais retomando resumidamente o que fora abordado.

     

    2 Breves considerações sobre as TIC e o seu uso no ensino de língua portuguesa

    As TIC fazem parte da vida cotidiana de muitas pessoas. O seu uso revolucionou a forma de pensar de algumas pessoas, sobretudo no campo social, político, científico e tecnológico. Para defini-las torna-se necessário falar separadamente sobre os termos que a compõe, ou seja, as tecnologias, a informação e a comunicação. Essas premissas podem ser reforçadas por Ramos (2008):

    Chamamos Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) aos procedimentos, métodos e equipamentos para processar informação e comunicar o que surgiram no contexto da Revolução Informática, Revolução Telemática ou Terceira Revolução Industrial, desenvolvidos gradualmente desde a segunda metade da década de 1970 e, principalmente, nos anos 90 do mesmo século. (RAMOS, 2008, p. 5).

    As TIC vêm afetando o comportamento de seus usuários e as suas relações sociais promovendo a aceleração de processos que já existiam na sociedade, por exemplo, o uso da linguagem. Essas afirmações podem ser confirmadas por Pierre Lévy (2010):

    Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturados por uma informática cada vez mais avançada. (LEVY, 2010, p. 4).

    A linguagem utilizada a partir das TIC mudou na leitura e na escrita. Atualmente o usuário da internet (emissor e/ou receptor) tem acesso a um grande número de informações a uma velocidade muito rápida, se comparada aos meios tradicionais, e isso repercute também na educação. No dia a dia os jovens que possuem acesso à internet se comunicam utilizando uma linguagem específica, adquirida a partir do uso de ferramentas tecnológicas, tais como o celular e o tablet. Moran (1999) afirma que, diante das mudanças tecnológicas, o ensino promovido pelas escolas deve adequar as suas metodologias para alcançar o jovem, como pode ser observado no Vídeo 2.

    Vídeo 2 – Prof. Dr. José Manuel Morin / Fonte: Nehte UFPE

    O Vídeo 3 apresenta uma explanação consistente do jornalista Fabiano Ormaneze, que resume em poucas palavras as vantagens e desvantagens das TIC na Educação.

    Vídeo 3 – O uso da tecnologia na educação é bom ou ruim? / Fonte: MaisLigados

    Desde a invenção da escrita, a linguagem opera em diferentes lógicas: a recente linguagem digital, a linguagem dos papiros e livros. Os livros, por exemplo, foram inicialmente restritos apenas aos iniciados e após sua difusão as pessoas e as escolas passaram a ter acesso à leitura e à escrita, encontrando neles uma fonte de conhecimento. Mais tarde, com o surgimento dos meios de comunicação de massa, entre eles, a TV, o rádio, o computador, ampliou-se ainda mais o universo de informações acessíveis (LÉVY, 2010).

    A informática é uma das áreas que mais cresce no mundo, e com ela algumas ferramentas passaram a ser utilizadas pela população, como é o caso do computador conectado à internet. Embora o acesso à internet não inclua a todos, por motivos econômicos, culturais e/ou sociais, no Brasil esse crescimento vem sendo verificado, sobretudo entre os jovens.

    Segundo dados da CETIC (2013), o Brasil possuía, em 2013, 28 milhões de domicílios com computador, sendo 24 milhões com acesso à internet. Com isso, 68% da população tinha acesso diário a internet na faixa etária entre os 16 e 24 anos. Atualmente os dados indicam um aumento no número de usuários, de acordo com informações da "Pesquisa Brasileira de Mídia - Hábitos de Consumo de Mídia" (BRASIL, 2015, p.49-50), 76% da população acessa a internet diariamente e 71% o fazem através de computadores. Na faixa etária dos 16 aos 24 anos, 65% acessam a internet (BRASIL, 2015, p.7). O Gráfico 1 detalha a evolução do uso da internet.

    Gráfico 1 - Frequência do uso da internet / Fonte: Pesquisa Brasileira de Mídia (SECOM, 2015, p. 51)

    Com base nessas premissas, a escola deve estar ciente desse novo contexto, a fim de ampliar o aprendizado dos seus alunos. De acordo com os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, "Vive-se o mundo das parabólicas, dos sistemas digitais, dos satélites, da telecomunicação. Conviver com todas as possibilidades que a tecnologia oferece mais do que uma necessidade, é um direito social" (BRASIL, 2013, p.13).

  • Nessa perspectiva, a linguagem utilizada nas escolas sofre mudanças com o uso das TIC, e os professores de Língua Portuguesa (LP) devem acompanhar essas mudanças para compreender a realidade dos alunos aumentando, assim, as possibilidades de aprendizado.

    De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Brasileira (BRASIL, 2013, p.25) a escola não deve apenas focar nas metodologias tradicionais, pois o perfil atual dos estudantes enquadra-se no âmbito da nova era digital. Os alunos estão acostumados a "receber informação com rapidez, gostam do processo paralelo, de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, preferem fazer seus gráficos antes de ler o texto". Já os seus docentes acreditam que acompanham essa era "apenas porque digitam e imprimem textos, têm e-mail". Os mesmos se esquecem de que muitos dos estudantes já nasceram na era digital.

    No que se refere a LP, os conteúdos a ser ensinados devem ser mesclados com textos embasados na atualidade. Além disso, o professor poderá ensinar fazendo comparativos, poderá utilizar formas e estruturas usadas antes e depois da nova era digital. Isto é, o número de gêneros textuais é infinito, porém com a revolução tecnológica, novos gêneros surgiram, são os chamados gêneros emergentes, os quais segundo Marcuschi (2010, p.15) "são um conjunto de gêneros textuais que estão emergindo no contexto da tecnologia digital em ambientes digitais". Com isso, os professores poderão ensinar os gêneros textuais existentes e incluir os emergentes, como por exemplo, o e-mail, o blog etc.

     

    3 As TIC na legislação que rege a educação no Brasil

    O uso das TIC na educação é algo que está presente em vários trechos das legislações que regem a educação brasileira. De acordo com esses documentos oficiais, o mundo vem sofrendo muitas mudanças, sobretudo no que se refere à tecnologia, e a educação precisa acompanhá-las. Nos PCN encontramos a seguinte afirmação.

    A denominada "revolução informática" promove mudanças radicais na área do conhecimento, que passa a ocupar um lugar central nos processos de desenvolvimento, em geral. É possível afirmar que, nas próximas décadas, a educação vá se transformar mais rapidamente do que em muitas outras, em função de uma nova compreensão teórica sobre o papel da escola, estimulada pela incorporação das novas tecnologias. (BRASIL, 2000, p.5).

    A fim de reforçar essas premissas torna-se necessário mostrar os principais documentos legislativos, no qual o uso tecnológico é inserido como sendo muito importante. São eles, os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, a LDB – Lei de Diretrizes e Bases, o PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação, PNE – Plano Nacional de Educação e as DCNM - Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

    De acordo com os PCN a educação deverá se preocupar em preparar o aluno para estar apto a adquirir qualquer conhecimento científico, assim como as várias formas de tecnologia, desde que esteja condizente com a área de atuação pretendida pelo mesmo (BRASIL, 2000).

    Os PCN foram criados em 1996 com o objetivo principal de unificar e difundir os princípios da reforma curricular e orientar os professores na busca de novas abordagens e metodologias, porém esse documento só foi publicado em 1998 (INEP, 2007). Segundo esses documentos "o uso da informática como meio de informação, comunicação e resolução de problemas, a ser utilizada no conjunto das atividades profissionais, lúdicas, de aprendizagem e de gestão pessoal" (BRASIL, 2000, p.19, parte I), ou seja, a informática fora apresentada neste documento como um mecanismo capaz de trazer solução a muitos problemas que por ventura possam surgir no campo educacional.

    A informática assumiu esse papel mencionado no parágrafo anterior, pois para os PCN (BRASIL, 2000, p.58, parte II) ela permite "a transformação das experiências em informação ordenada, armazenável, representável em diferentes formas e de fácil recuperação". Assim, ela surge como um código comunicacional conhecido com linguagem digital. Dessa forma, a linguagem digital se une as demais formas de comunicação tradicional complementando-as. E no âmbito das linguagens estabelecido pelas relações linguísticas, a comunicação entre os usuários da língua se utiliza de um código que segue uma norma ou legislação e que se legitima na competência de saber usá-lo. Com isso, os alunos do ensino médio necessitam saber usar a língua materna, e após entendê-la poderá ser capaz de aprender e conhecer outros códigos de linguagem é o caso da digital.

    Essas premissas podem ser reforçadas pelos PCN quando dizem que "os usos das linguagens e seus códigos só são possíveis pela prática, mesmo que em situações de simulação escolar" (BRASIL, 2000, p.65, parte II). E a prática só se torna possível através da interação coletiva entre o professor x professor, o professor x o aluno, o aluno x aluno, ou seja, uma interação coletiva. Ocorrendo assim, uma transferência de experiências, uma busca de conhecimento e uma amplitude de aprendizagem. E no ensino de Língua Portuguesa essa interação pode ocorrer com maior intensidade, uma vez que a linguagem é a sua ancora. Ora, sendo a linguagem o carro-chefe que comanda o ensino dessa disciplina, ela possibilita transformações sociais, ela possibilita o contato com símbolos e códigos normatizados e socializados por todos, e é nisso que o aprendizado acontece, sobretudo no uso tecnológico, pois para aprender a usar a tecnologia, o aluno necessita saber a linguagem daquilo que pretende utilizar. De modo que, essa linguagem aparece codificada na sua língua materna, logo, para aprender a usar um instrumento tecnológico o aluno deverá dominar sua própria língua. Tal fato pode ser ilustrado através do Vídeo 4.

    Vídeo 4 – LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Parte I / Fonte: HamurabiMesseder

    Para a LDB, o incentivo ao uso tecnológico é semelhante aos já descritos nos PCN. Essa lei foi criada em 1996, a mesma ficou conhecida como a Lei 9.394/96. Já em seu Art. 35 no item IV, ela define que o ensino médio terá como finalidades: "a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina". A mesma prossegue no Art. 36, parágrafo primeiro, item I, e estabelece o modo como os conteúdos e as metodologias deverão ser organizados para que o aluno demonstre: "domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna" (BRASIL, 1996, p. 14).

    Porém, ao analisar a LDB, percebeu-se que a menção às TIC não aparece de forma clara, ela expõe que os alunos deverão compreender os princípios da ciência e da tecnologia. Isto é, de uma forma geral sem que haja aprofundamento ou caracterização de quais princípios. Ainda na LDB, Seção IV – Do Ensino Médio, inciso I do artigo 36, a lei dispõe de forma sintetizada sobre o uso tecnológico e a sua utilidade no ensino de LP.

    I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania" (BRASIL, 1996, p.14).

    A partir dessa citação entendeu-se que no ensino médio, o ensino de LP assume um papel de relevância, pois para aprender acerca do uso das TIC torna-se necessário aprender sobre os processos de transformações socioculturais, disponíveis através da língua.

    O PDE foi lançado em 2007 pelo MEC e em suas ações de apoio ao desenvolvimento da educação básica estão incluídos três programas de incentivo ao uso das tecnologias na educação, a saber, Guia das Tecnologias Educacionais, o qual busca "qualificar propostas de melhoria dos métodos e práticas de ensino pelo recurso a técnicas, aparatos, ferramentas e utensílios tecnológicos" (SAVIANI, 2009, p. 9); o Educacenso, cujo objetivo será "efetuar levantamento de dados da internet, abrangendo, de forma individualizada, cada estudante, professor, turma e escola do país, tanto das redes públicas (federal, estaduais e municipais) quanto da rede privada" (SAVIANI, 2009, p. 9) e o Inclusão Digital, cuja meta será "distribuir computadores às escolas de educação básica, começando pelo nível médio, com cobertura total em 2007, e estendendo-se a todas as escolas de nível fundamental até 2010" (SAVIANI, 2009, p. 9). Com isso percebe-se o interesse do governo em que os alunos façam uso das TIC durante o processo de aprendizagem escolar.

    Através do programa Guia das tecnologias educacionais, o governo propõe o uso das TIC pela educação básica, porém, que esse uso não seja de forma aleatória, isolada ou mesmo desprovido de sentido. Que seu uso seja estritamente voltado ao "desenvolvimento humano, a formação de cidadãos, a gestão democrática, ao respeito à profissão do professor e a qualidade social da educação" (BRASIL, 2013ª, p.10).

    Com essa preocupação governamental e a partir desse guia, houve a criação de projetos educacionais tecnológicos relacionados a dez áreas diversas, sendo quatro deles direcionados à área de LP, são eles: ABC digital, Conecta Mundo, Caravana de Leitura nas Escolas do Campo, Mesa Educacional Alfabeto com realidade aumentada.

    O ABC digital permite aos alunos realizarem atividades pedagógicas utilizando o meio eletrônico. Com isso ocorre a integração entre o conteúdo aprendido em sala de aula e o laboratório de informática. Esse projeto "proporciona também a capacitação dos professores em um curso de 72 horas" (BRASIL, 2013a, p.14).

    O Conecta Mundo propõe logo em seu subtítulo uma solução integrada para o uso escolar de tecnologias de informação e comunicação em redes colaborativas de aprendizagem. Com isso, percebe-se que esse projeto integra em um ambiente online a interação entre professores e alunos, motivando-os através da socialização da "informação e da comunicação através de tarefas e atividades didáticas e paradidáticas". Além disso, esse projeto permite a inclusão digital, pois estimula a participação de alunos da rede pública em atividades virtuais, uma vez que o ambiente escolhido é a escola na qual eles se integram (BRASIL, 2013a, p. 16).

    No projeto Caravana de leitura nas escolas do campo ocorre uma mobilização entre os professores dos centros urbanos, que se deslocam para as áreas rurais e levam livros de histórias e contos infanto-juvenis e promovem a leitura dos mesmos entre os alunos das localidades visitadas.

    Por fim, o projeto Mesa Educacional Alfabeto com Realidade Aumentada, que se propõe criar uma mesa composta por grupos de estudantes que serão orientados didática e pedagogicamente por docentes capacitados no processo de alfabetização e letramento.

    Esse projeto apoia o processo de ensino-aprendizagem de LP desde a etapa inicial (ensino fundamental) até a sua consolidação (ensino médio). Além disso, ele permite o acesso a alunos portadores de deficiência auditiva e visuais. Com isso, ele promove a inclusão digital de alguns excluídos (BRASIL, 2013a). Convém mencionar que "as atividades pedagógicas desenvolvidas em meio digital permitem que os alunos apreendam o conhecimento tecnológico juntamente com a proposta pedagógica escolhida" pelos professores (BRASIL, 2013a, p. 14).

    No programa Inclusão Digital o governo propõe garantir a disseminação e o uso das TIC às comunidades e segmentos excluídos. Esse programa se ramifica em outros programas, a saber, Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE), Casa Brasil, Centro de Recondicionamento de Computadores (CRCs), Cidades Digitais, Computadores para a Inclusão, Inclusão digital da juventude rural, Oficina para a Inclusão Digital, Projeto Cidadão Conectado- Computador para todos, Programa GESAC, Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, Programa de Inclusão Social e Digital, ProInfo Integrado, Redes Digitais da Cidadania, Telecentros, Territórios Digitais, Um Computador por Aluno (BRASIL, 2014a). Porém, apenas uma parte desses programas está diretamente relacionados à educação e ao uso das TIC.

    No PBLE, o objetivo está em conectar todas as escolas públicas urbanas à rede da internet através de tecnologias que permitam qualidade, velocidade e serviços que auxiliem no ensino público do país. Este programa foi lançado em 2008 pelo governo através do Decreto nº 6.424 que altera o Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado no Regime Público – PGMU (Decreto nº 4.769). Através desse decreto, as operadoras de Telefonia Fixa assinaram um Termo Aditivo e assumem a instalação de infraestrutura de rede para suporte e conexão à internet em alta velocidade em todas as escolas públicas urbanas com manutenção dos serviços sem ônus em todos os municípios brasileiros até o ano de 2025. Esse programa é gerido pelo Ministério da Educação (MEC), pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), pelo Ministério das Comunicações (MCOM), pelo Ministério do Planejamento (MPOG) e pelas Secretarias de Educação Estaduais e Municipais. Segundo o Mapa de Atendimento desse programa, no Estado de Sergipe encontra-se 28 municípios com escolas públicas conectadas (BRASIL, 2014a).

    O CRCs é um programa que promove a recuperação e doação de computadores e para laboratórios de escolas, bibliotecas, telecentros e outros programas de inclusão digital. O projeto conta com a parceria com instituições que se responsabilizam por executar as ações de formação e recondicionamento de equipamentos. Segundo Brasil (2014a) desde 2005, foram recondicionados 13,8 mil computadores.

    O Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional – ProInfo Integrado é um programa voltado para o uso didático-pedagógico das TIC no ambiente escolar. Ele se atém desde a distribuição dos equipamentos tecnológicos nas escolas até a oferta de conteúdos e recursos multimídias e digitais aos professores. Ele promove cursos aos profissionais da educação com a finalidade de prepará-los para a utilização dos instrumentos tecnológicos nos seus trabalhos em sala de aula, como por exemplo, o curso de introdução à Educação Digital, Tecnologia na Educação, Elaboração de Projetos, Redes de Aprendizagem, Projeto UCA (Um Computador por Aluno), todos com duração entre 40 e 60 h (BRASIL, 2014a). Essas premissas podem ser observadas ao conhecer os objetivos e projetos do Portal do Professor (ver Vídeo 5).

    Vídeo 5 – Apresentação Portal do Professor / Fonte: MEC

    Já o Programa Um computador por aluno – Prouca foi criado em 2010 através da Lei n 12. 249 e visa à promoção da inclusão digital de professores e alunos das escolas públicas brasileiras mediante a utilização de computadores portáteis no ambiente escolar (BRASIL, 2014a).

    O PNE é um plano de ações educacionais aprovado em 2001 pelo presidente da República e sancionado na Lei nº 10.172/2001. Porém esse plano havia sido elaborado coletivamente em 1998 por educadores, profissionais da educação, estudantes, pais de alunos através de debates nos I e II Congressos Nacionais de Educação (CONEDS). O PNE definido pela sociedade ficou conhecido na forma de projeto de Lei nº 4.155/98, porém durante o mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso, esse plano foi aprovado e sancionado e se apresenta diferente do que a sociedade elaborou (VALENTE; ROMANO, 2002). O PNE está diretamente ligado à LDB, e nele pouco se vê sobre o uso das TIC, apenas uma menção à divulgação de dados de informação sobre a educação.

    Ainda de acordo com os documentos oficiais, as DCNM (BRASIL, 2013, p.167) dizem que as "tecnologias da informação e comunicação modificaram e continuam modificando o comportamento das pessoas e essas mudanças devem ser incorporadas e processadas pela escola para evitar uma nova forma de exclusão, a digital".

    A DCNM (BRASIL, 2013, p. 22) prevê em suas metas no Item II: "ampliação da visão política expressa por meio de habilidades inovadoras, fundamentadas na capacidade para aplicar técnicas e tecnologias orientadas pela ética e pela estética". Com isso ela determina que haja um consentimento político em relação ao uso das TIC e que esse seja voltado para os direitos e deveres dos cidadãos.

    As tecnologias da informação e comunicação constituem uma parte de um contínuo desenvolvimento de tecnologias, a começar pelo giz e os livros, todos podendo apoiar e enriquecer as aprendizagens. Como qualquer ferramenta, devem ser usadas e adaptadas para servir a fins educacionais e como tecnologia assistiva; desenvolvidas de forma a possibilitar que a interatividade virtual se desenvolva de modo mais intenso, inclusive na produção de linguagens. Assim, a infraestrutura tecnológica, como apoio pedagógico às atividades escolares, deve também garantir acesso dos estudantes à biblioteca, ao rádio, à televisão, à internet aberta às possibilidades da convergência digital. (BRASIL, 2013, p.25).

    No âmbito educacional, essas diretrizes especificam que o uso das TIC deve ser visto como auxilio pedagógico, se usada adequadamente. Uma vez que as mesmas podem servir de apoio e enriquecimento as aprendizagens. Esse documento prossegue dizendo que:

    O conhecimento científico e as novas tecnologias constituem-se, cada vez mais, condição para que a pessoa saiba se posicionar frente a processos e inovações que a afetam. Não se pode, pois, ignorar que se vive: o avanço do uso da energia nuclear; da nanotecnologia; a conquista da produção de alimentos geneticamente modificados; a clonagem biológica. Nesse contexto, tanto o docente quanto o estudante e o gestor requerem uma escola em que a cultura, a arte, a ciência e a tecnologia estejam presentes no cotidiano escolar, desde o início da Educação Básica (BRASIL, 2013, p.26).

    Com as mudanças e avanços tecnológicos, convém à escola permitir a conscientização dos alunos frente a esses assuntos. Uma vez que os mesmos devem estar cientes do mundo que os rodeiam. Ainda no que se refere às tarefas didáticas e paradidáticas, as diretrizes englobam o uso das TIC na educação a distância durante o ensino médio, assim como outras formas de modalidades.

    A modalidade Educação à Distância caracteriza-se pela mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem que ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. O credenciamento para a oferta de cursos e programas de Educação de Jovens e Adultos, de Educação Especial e de Educação Profissional e Tecnológica de nível médio, na modalidade a distância, compete aos sistemas estaduais de ensino, atendidas a regulamentação federal e as normas complementares desses sistemas. (BRASIL, 2013, p. 46).

    O uso das tecnologias na educação se apresenta no inciso IX e X quando as DCNM (BRASIL, 2013 p. 50) determinam "a utilização de novas mídias e tecnologias educacionais, como processo de dinamização dos ambientes de aprendizagem; a oferta de atividades de estudo com utilização de novas tecnologias de comunicação". De modo que, o aluno em seu ambiente escolar deverá ser capaz de "compreender, interpretar e aplicar a linguagem e os instrumentos produzidos ao longo da evolução tecnológica, econômica e organizativa" (BRASIL, 2013, p.79). Com isso percebe-se que as DCNM (BRASIL, 2013) visa a inclusão digital educacional, como pode ser visto em seu Art. 28.

    Art. 28 - A utilização qualificada das tecnologias e conteúdos das mídias como recurso aliado ao desenvolvimento do currículo contribui para o importante papel que tem a escola como ambiente de inclusão digital e de utilização crítica das tecnologias da informação e comunicação, requerendo o aporte dos sistemas de ensino no que se refere à: I – provisão de recursos midiáticos atualizados e em número suficiente para o atendimento aos alunos; II – adequada formação do professor e demais profissionais da escola. (BRASIL, 2013, p. 136).

    Em resumo, nas diretrizes, "A base nacional comum organiza-se, a partir de então, em três áreas de conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias" (BRASIL, 2013, p.154).

    A partir de todos esses apontamentos sobre a legislação educacional e o uso das tecnologias da informação e da comunicação entende-se que o desejo de uma educação de qualidade, com a formação de alunos críticos e conhecedores dos seus direitos e deveres aptos para enfrentar qualquer concorrência no mercado de trabalho; uma educação na qual não haja exclusão social, e que todos na sociedade possam ter acesso às mesmas informações e conhecimentos iguais aos países de primeiro mundo é a meta que todos desejam alcançar, ou seja, a sociedade em seu todo.

     

    4 Conclusão

    A partir de todos os pontos analisados nesta pesquisa, percebeu-se que a prioridade do governo é a qualidade da educação no território brasileiro. Essa percepção fora confirmada através das falas dos autores citados no corpus desse trabalho. Atualmente essa excelência educacional ainda não foi alcançada, porém se encaminha para isso, sobretudo em relação ao uso das tecnologias.

    A importância quanto ao uso tecnológico no ensino permite uma maior interação entre alunos e professores, entre aprendizado e ensino, uma vez que, as informações estão podendo ser veiculadas com mais rapidez. Desse modo torna-se relevante o uso das TIC desde que se aliem a uma perspectiva educacional engajada com a formação social, histórica e cultural do aluno.

    Das ferramentas tecnológicas que vem sendo usada nas escolas com essas finalidades mencionadas no parágrafo anterior, a principal é o computador. O seu uso veio para facilitar a divulgação dos conhecimentos, principalmente no meio escolar. Estima-se que até 2022 todas as escolas da rede pública estejam equipadas com essas máquinas. Espera-se que essa implantação permita aos professores a mudança nas suas metodologias, pois os alunos, atualmente, estão vivendo na era digital. De modo que para alcançá-los deve-se também se informatizar, ou melhor, se digitalizar.

     

    Referências

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    ________. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares da Educação. Parte I. Brasília: MEC, 2000.

    _________. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares da Educação. Parte II. Brasília: MEC, 2000.

    _________. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.

    _________. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. – Brasília: Secom, 2014.

    _________. MEC. Projeto Inclusão Digital. 2014a

    CETIC. br. Pesquisa TIC Domicílios 2013. 2013.

    FRANÇA, L.C.M. “Letramento digital e participação social: o discurso midiático da Microsoft”. In: JAMES, Wilton et al. (orgs) Letramento e Participação Social. Aracaju, SE: Editora Criação, 2014.

    IBGE. Projeção da população Brasileira em 2015. 2015.

    INEP. Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação. 2007.

    LÉVY, Pierre (1993). As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 2.ed. 2010.

    MARCUSCHI, Luiz Antônio. "Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital". In: MARCUSCHI, Luiz Antônio. XAVIER, Antônio Carlos (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. São Paulo: Editora Cortez, 2010.

    MORAN, José. O uso das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação na EAD - uma leitura crítica dos meios. Acessado em 11 de Jul. 2015.

    PRENSKY, Marc. Digital Natives, digital immigrants. Acessado em 11 de Jul. 2015.

    RAMOS, Sérgio. Tecnologias da Informação e Comunicação: Conceitos Básicos. 2008. Acessado em 11 de Jul. 2015.

    SAVIANI, Demerval. PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação: Análise crítica da política do MEC. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.

    VALENTE, Ivan; ROMANO, Roberto. "PNE: Plano Nacional de Educação ou Carta de Intenção?". In: Educação e Sociedade, v.23 n.80, Campinas, Sept. 2002. Acessado em 17 de Jul. 2015, 18:09:30.


    Sumário

    CURTINDO O CURTA SEMIOTICAMENTE

    Flávio Passos Santana (Mestrando/UFS /flavio_cdb@hotmail.com)

    Nicaelle Viturino dos Santos de Jesus (Mestranda/UFS / nicaelleviturino@yahoo.com.br)

    Resumo: Este trabalho traz considerações sobre a circulação dos discursos institucionalizados em nossa sociedade, tendo como foco o estado de consonância e dissonância dos principais personagens com a satisfação existencial, que, em muitos momentos, não se adequa às normas e valores sociais privilegiados. Nesse sentido, elegemos como corpus o curta-metragem intitulado Xandrilá, a partir do qual tecemos nossa análise tendo como aporte as considerações de Barros (2012), Fiorin (1992), Jakobson (2005), Bernardet (1985), Perelman e Tyteca (2005). A metodologia adotada apoia-se na semiótica greimasiana, detendo-nos ao percurso gerativo de sentido, mais especificamente ao nível fundamental, sendo, portanto, de cunho qualitativo, tendo em vista o objeto em análise.

    Palavras-Chave: Semiótica; Curta-metragem; Construção de Sentidos.

     

    1 Introdução

    Este trabalho trata-se de considerações acerca da consolidação da mídia, sob o suporte do cinema, especificamente o curta-metragem, como meio propício para a construção e/ou disseminação de determinados discursos que circulam na sociedade. Estes discursos, por sua vez, fazem parte de um contexto sócio, político e econômico hierarquizado em que os sujeitos são interpelados a corroborarem determinados saberes e constructos institucionalmente marcados, como por exemplo, o discurso da obediência, do comportamento adequado, da bondade, da punição e do medo, da família, da religião, etc. Sendo assim, consideramos que os sujeitos e a mídia, mais especificamente o cinema, colaboram para a manutenção de uma sociedade cada vez mais estática, que compartilha e dissemina discursos institucionalizados que primam pela manutenção de relações de poder disciplinarizadas.

    Destacamos que este trabalho versará sobre o curta-metragem intitulado "Xandrilá", que é uma produção intersemiótica por ser embasada no conto de mesmo título, publicado em 2010 por Isaac Dourado. Definimos como uma tradução intersemiótica baseando-nos no que diz Jakobson (2005), pois da passagem do conto para as telas ocorre uma transformação de um sistema de signos para outro, que seria, nesse caso, do verbal para o não verbal.

    Vale considerar que há um grande número de produções audiovisuais – especificamente os curtas-metragens – no estado de Sergipe, propagadas para a sociedade sergipana de maneira rotineira, em locais específicos como o Cine Vitória e o Curta-SE, que colaboram para a divulgação do audiovisual através da promoção anual do Festival Iberoamericano de Cinema de Sergipe. Sendo assim, pretendemos, neste trabalho, utilizar um curta-metragem local e analisarmos, por meio da semiótica greimasiana, especificamente o nível fundamental, como a narrativa vai se construindo e gerando efeitos de sentidos.

    Sendo assim, justificamos a relevância deste trabalho por se tratar de reflexões concernentes ao contexto sócio, político, histórico e cultural no qual estamos inseridos, observando a disposição da linguagem cinemática, bem como o uso do discurso: formulação de sentidos, controle e regulação deste na sociedade a partir da mídia cinematográfica.

     

    2 Xandrilá

  • Como já dissemos, utilizaremos como corpus para a nossa pesquisa o curta-metragem Xandrilá, que retrata a vida dos personagens Renata e Mr. Peper. Esse audiovisual data do ano 2010, foi produzido em Aracaju-SE, é baseado no conto homônimo de Isaac Dourado (Mr. Peper), teve como produção André Aragão e Isaac Dourado e o roteiro foi de Cibele Nogueira. Abaixo, vocês têm acesso ao trailer do curta para poderem ter uma ideia do que trata a narrativa.

    Vídeo 1 – Trailer / Fonte: ArthurPinto

    Renata, protagonista, é uma menina-adolescente que se enquadra fora dos padrões tidos como corretos pela sociedade (não respeita o professor, transa no banheiro da escola, fuma (maconha), bebe e é apaixonada por música) e, inicialmente, não se sente realizada (sempre mostra cenas refletindo e olhando para a cidade em cima de um prédio). Mr. Peper é um músico, que veio do interior e mora com uma tia, adora Rock, fuma (maconha), bebe e faz uso de entorpecentes. Durante a narrativa, esses personagens se encontram, se apaixonam e formam uma dupla musical. Porém, após um ano de parceria, Renata rompe a dupla musical e o namoro pelo fato de Mr. Peper sempre utilizar o dinheiro do cachê com drogas. A partir disso, um gigolô propõe a Renata um trabalho como garota de programa. Inicialmente, ela se curva, mas acaba aceitando e torna-se bem- sucedida. Enquanto isso, Mr. Peper continua nas drogas e acaba falecendo de overdose.

     

    3 O cinema e o curta-metragem

    Diante dos fatos até agora levantados, utilizamos Bernardet (1985) para dizer que este teórico fala que o cinema pode ser visto como a "reprodução da própria visão do homem". Nesse sentido, podemos fazer um adendo e mostrar a presença de um Outro naquilo que é perpassado na tela, ou seja, por mais que a visão a respeito do cinema tenha sido tomada como objetiva por ser uma reprodução mecânica, sabemos que, por trás dessa mecanização, há alguém, um sujeito que, por meio de sua perspectiva e de sua intenção, cria a cena de acordo com o seu objetivo, e tudo isso tendo em vista quem será seu auditório/espectador. Portanto, assim como no discurso oral ou escrito de outros gêneros, na reprodução fílmica existem também formas e estratégias persuasivas para que o público avalie como positivo aquilo a que assiste. Isso pode ser assimilado com o que Perelman e Tyteca falam a respeito da argumentação:

    Para que uma argumentação se desenvolva, é preciso, de fato, que aqueles a quem ela se destina lhe prestem alguma atenção... percebemos melhor a argumentação quando é desenvolvida por um orador que se dirige verbalmente a um determinado auditório .(PERELMAN; TYTECA, 2005, p. 20-21).

    Nesse caso, assim como nos discursos do dia a dia, o cinema é elaborado em função da forma como o espectador poderá avaliar o que é mostrado na tela. Esse pensamento afirma o poder que a argumentação tem sobre os homens, levando em consideração que vivemos a todo momento querendo levar o outro a aderir ao nosso discurso.

    Nos anos 1945 surgiu o "Cinema Novo", que vinha com uma renovação da temática, da linguagem, mostrando-se mais preocupados com assuntos sociais e também com uma manifestação particular em se tratando das relações com o público, os cineastas passam a trabalhar com personagens que retratem a vida dos camponeses, dos proletários; há ainda uma mudança em relação ao local de gravação: os estúdios passam a dividir lugar com a rua e com ambientes naturais; não se trabalha necessariamente com atores famosos; a linguagem fica menos rebuscada e se adapta ao cotidiano que retrata a vida dos personagens em cena.

    No Brasil, esse movimento é bem recebido por conta de os produtores brasileiros estarem à procura de produções mais baratas, e esse novo tipo de cinema traz em seu bojo essa possibilidade.

    Nessa mesma época da qual falávamos anteriormente, aparece um tipo de produção cinematográfica: o chamado Cinema Militante, conhecido como Curta-metragem. Esse tipo de produção era feito por cineastas que trabalhavam para determinados movimentos ou pelos próprios movimentos. Acerca disso, trazemos o ponto de vista de Bernardet:

    Os acontecimentos de maio de 1968 deram forte impulso a este cinema. Grande parte desta produção, na Itália, na Alemanha, nos Estados Unidos, está voltada para questões operárias (greves, ocupações de fábricas, auto gestão) e questões feministas (principalmente campanha a favor do aborto). Mas outros temas aparecem: reivindicações regionais (por exemplo, o movimento de autonomia da Bretanha, na França), grupos de velhos movimentos de libertação homossexual, movimentos ecológicos de moradores de um bairro, etc. Estes filmes são significativos não só pelos temas que abordam, mas principalmente pelo fato de tanto sua produção como sua exibição serem incorporadas às ações do movimento. (BERNARDET, 1985, p. 61-62).

    Aqui, podemos destacar a importância dos curtas-metragens no âmbito social: além de não serem necessariamente tratados como uma mercadoria, sua função principal era contar fatos sociais, problemas enfrentados pela sociedade, no intuito de gerar uma reflexão a respeito desses assuntos. Por isso, a adesão dos grupos e movimentos sociais foi tão relevante, porque se buscava com isso reivindicar, protestar, ou mostrar a realidade sem mascaramentos.

    Outro ponto para o qual chamamos a atenção é o fato de os curtas também não circularem expressivamente no mundo mercantilista, o que, a nosso ver, tem uma relevância basilar, uma vez que, dessa forma, eles fogem do controle das distribuidoras e da comercialização, ou, mais ainda, dos grandes produtores que acabam por massificar a imagem do produto, banalizando-o.

    Tendo em vista esses elementos a respeito do Cinema Militante (Curta-Metragem), o público tornar-se-á diferente do comportamento habitual, já que essas produções eram sempre reproduzidas por cineclubes e museus e acabaram ganhando espaço em casas de cultura, escolas, universidades e demais instituições cujo objetivo é, em grande parte, produzir e incentivar o conhecimento e a aprendizagem.

    O Curta-metragem, no Brasil, segundo Padovan (2001), teve uma contribuição significativa devido especialmente a alguns aspectos, a saber: o baixo custo em relação ao longa-metragem; além também de carregar "o caráter de escola", pois, em sua criação, os cineastas se deparavam com diversas dificuldades, em meio as quais iam aprendendo, aos poucos, as suas técnicas. Por conseguinte, muitos desses cineastas que começaram com os curtas passaram a confeccionar longas, por isso dizer que o filme curto possui esse caráter escolar, de iniciação, caráter este que possibilita um aprimoramento tanto do curta/do longa como também do profissional.

     

    4 Análise semiótica

    A título de conversa, pode-se dizer que a Semiótica greimasiana não trabalha apenas com a palavra e com a frase, mas com o texto e tomando este como sendo um construtor de sentido. Desse modo, a Semiótica tenta observar como esses sentidos foram construídos a partir de mecanismos e procedimentos utilizados e que são divididos no texto por meio de relações sócio-históricas. Dir-se-á ainda que esse texto de que falamos pode ser tanto linguístico (oral ou escrito), visual, olfativo e gestual quanto uma união de diferentes expressões denominada de sincretismo, a exemplo do cinema, dos quadrinhos e das canções.

    Levando em consideração os apontamentos levantados, podemos dizer então que, em linhas gerais, a Semiótica pretende elucidar os sentidos do texto. E, para tanto, faz-se necessário, segundo Barros (2012), analisar os seus mecanismos e procedimentos no plano do conteúdo, visto que este é arquitetado pelo percurso gerativo de sentido.

    Adentrando mais especificamente o percurso gerativo de sentido, por seu turno, pode-se notar que se desenvolve do nível mais simples e abstrato até o mais complexo e concreto; nesse percurso, são determinadas três etapas, as quais podem ser explicadas separadamente, mesmo o sentido do texto dependendo da relação entre os três níveis.

    Por conseguinte, os três níveis se dividem em: nível fundamental, que é o mais simples e abstrato e, nele, o sentido é apresentado como uma oposição semântica; nível narrativo, sendo que, neste, a narrativa é organizada a partir da visão de um determinado sujeito; e nível discursivo, o mais complexo e concreto, no qual a organização da narrativa construída no nível anterior vai se tornar discurso por meio dos procedimentos de actorialização, tematização, espacialização e figurativização, na medida em que, com isso, completa-se o aperfeiçoamento e se consolida a semântica. Como já dissemos, neste trabalho, apenas iremos nos prender ao primeiro nível do percurso gerativo de sentido, por conta de o suporte que estamos utilizando ser mais propício a análises mais curtas.

    4.1 Nível Fundamental

    De acordo com Fiorin (1992, p.20), a "semântica e a sintaxe do nível fundamental representam a instância inicial do percurso gerativo e procuram explicar os níveis mais abstratos da produção, do funcionamento e da interpretação do discurso". Ainda, como já foi dito, nesse nível, o sentido do texto se dá a partir de uma "oposição semântica", mediada pela existência de um elemento básico e comum aos termos contrários entre si, tendo, então, as seguintes possibilidades: quando há relações sensoriais do sujeito com os conteúdos – os termos contrários – tidos como atraentes ou eufóricos e repulsivos ou disfóricos; quando eles são negados ou afirmados por intervenções de uma sintaxe elementar; ou quando são concebidos e vistos através de um modelo lógico dessas relações alcunhado de quadrado semiótico. Este, segundo Fontanille (2012, p. 62) "apresenta-se como a reunião dos dois tipos de oposições binárias em só um sistema que administra, ao mesmo tempo, a presença simultânea de traços contrários e a presença e a ausência de cada um desses traços".

    Aplicando esses pressupostos ao contexto do curta Xandrilá, pode-se notar que a categoria semântica fundamental é estabelecida por meio do Estado de Totalidade Interior do sujeito Renata, por sua vez, representado pelos seguintes elementos opostos: a ausência versus a plenitude. Sendo assim, uma leitura para esse esquema seria que a ausência para Renata é tida como disfórica e a plenitude é representada como eufórica, portanto, a ausência é vista como repulsiva e a plenitude como atraente. Nesse contexto, as intervenções de afirmação bem como as de negação nos remetem ao trajeto abaixo:

  • Quadro 1- Categorias semânticas / Fonte: Próprio autor

    AFIRMAÇÃO NEGAÇÃO AFIRMAÇÃO
    Ausência Não Ausência Plenitude
    Disforia Não Disforia Euforia

     

  • Nesse sentido, temos a construção de uma historiazinha euforizante, isto é, ela parte da disforia à euforia num trajeto em que a personagem termina "bem" até o momento em que nos é mostrado o final da película. Vale ressaltar que esses termos não passam diretamente de um para o outro, mas se constituem por meio de intervenções de afirmação e negação. Com efeito, podemos sintetizar analiticamente o curta Xandrilá, a partir do nível fundamental, mediante o seguinte quadrado semiótico:

    Figura 1- Categorias semânticas / Fonte: Próprio autor

    Com base nesse esquema, podemos dizer que o sujeito Renata encontrava-se, inicialmente (Imagem 1), na ausência de um sentido existencial, sempre imaginando o porquê de seu destino e vivendo a vida sem rumo, sem planos para o futuro e sem se importar com nada; ao negar essa ausência (Seta 1 – Imagem 2), a partir do momento em que encontra Osvaldo e começa a traçar um novo destino para a vida dela, chega à plenitude, com Osvaldo, ou "Pepper" (Seta 2 – Imagem 3), mas, com o tempo, percebe que não quer viver um relacionamento em que seu parceiro viva consumindo drogas; logo, nega a plenitude (Seta 3 – Imagem 4), entrando no mundo da prostituição em busca de um sentido; e volta para a ausência (Seta 4 – Imagem 5), como ela começa a gostar do trabalho que tem, nega a ausência (Seta 1) para, finalmente, afirmar a plenitude novamente (Seta 5 – Imagem 6), tornando-se garota de programa, e se realizar (sexual e financeiramente), acreditando viver feliz num ambiente em que nunca achou que viveria, já que ela se surpreende, um tempo antes, ao se deparar com a amiga Camila (Imagem 7) saindo do carro e "fazendo ponto" na avenida, antes de ela mesma firmar o contrato com o "sócio".

    Imagem 1 – O vazio existencial de Renata / Fonte: Xandrilá

    Imagem 2 – Negação do vazio existencial e encontro com Osvaldo / Fonte: Xandrilá

    Imagem 3 – O alcance da plenitude de Renata / Fonte: Xandrilá

    Imagem 4 – Renata rompe com o estado de plenitude / Fonte: Xandrilá

    Imagem 5 – Renata se entrega à prostituição e se reencontra com o vazio existencial / Fonte: Xandrilá

    Imagem 6 –Afirma a plenitude ao viver como garota de programa/ Fonte: Xandrilá

    Imagem 7 – Renata vê a amiga Camila "fazendo ponto" / Fonte: Xandrilá

    Em suma, esse feixe de relações que sintetizam o percurso da protagonista dá conta da passagem de um estado a outro, quando, com o desenrolar do enredo no tempo e no espaço da narrativa, a ausência pouco a pouco é substituída pela sensação de plenitude do sujeito Renata, que passa a se voltar principalmente para o culto da luxúria e do materialismo, retirando daí a matéria que lhe traz uma aparente realização.

     

    5 Conclusões

    O que a análise do nível fundamental, que está inserida no percurso gerativo de sentido, nos mostrou foi que entre a ausência de sentido existencial existe como uma forma de promover a busca para mudar um estado de coisas que causa insatisfação e a sensação de incompletude diante do mundo. Por isso, a opção pelas drogas, ainda que isso represente uma autodestruição, parece ser uma solução que de certo modo ameniza por alguns instantes o vazio que Osvaldo – Pepper – sente. No caso de Renata, no início do curta, ela parece desesperada para encontrar algo que lhe permitisse sair da solidão. Então ela se refugia no sexo pelo sexo, feito na escola, além de ainda fumar maconha nessa tentativa de se preencher. Em seguida, com Pepper, ela consegue ultrapassar esse estágio de vazio existencial, de ausência, e experimenta, por um ano, a sensação de completude, o que ela consegue através da música, quando, em parceria com o citado músico, torna-se cantora. Ao romper com esse estado, por não aceitar que o parceiro continue se drogando, ela aceita a proposta de ser prostituta, o que, ao que parece, lhe confere não apenas prestígio entre os homens, mas dinheiro fácil e realização pessoal.

    No que concerne ao nosso corpus, pode-se dizer que a valorização de curtas, que já é rara no ambiente acadêmico do curso de Letras, torna-se ainda menos expressiva se levarmos em consideração os curtas sergipanos, pois é como se pouca gente ou quase ninguém tivesse o interesse de estudá-los. Nesse sentido, o nosso trabalho também lança essa possibilidade de investigação, na medida em que uma obra audiovisual é tão rica quanto uma obra literária ou um fenômeno linguístico, representando assim um interessante campo de pesquisa.

    Referências

    BARROS, Diana Luz Pessoa de. "Estudos do discurso". In: FIORIN, José Luiz (org.) Introdução à Linguística II: princípios de análise. 5ª ed., 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012. p. 187-219.

    BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Nova Cultural/ Brasiliense, 1985. (Coleção Primeiros Passos).

    FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 1992.

    _____, J. L. Em busca do sentido: estudos discursivos. São Paulo: Contexto, 2008.

    GREIMAS, Algirdas. Julius; COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. 2ª ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013.

    JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. 20 e.d. São Paulo: Cultrix, 2005.

    PADOVAN, Carlos José. Audácia e diversidade: curta-metragem e prêmio estímulo (1968-84). Dissertação como requisito parcial para título de Mestre em Multimeios. Instituto de Artes da UNICAMP. São Paulo: Campinas, 2001.

    PERELMAN, Chaim; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. [original de 1958].

    ROSSI, C.; KNAPP, W.; BERNARDET, J. O que é Jornalismo, Editora, Cinema. Coleção Primeiros Passos 3 em 1. Vol. 10. São Paulo: Círculo do Livro, 1993.

    XANDRILÁ. Direção de fotografia: Arthur Pinto. Produção: André Aragão, Isaac Dourado e Arthur Pinto. Colorização: André Franco. Efeitos Visuais: Samuel Bla. Engenheiro de Som: Jefferson Andrade. Roteiro adaptado: Cibele Nogueira e André Aragão. Baseado no conto homônimo de Isaac Dourado. Trilha sonora: Patrícia Polayne. Som 5.1 Estúdio Três. Gonara Filmes e SeteNove AudioVisual, 2011.


    Sumário

    INTERNETÊS: UM ESTUDO DE CASO

    Débora Reis Aguiar (Mestranda / UFS / debora.reis@hotmail.com)

    Gládisson Garcia Aragão Souza (Mestrando / UFS / gladissonsouza@gmail.com)

    Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o uso do internetês e se o uso das hashtags apresenta um novo padrão de escrita ou se seu uso se aproxima da norma culta, com base nos estudos de Freitag et al (2006) e Thurlow & Brown (2003). Os aspectos linguísticos presentes nas hashtags não representam uma variação linguística, nota-se o uso pouco frequente da máxima da brevidade e velocidade, a homofonia torna-se ausente uma vez que os indivíduos preferem o uso da norma culta, quando a última máxima da aproximação fonológica se apresenta pouco frequente no corpus analisado.

    Palavras-chave: Texto Digital; Internetês; Hashtags.

     

    1 Introdução

    Hodiernamente, observa-se o grande crescimento do uso das redes sociais. Os jovens são os maiores utilizadores deste ciberespaço, o utilizam como forma de interação rápida e veloz com os demais interactantes.

  • Nessa interação, faz-se necessário, pela própria agilidade, a utilização de uma linguagem mais simplificada, mais relacionada com a linguagem oral e informal, por se fazer uso de palavras abreviadas ou representadas por fonemas.

    Assim, a internet vem revolucionando a forma de se comunicar, e essa linguagem típica de internet "o internetês" que está sendo utilizada tem preocupado no que diz respeito a influência dela para inadequação do uso em ambientes diferenciados, por exemplo, na escola que se pede uma linguagem baseada na norma-padrão do português.

    Baseado neste contexto de contraste de linguagens, o objetivo deste artigo é observar o uso do internetês e analisá-lo pelo viés sociolinguístico de forma que evidencie: 1) se seu uso é considerado uma variação linguística; 2) Se o uso das hashtags está trazendo um novo padrão de escrita ou aproximando-se da norma-padrão? 3) A linguagem da internet é uma variação ou um padrão de língua?

    No vídeo a seguir há uma abordagem do que é o internetês, como os estudiosos percebem esse fenômeno e as discussões acerca de tal objeto de estudo.

    Vídeo 1 – Internetês / Fonte: GGTE UNICAMP

     

    2 Gênero Digital

     

    O gênero digital emerge com todo o aparato tecnológico e com a revolução nos meios de comunicação, ou seja, com o frequente uso do computador e principalmente da internet. Nesse novo contexto de interação e produção, as formas de linguagem também mudaram, consequentemente surgem novos parâmetros textuais e ressignificações dos gêneros textuais produzidos até então.

    Segundo Marcuschi (2008), "os gêneros são padrões comunicativos socialmente utilizados, que funcionam como uma espécie de modelo comunicativo global que representa um conhecimento social localizado em situações concretas" (MARCUSCHI, 2008, p. 190).

    Os gêneros têm uma forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma, isto é, as distinções entre um gênero e outro não são predominantemente linguísticas e sim funcionais. Nos vários tipos de entrevistas, por exemplo, a função determinará o gênero textual exato (MARCUSCHI, 2008, p.150).

    Com o advento da Internet, e com a nova cultura eletrônica, outros gêneros apareceram como transmutações de gêneros já existentes. Trazendo consigo um caráter de flexibilidade – sobretudo àqueles provenientes do uso das tecnologias nas relações de saber. Temos os chamados "gêneros digitais" ou "emergentes" (BRITO, 2013). Em seu texto Nascimento expõe alguns princípios universais que pode ser encontrado nesse novo tipo de texto.

    No gênero digital, temos novas ferramentas que auxiliam na busca de novos significados, no aprofundamento dos conteúdos. O texto sai do status de algo linear e estático para os denominados recursos multimodais.

    Dentre esses dispositivos multimodais está o hipertexto, considerado por Kensky (2003, p. 62 apud BRITO, 2013) "um caminho para a informação". Assim, o hipertexto é entendido como um texto disponível em espaço virtual que permite uma leitura não linear, em função de sua organização em blocos de conteúdo que se conectam por elos hipertextuais, também conhecido como links trazendo em seu bojo elementos verbais, imagéticos, sonoros.

    Para Lévy (1993) trata-se de "um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos".

    O hipertexto refere-se à escritura eletrônica não sequencial e não linear, que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de escolhas locais e sucessivas, em tempo real. Assim, o leitor tem condições de definir interativamente o fluxo de sua leitura a partir de assuntos tratados no texto sem se prender a uma sequência fixa ou a tópicos estabelecidos por um autor. Trata-se de uma forma de estruturação textual que faz do leitor simultaneamente coautor do texto final. O hipertexto se caracteriza, pois, como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multisequencial e indeterminado, realizado em um novo espaço de escrita. Assim, ao permitir vários níveis de tratamento de um tema, o hipertexto oferece a possibilidade de múltiplos graus de profundidade simultaneamente, já que não tem sequência definida, mas liga textos não necessariamente correlacionados. (MARCUSCHI, L. A., 2011).

     

    3 O internetês

    O internetês é uma linguagem mais informal e simples que surgiu no ambiente da internet a fim de facilitar a rápida comunicação nas redes sociais. Com a amplificação do uso dessas redes há uma apropriação maior do internetês por parte dos usuários e uma inadequação do uso dessa linguagem, ou seja, está sendo usadas em ambientes que requerem uma linguagem mais formal.

    O internetês é conhecido por abreviar palavras, pelo processo de redução de termos, pelo uso de "emoticons" para agilizar o processo comunicativo, pois vive-se a era da efemeridade.

    Surge um embate entre a linguagem escrita da norma padrão e o internetês, porque os jovens, principalmente, se apropriam da linguagem coloquial e em momentos que exigem a escrita da norma padrão não a utilizam, mantêm os vícios da internet.

    O escritor Michel Laub afirma que a internet tornou os textos mais naturais e coloquiais, embora não seja a única responsável por essas mudanças.

    O texto da internet é um texto em geral mais coloquial, menos "literário", no sentido de ser mediado por truques de estilo. A internet não inventou a coloquialidade, mas fez com que ela passasse a soar mais natural para muito mais gente e, estatisticamente ao menos, virou um certo padrão. (MURANO, 2011).

    Questionamentos imediatos que surgem são: 1. Se há variedades linguísticas na internet? Ou se a linguagem da internet é uma variedade linguística? Como o escritor anteriormente afirmou a linguagem da internet se tornou em um certo padrão, assim percebemos que não se trata nem de uma nem de outra, mas sim de uma minimização dialetais, por exemplo, já que o internetês se encaminha para um padrão.

    Na internet, percebemos que há regras para uma boa interação entre os membros das redes sociais. A netiqueta (do inglês "network" e "etiquette") estabelece recomendações para a comunicação virtual, assim como condutas na net. Na Imagem 1, temos algumas regras para o uso das redes sociais.

    Imagem 1 – Regras para o uso das redes sociais / Fonte: SafeNet

    No entanto, há uma nova tendência nesse ciberespaço, o uso das hashtags que já traz um novo padrão de escrita nesse espaço, as palavras comumente são escritas se aproximando mais da linguagem padrão da norma culta, por exemplo, #felizcomseucuidado. Percebemos que a palavra é escrita por completo, iniciada pelo símbolo "#" e mesmo sendo uma frase, as palavras são justapostas, essa é uma forma de compartilhar seu pensamento e adquirir maiores seguidores ou compartilhamentos.

    Com base no internetês e nessa nova tendência de uso de hashtags, discutiremos brevemente na nossa análise sobre as variações ocorridas no ciberespaço, e se realmente caminhamos para uma variação linguística ou para a afirmação/manutenção de um padrão linguístico.

     

    4 Particularidades da Escrita no Ambiente Virtual

    O processo interacional da produção discursiva em salas de bate-papo na Internet produz o uso de um código escrito e escolhas linguísticas da linguagem espontânea e informal oral cotidiana (COSTA, 2005, p.24). Dessa forma o texto escrito ganha características do texto falado, com traços da conversação em tempo real, trazendo em si marcas de naturalidade e informalidade. Sendo esse texto uma construção feita em conjunto, revelando o grau de aproximação e envolvimento entre os interlocutores envolvidos no diálogo.

    Para Costa (2012), a escrita desenvolvida nos ambientes virtuais revela em si características particulares, que violam as normas ortográficas do português padrão. Segundo a autora, tais infrações ocorrem devido a necessidade de agilidade e dinamismo na esfera virtual, os indivíduos produzem uma grafia que se afasta da escrita convencional, já que o elemento mais importante para os interlocutores é a interatividade. Othero (2004, p. 23) relata que devido à necessidade da agilidade na esfera virtual, a escrita virtual vem apresentando como característica o uso de frases curtas e expressivas, palavras abreviadas ou modificadas para que sejam escritas no menor tempo possível (ver Imagem 2).

    Imagem 2 – GRUMP / Fonte: Orlandeli

    Segundo Thurlow & Brown (2003), o uso da língua em ambientes virtuais apresenta três máximas que servem o princípio da socialidade, a saber: Brevidade e velocidade; Restituição paralinguística; Aproximação fonológica.

    A dupla máxima de brevidade e velocidade manifesta-se de forma frequente nas abreviaturas de itens lexicais e com o uso mínimo de capitalização bem como pontuação gramatical. A segunda máxima de restituição paralinguística procuram suprir a perda aparente de características prosódicas e sócio-emocionais, a terceira máxima da aproximação fonológica gera o registo informal adequado à orientação relacional de mensagens de texto. Segundo Freitag et al (2006), a máxima da aproximação fonológica representa a quebra das convenções ortográficas em favor da economia e agilidade na comunicação. Ainda segundo Thurlow & Brown (2003), a segunda e a terceira máxima aparecem para substituir a máxima velocidade brevidade, mas na maioria dos casos todos os princípios são servidos simultaneamente e igualmente (THURLOW & BROWN, 2003). O texto em ambientes virtuais apresenta ainda a característica do hipertexto. Para Marcuschi (2001), o hipertexto apresenta-se como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multisequencial e indeterminado, realizado em um novo espaço de escrita. Rompendo a estrutura convencional e as expectativas a ela associadas.

    [Bolter] descreve o hipertexto como um novo espaço de escrita, uma nova área que vai além do espaço da folha de papel e além do espaço do livro e, além disso, é uma realidade apenas virtual. É um espaço aberto, sem margens e sem fronteiras". (BOLTER, 1991 apud MARCUSCHI, 2001, p.82).

    Podemos observar um exemplo do internetês na Imagem 3.

    Imagem 3 – Exemplo do Internetês/ Fonte: Perlbal.hi

    Nesse diálogo, há um caso típico de internetês, pois para manter um diálogo rápido e adequar-se ao contexto do espaço onde estão alocados, os interlocutores fazem uso dos três princípios propostos por Thurlow & Brown (2003). No tópico a seguir, analisaremos alguns casos ocorridos no ciberespaço.

     

    5 Análises

    Nosso corpus é constituído por hashtags, as quais foram escolhidas aleatoriamente de uma rede social para a discussão dos padrões linguísticos empregados. Como critério de inclusão, os indivíduos deveriam usar no mínimo três hashtags, o corpus que apresentassem menos do estabelecido ou que apresentassem duas hashtags em outro idioma seriam eliminados.

    (1) #fortaleza #ferias #nordeste

    Em (1), percebe-se que o interactante utiliza-se de um conjunto de hashtags e se distancia do internetês normalmente utilizado, justamente por estar englobado nessa "nova" forma de comunicação deste ciberespaço. Assim, infringiria os princípios elaborados por Thurlow e Brown (2003), no caso de #ferias, a palavra vem sem acentuação, mas não quebra o entendimento ao seu interlocutor e as demais hashtags vieram sem iniciais maiúsculas. Logo, a tendência percebida é que há uma maior aproximação da norma culta do que ao internetês, evidentemente não deixa de ser uma linguagem típica deste espaço, porém como acreditam (FREITAG; FONSECA E SILVA, 2006):

    [...] o uso da língua em ambientes de comunicação virtuais está indo em direção ao surgimento de um subconjunto da norma padrão – uma espécie de sub-norma – condicionada pelas pressões do meio. Cabe salientar que não se trata de mais uma variedade, mas sim de uma sub-norma, um subconjunto da norma, pois não podemos fazer a associação entre variedade e região. A sub-norma da Internet não tem pátria; não apresenta características dialetais, apenas um sub-conjunto do 'núcleo-duro' da norma padrão. (FREITAG; FONSECA E SILVA, 2006, p.02).

    Fica evidente que a linguagem utilizada nas redes sociais não caminha para uma variação linguística, uma vez que se mantém um padrão comunicacional em todo o Brasil, o que se leva a perceber que se encaminham realmente para um padrão linguístico, seja o internetês, seja as hashtags com uma maior aproximação da língua culta.

    (2) #FOCO #alunos #Simulado

    Em (2), a primeira hashtag já foge da regra estabelecida pelo internetês, a netiqueta, onde parece que o locutor está gritando, nesse caso leva a crer que é uma forma de chamar a atenção para seu post, ainda é demarcada a escrita correta das palavras, ou seja, de acordo com a norma culta.

    (3)#cognição #emoção #infância #dificuldadesdeaprendizagem

    Em (3), temos um conjunto de quatro hashtags, sendo as três primeiras compostas por apenas uma palavra cada, todas grafadas corretamente e a última hashtag é formada por uma frase, sem nenhum erro ortográfico ou acompanhando o internetês, linguagem simples e rápida da internet; e pelo padrão das hashtags, todas as palavras escritas juntas e de fácil compreensão para o leitor.

    No uso das hashtags, observa-se que a máxima da brevidade e velocidade é pouco presente, uma vez que os indivíduos evitam o uso das abreviações preferindo escrever a palavra por inteiro, sem a preocupação com a economia de espaço e de perder mais tempo digitando toda a palavra.

    O uso de letras maiúsculas não segue o código proposto por Thurlow & Brown (2003), de que o uso de letras maiúsculas significa que o internauta está gritando, quando ocorre o uso de letra maiúsculas nas hashtags significa apenas que o indivíduo inseriu outra palavra, porém percebe-se que os sinais de pontuações seguem a tendência que o autor propôs, sendo esses praticamente abolidos, tidos como desnecessários.

    Quanto ao uso da segunda máxima, relacionada às intuições linguísticas, nota-se que não ocorre o uso da homofonia, pois o uso da palavra aproxima-se à norma culta, sem a preocupação com a economia de caracteres, contudo, ocorre o uso de palavras/textos sem espaço, com o intuito de que o conteúdo do seu post seja acessível a todas as pessoas com interesses semelhantes. Entretanto, o uso de hashtags em excesso ou muito longas acaba deixando o post confuso.

    O uso da última máxima, denominada de aproximação fonológica, é pouco frequente, mostrando que o indivíduo preocupa-se com o receptor de sua mensagem, tornando essa acessível a todos que compartilhe o seu interesse.

     

    6 Considerações Finais

    Com o advento das tecnologias e da internet houve uma crescente transformação na linguagem e em suas formas de uso. O internetês, uma linguagem típica da internet, é utilizada pelos usuários das redes sociais que consiste na ideia de rapidez e brevidade, a qual entra em divergência com a norma padrão da Língua Portuguesa e abre algumas discussões sobre o uso e adequação das linguagens nos ambientes apropriados.

    Esse embate linguístico, como vimos traz alguns questionamentos sobre essa nova forma de escrita, "se encaminha para um padrão ou uma variação linguística?". De acordo com as abordagens deste artigo, percebemos que tanto o internetês quanto o uso das hashtags estão mais voltados para uma manutenção de um padrão linguístico, evidentemente com suas peculiaridades. No caso do Internetês é um padrão no que se refere de ter uma linguagem comum a todos os usuários das redes sociais brasileiras, como há de ter em outras línguas; já o uso das hashtags favorece a manutenção do padrão linguístico proposto pela norma culta brasileira.

    Ainda a respeito do grande conflito entre as duas linguagens abordadas: a norma-padrão e o internetês, o professor Dr. José Luiz Fiorin, linguista, faz contribuições acerca do assunto no vídeo a seguir:

    Vídeo 2 – Internetês / Fonte: FIORIN

    A fala dos professores no vídeo, corroboram para o que também chamamos a atenção neste trabalho: a adequação do uso destas linguagens nos contextos socioculturais nos quais se encontram os usuários da internet. A escola tem um papel fundamental nesse processo, tanto de trabalhar as tecnologias como de orientar os alunos para o uso correto e para a diversidade linguística do português.

    Referências

    BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. M. E. G. Pereira, São Paulo: Martins Fontes, p, 181-360. 1997.

    BRITO, F. F. V.; SAMPAIO, M. L. P. "Gênero digital: a multimodalidade ressignificando o ler/escrever". In: Signo (UNISC. Online), v. 38, nº 64, p. 293-309, 2013.

    COSTA, G. B. "A escrita no ambiente digital e suas implicações para o ensino de Língua Portuguesa". In: Revista Philologus, v. 53, p. 7, 2012.

    COSTA, S. R. "Oralidade, escrita e novos gêneros (hiper)textuais na Internet". In: FREITAS, M. T. A.. COSTA, S. R.. Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

    FREITAG, R. M. K. ; SILVA, M. F. "Uma análise sociolinguística da língua utilizada na Internet: implicações para o ensino da Língua Portuguesa". In: Revista Intercâmbio, volume XV. São Paulo: LAEL/ PUC-SP, ISNN 1806-275X, 2006.

    MARCUSCHI, L. A. "O hipertexto como novo espaço de escrita em sala de aula". In: Linguagem e Ensino, vol. 4, nº 1, 2001, p. 9-111.

    _________________. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

    THURLOW, C.; BROWN, A.. "Generation Txt? The sociolinguistics of young people's text-messaging". In: Discourse Analysis Online, 1.1. 2003.

    MURANO, Edgard. O texto na era digital. 2011.


    Sumário

    RELAÇÕES DE PODER NA MÍDIA: AS PIADAS COMO FERRAMENTA DE COMUNICAÇÃO E INTERATIVIDADE

    Sanadia Gama dos Santos (Mestranda / UFS / sanadiasantos@yahoo.com.br)

  • Fabiana Alves do Nascimento (Mestranda / UFS / bianascimento03@gmail.com)

    Resumo: Este artigo pretende analisar as piadas como gênero presente nas redes sociais, em especial o Facebook como instrumento discursivo de comunicação e de poder, pois tem uma intenção do emissor. Assim, as piadas constituem ideologias estigmatizadas pela sociedade e compartilhadas rapidamente pela mídia, o que dá acesso aos que leem de participarem curtindo e compartilhando suas informações a depender de suas intenções sociocomunicativas. Como corpus da pesquisa serão utilizadas as piadas postadas no Facebook, numa abordagem qualitativa, ancorados aos referenciais de Marcuschi (2001), Ramos (2010), Possenti (2003) e Foucault (2003, 2008). Dessa maneira percebemos que esses recursos comunicativos contribuem para a formação de ideologias e de opiniões, podendo ou não fortalecer ou reproduzir comportamentos variados na sociedade.

    Palavras-chave: Gêneros digitais; Piadas; Facebook.

     

    1 Introdução

    Nesse artigo trataremos do gênero piada dentro das redes sociais, em especial o Facebook, como instrumento de poder e de comunicação nas suas mais variadas facetas discursivas. Entendemos os formatos como as possibilidades de organização das mensagens e da geração de discursos a partir dos textos digitais. Esses textos são as possibilidades de escrita digital, por meio de elementos de humor que levam a reproduzir um discurso de intenção ao receptor que lê as mensagens e automaticamente entram no universo do espaço digital e interage de mais variadas formas.

    Nas sociedades atuais, com o avanço tecnológico, o domínio da leitura e da escrita possui privilégio, uma vez que possibilita plena participação social. Comunicamo-nos linguisticamente através de textos, que podem ser manifestados na modalidade escrita ou oral. Desse modo, interagimos por meio de textos que assumem variadas formas, de acordo com as situações comunicativas (KOCH, 2006,2009). Considerando nosso conhecimento cotidiano sobre os textos, nós selecionamos as formas textuais adequadas de acordo com alguns elementos das interações, tais como, interlocutor e situação de interação.

    Com a crescente expansão da tecnologia na sociedade, as questões de linguagem funcionam como importante ferramenta na internet são diversos tipos de gêneros, de mensagens e alternativas eficazes e rápidas para o acesso a comunicação.

    A internet, a mídia e a tecnologia contribuem de forma efetiva neste mundo digital das comunicações, isto porque a linguagem é dinâmica e vai se moldando a cada momento da história. Conforme Marcuschi (2001), essas novas formas textuais afetaram o modo como escrevemos, proporcionando a distribuição da inteligência e cognição, diminuindo a fronteira entre leitor e escritor, tornando-os parte do mesmo processo e, fazendo com que a escrita seja uma tarefa menos individual para se tornar uma atividade mais coletiva e colaborativa.

    Diante dessa afirmativa, vemos que, dentre os gêneros digitais presentes na atualidade, as redes sociais se sobressaem, pois intermediam de forma rápida a interação e contribuem para estabelecer diálogo entre o leitor e o próprio instrumento tecnológico. No entanto, essa rapidez no processo de interagir, repercute um apagamento no efeito de ideologia, que por sua vez, apesar de não explícita, está presente. Para Gregolin (2007) a mídia faz propagarem esses discursos e consequentemente esses modelos de dominação, ela aproxima universos de toda espécie e com a circulação e repetição constantes o leitor sente-se obrigado a concordar com aquilo que é dito. Nesse sentido, podemos notar a importância das redes sociais na propagação de tais discursos. Sendo o Facebook uma rede de transmissão e circulação de discursos e de fácil acesso, a rapidez e a interatividade vão favorecer, ainda mais, a transmissão de várias ideologias institucionalmente marcadas.

    Imagem 1 – Humorístico do Facebook - FélixBichaMá / Fonte: FelixBichaMa

    Nessa perspectiva, as piadas publicadas no Facebook e ali curtidas e compartilhadas repetidas vezes, circulam e transmitem ideologias através do entretenimento, pois elas são perpassadas como se houvesse uma libertação ou uma negação de interdição, como se fossem protegidas pelo tom de brincadeira, característico desse gênero. Mas, mesmo protegidas pelo humor, as piadas não são transparentes ou ingênuas. Elas são um instrumento de transmissão de ideologia socialmente imposta. Segundo Orlandi (2007) a ideologia consiste na relação imaginária do homem com a sua realidade, não é ocultação da realidade. Para essa linguista, a ideologia produz a evidência de sentidos dominantes, como se o sentido fosse um só. A ideologia é responsável pela ilusão de transparência e está contida no processo de produção de sentido, apesar de apagá-lo. Assim, através das piadas, é possível perceber discursos construídos e cristalizados no seio da sociedade, muitas vezes estigmatizados por essa mesma sociedade.

    Como bem afirma Pinheiro (2002):

    É interessante observar que os gêneros representam um dado momento da história, pois o gênero de hoje não é necessariamente o mesmo de antes, ele já passou pela incidência do espaço e do tempo em que, de certa forma, determinam as transformações de nossa cultura e sociedade.(PINHEIRO, 2002, P. 271).

    Como bem sabemos, a piada é um texto ambíguo, que se constrói por meio de palavras e frases, é um texto verbal com características específicas centradas na oposição, na tese e antítese. Dessa forma, é bom salientar mais a questão da linguagem e do sujeito, pois na concepção da análise do discurso, a linguagem não é transparente e seus sentidos dependerão da formação discursiva de quem dela faz uso.

    Nessa perspectiva, não podemos considerar que o sentido da palavra já é dado; ao contrário disso, ele é construído sócio-historicamente, por sujeitos sociais e históricos. E nem podemos considerar que as piadas são livres, pois "não temos o direito de dizer tudo, que não pode falar de tudo em qualquer circunstância" (FOUCAULT, 2003, p.9). As piadas são também controladas, selecionadas e redistribuídas, como qualquer discurso. Nesse contexto, as piadas mesmo sendo disfarçada pelo tom de brincadeira, há momentos, tempo, lugar, para se contar uma piada, e certas opiniões se tornam completamente inadequadas (POSSENTI, 2003).

    Assim, objetivamos, a partir das análises das piadas selecionadas para esse estudo, mostrar os lugares e posições nas quais os sujeitos se constituem, tentando compreender os pré-construídos contidos nas piadas que interpelamos, chegando a uma visão crítica de tais discursos que impregnam o pensamento dos indivíduos afetados pelo discurso em circulação. Dessa forma, a partir da análise, observaremos os discursos institucionalmente marcados, que são divulgados pela mídia, e que interferem na construção da imagem do leitor/ interlocutor.

    Nessa direção, é importante ainda trazer o ponto de vista da Análise do Discurso em relação à linguagem. Como bem argumenta Orlandi (2002, p.15) "[...] a análise do discurso concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural". Procuramos, então, a partir dessa afirmação, interpretar e evidenciar a relação entre o gênero analisado, o sentido produzido a partir do meio em que ele foi construído, ressaltando a ideologia implícita nesses discursos.

     

    2 Fundamentação Teórica

    Iniciaremos a fundamentação teórica explicitando sobre o que é hipertexto e por que ele é um instrumento de comunicação, pois estamos utilizando o Facebook, que possui o hipertexto como sua base da comunicação. Em seguida, trataremos sobre as piadas e como são controladas e manipuladas pelo discurso dito verdadeiro.

    2.1 O hipertexto como instrumento de comunicação na sociedade

    De acordo com Ramos (2010), assim como o Facebook, o blog e outros meios de interlocução e comunicação estão na rede, então é preciso a conexão para entrar em contato com as semioses resultantes; o hipertexto é sua base fundante; muitos deles são compostos por imagens e som, ou ambos, caracterizando-os como multimídia e pela possibilidade hipertextual, a hipermídia. Por fim, pode se interagir com vários destes textos a partir de diversos tipos de formatos.

    Sendo assim, o surgimento da internet possibilitou uma maior interação entre as pessoas. Por meio dos diversos recursos, tais como redes sociais representados pelo Facebook, entre outros, oportunizam a troca de experiências, assim o contato é feito de forma dinâmica e nele estão contidos diversos gêneros que comunicam no tempo e no espaço com o interlocutor, de modo a atender as reais necessidades entre os interlocutores.

    Assim, surge o hipertexto como uma nova forma de escrita e de comunicação na sociedade informático-mediática, é também uma espécie de metáfora que vale para as outras dimensões da realidade. A internalização da estrutura do hipertexto como mediação para a produção de conhecimento implica novas formas de ler, escrever, pensar e aprender. Como afirmam Landow e Delany (1991), a hipertextualidade não é um mero produto da tecnologia, e sim um modelo relacionado com as formas de produzir e de organizar o conhecimento, substituindo sistemas conceituais fundados nas ideias de margem, hierarquia, linearidade, por outros de multilinearidade, nós, links e redes.

    Com isso vemos a importância dos vários textos que o hipertexto em sua função tem, podemos perceber nas redes sociais essa capacidade de interpretação que os textos presentes em redes como o Facebook possuem como fator de poder em relação ao seu interlocutor que busca informações para dar acréscimo ou fomentar suas ideologias a ponto de compartilhar com outros usuários as informações presentes, tomando como base e fundamento o momento e a conjuntura atual em que se encontra o país ou de determinada comunidade.

    2.2 As piadas e os mecanismos de controle

    Não sabemos exatamente onde ocorreu o nascimento das piadas, a sua origem é atribuída a Grécia antiga. Perpassadas no templo de Herácles, as piadas (ou anedotas) começaram a ser utilizadas pelos gregos como uma forma de descontração, libertação dos problemas vividos no dia a dia. Dessa forma, as piadas passaram da oralidade para publicação em livros, mas ainda se relacionavam com os problemas da época, bem como as repugnâncias presentes na sociedade, anomalias físicas, por exemplo. E, apesar de a igreja não concordar com essa forma de humor, a sua prática adquiriu força e conseguiu romper a proibição da Igreja Católica na Idade Média. A partir desse contexto histórico acerca do gênero piada, é importante levar em conta o tempo, o espaço de seu surgimento, a fim de refletirmos sobre o fato de que as piadas sofreram modificações desde seu surgimento. "As piadas de hoje não são necessariamente as de ontem", ou seja, com o avanço da tecnologia as piadas ganharam formas diferenciadas, sendo subdivididas em várias categorias, duas delas sendo abordadas neste trabalho, as tiras e os memes.

    Vídeo 1 – Frases do FélixBichaMá / Fonte: Helder G.

    É importante salientar que as tiras são menos comuns nas redes sociais, mas existem vários sites destinados aos cartoons. E os memes, mesmo sendo exibidos em cartazes, outdoors, eles são vistos comumente nas redes sociais, especialmente no Facebook.

    No entanto, como já foi dito anteriormente, não é por se tratar de uma piada que se pode falar tudo. É nesse contexto de dominação que concordamos com Foucault (2003) piadas são controladas, selecionadas, organizadas e redistribuídas. Os discursos proferidos têm uma ligação com o desejo de poder, isto é, eles são objetos de desejo. Eis a citação de Foucault (2003, p.10): "o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas e os sistemas de dominação, mas pelo o que se luta, o poder do qual nós queremos nos apoderar". Essa dominação é mantida por certos procedimentos de controle que podem ser internos e externos. Explanaremos, aqui, um desses procedimentos: a interdição. É o procedimento mais familiar, revela o tabu do objeto, não se tem o direito de dizer tudo. Além desse aspecto, o autor considera o direito privilegiado do sujeito que fala; o ritual da circunstância, não se pode falar em qualquer lugar, de qualquer coisa. Tendo tempo e lugar para se contar uma piada.

    Esse controle torna o corpo um processo de sujeição constante, impondo uma relação de docilidade-utilidade. Sendo que o Facebook contribui com esse controle, pois torna-se um ótimo aparelho de vigilância, panóptico de Bentham uma maneira, através do controle do tempo, de manipular, modelar e controlar tais corpos os transformando, segundo Foucault (2008) em corpos dóceis.

     

    3 Análises

    Imagem 2 – Armandinho 1 / Fonte: Alexandre Beck

    É dessa maneira que os gêneros assim como especificamente o gênero piada se manifesta de variadas formas, uma tirinha como esta encontrada na página do Facebook, deparamo-nos com uma imagem comunicativa essencialmente visual em que seus sentidos não se limitam a comunicar e a informar. Participam de uma dinâmica de mudanças e transcendência. Isso porque interpretam os sentidos do imagético, um pensamento a ser construído uma vez que estes não se limitam à fixidez de uma imagem.

    Vemos nessa tirinha uma cena comum, do cotidiano, filho e pai plantando um abacateiro, um processo educativo comum, no entanto, na era moderna, com alta tecnologia, esse gesto foi ficando para trás, pois o mundo é extremamente competitivo, não dando espaços para esses pequenos gestos entre pai e filho. Hoje as crianças são criadas por babás e passando muito mais tempo na frente de uma televisão assistindo desenhos ou jogando vídeo game. Uma grande parte das crianças não se diverte mais com brincadeiras de roda, a modernidade trouxe uma superdependência, ou seja, as crianças são tratadas como adultos. À luz das teorias de Foucault (2008) notamos que com o desenvolvimento da mídia, os indivíduos passaram a correr mais, pois tudo é rápido, ágil, e que perde tempo, perde dinheiro. Um bom controle do corpo se faz através de um bom controle do tempo. E isso é perpassado até para as crianças. No quadrinho, a criança pergunta a que horas dará fruto, já que ele tem uma ideia de rapidez do tempo. Nesse sentindo, podemos inferir que o controle do tempo interfere no controle do corpo. Somos modelados para pensarmos que essa falta de tempo, essa agilidade fosse comum, naturalizado, que nem percebemos o controle que sofremos.

    Vídeo 2 – Bode Gaiato - Dia das Mães Especial / Fonte: Anaximandro

    A partir do Vídeo 2, também podemos inferir que essa crítica à modernidade é muito sutil, pois através da graça, que leva ao riso, a inocência, ingenuidade da criança, está uma crítica à rapidez do tempo e ao controle que causa uma dominação, isto é, uma subordinação dos sujeitos.

    Este vídeo do Youtube que fala do especial do dia das mães de forma animada, com linguagens coloquiais de forma divertida do bode gaiato personificando as relações sociais existentes na família e de forma divertida nos remete a realidade em processo de educação dos filhos, de forma engraçada e divertida. É o que diz Marcuschi (2001) considerando, pois, que a linearidade linguística sempre constitui um princípio básico da teorização da língua, seja na ordem fonológica, sintagmática, oracional ou textual, não importando a modalidade de uso, oral ou escrita, nem o sistema de representação escrita (alfabético, cuneiforme, ideográfico etc.), o hipertexto não rompe de forma radical esse padrão. Ele rompe a ordem de construção ao propiciar um conjunto de possibilidades de constituição textual plurilinearizada, condicionada por interesses e conhecimentos do leitor-co-produtor.

    Imagem 3 – Armandinho 2 / Fonte: Alexandre Beck

    Esse é mais um exemplo sobre o poder que a mídia impõe sobre os sujeitos, tornando-os assujeitados. Podemos citar o caso das novelas que passam na televisão, ditam modas, estilos de vida e modos de pensar das pessoas. É habitual vermos as pessoas vestindo-se conforme certo personagem de novela, ou falar conforme alguns "bordões" dos personagens. Outro ponto, evidenciado na tira é as pessoas acreditarem que a vida está sendo imitada nas novelas, não enxergando mais como ficção e sim como vida real. Também nota-se, novamente, a crítica sobre o tempo, pois a vida é rápida, mas as pessoas passam horas em frente à televisão ou ao computador, nas redes sociais, discutindo problemas, muitas vezes, alheios a sua vida, e perde a oportunidade de conversar com os filhos, pois não há tempo para reflexão.

    Nesse sentindo, nota-se a presença do bom controle dos corpos e mentes, transformando-os em corpos dóceis. Eliminando o contato coletivo, sendo mais individualistas. No entanto, não significa que estão longe da vigilância. As redes sociais, com compartilhamento, curtir, comentar, publicar fotos e pequenos textos sobre o que faz ou pensa, torna-se um poder de vigilância e poder bem maior do que as relações ou conversas face a face.

    Imagem 4 – FélixBichaMá / Fonte: FelixBichaMa

    A busca pela felicidade e liberdade reduziu-se a um mero wi-fi e notebook. As redes sociais perpassam uma ilusão de liberdade, de controle de si, que o indivíduo tem a mera ilusão de que é feliz. Assim, as piadas com a sua característica de distração, humor, divertimento, faz de conta, perpassa ideologias que estão estigmatizadas, como nesse meme acima, perpassando, de maneira natural, que a internet fosse a felicidade com a primeira frase "nada melhor", ou seja, não existe nada melhor que a internet. Sendo que, está sendo reproduzido um discurso dito verdadeiro já estigmatizado na sociedade, que o avanço tecnológico é um bem e que não existe nada melhor do que ele.

     

    4 Considerações Finais

    Diante do exposto percebemos que os gêneros estão em constante presença nas redes sociais, no caso do Facebook, são diversas modalidades e nesse caso, em se tratando das piadas, vemos que elas têm a capacidade de se remodelar em outros espaços a exemplo dos vídeos, dos anúncios publicitários, tirinhas, dentre outros, além disso, propõe uma linguagem irônica, engraçada e que requer um tipo de comunicação com intencionalidade ao leitor, que visa dizer algo, dar o seu recado e apresentar um conteúdo que, em alguns casos, leva o indivíduo leitor a reproduzir tais discursos. Determinadas posições em relação a mensagem proposta pelo gênero muitas vezes pertence a um campo ideológico daquele que constrói a piada e da pessoa que a recebe.

    Esse mundo de significações apresentadas pelas piadas trazidas nesse artigo são apenas alguns exemplos. Sabemos que com a revolução da tecnologia existem diversas formas de escrita digital de conteúdos os mais infindos espalhados em vários espaços da internet. É importante que o indivíduo numa cultura letrada e digital que os tempos atuais apontam, leve essas informações como elemento educativo, que estimule senso crítico e esteja conectado e por dentro dos mais diversos temas que a sociedade apresenta, pois as relações de poder que essas informações nos transmitem podem causar certo comodismo, levando o indivíduo a concordar e a não refletir sobre a informação proposta. Na escola eis a ferramenta metodológica para construir uma cultura cidadã, crítica e ativa com o mundo digital e milhares de informações por ela criadas.

    Referências

    FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 15ª Edição. Trad. de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 2003.

    FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder; Organização e tradução de Roberto Machado- Rio de Janeiro: Edições Gral, 1979.

    FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir; história da violência nas prisões. 16ª edição. Tradução Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2008.

    GREGOLIN, Rosário. Discurso e Mídia: a cultura do espetáculo. São Carlos: editora Claraluz, 2004.

    KOCH, I; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

    MARCUSCHI, Luiz Antonio (2001). Da Fala para a Escrita: Atividades de Retextualização. São Paulo: Editora Cortez.

    ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. 4ª edição. Campinas, São Paulo, 2002.

    ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. - 6ª ed. – Campinas. SP: Editora da UNICAMP, 2007.

    POSSENTI, Sírio. Limites do Humor. Língua e Literatura, limites e fronteiras. Letras nº 26, UFSM, 2003.


    Sumário

    O "CORPO IDEAL" NAS CAPAS DA REVISTA BOA FORMA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA

    Grace Cristina Milet Castro da Paixão (Mestranda / UFS / gracemilet@gmail.com)

    Resumo: No presente artigo, objetivamos investigar o discurso das capas da revista Boa Forma diante da luta íntima contra o excesso de peso, na busca de um corpo magro tido como ideal, e quais sentidos são construídos no discurso apresentado sobre a obesidade através do não dito. Pretendemos mostrar que o discurso dessas capas procura delinear o sujeito perante o assujeitamento desse leitor às suas ideologias inconscientes. Para tal, selecionamos como corpos três capas da revista Boa Forma. Nosso artigo está embasado no campo teórico metodológico da Análise do Discurso francesa, onde o discurso é entendido como estrutura e acontecimento, tendo uma dimensão linguística e sócio-histórica.

    Palavras-Chave: Capas de Revista; Corpo; Análise do Discurso.

  •  

  • 1 Introdução

    A língua é uma faculdade contribuinte para a ideia de identidade, é um veículo que possibilita as interações humanas, reflete objetivos comunicacionais de identidade cultural e de pensamentos ideológicos. De acordo com Bakhtin (2003), toda atividade humana está sempre relacionada com o uso da língua, por mais diversificada que seja. Portanto, "não é de se surpreender que o caráter e o modo dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana, o que não contradiz a unidade nacional de uma língua" (BAKHTIN, 2003, p. 261). Nesse contexto, a identidade nacional se reveste de maneira sucessivamente diferenciada, trazendo o fato de que a língua não serve apenas como mero instrumento de comunicação, daí temos a possibilidade de investigar as várias identidades apresentadas em uma única língua. Dessa forma, através da análise do discurso, podemos estudar a linguagem de diversas maneiras. E sobre isso, o professor Damião Boucher comenta:

    Vídeo 1 – Análise de Discurso: Linguagem em questão / Fonte: Damião F Boucher

    Nesse campo teórico, com um único enunciado, disseminado pela mídia na sociedade temos a possibilidade de percorrer a história e conhecer outros dizeres através das relações discursivas, produzindo saberes capazes de fazer refletir e inquietar, já que as palavras são imbuídas de aspectos ideológicos materializados pela linguagem. Assim buscaremos compreender a formação e a transformação das práticas discursivas relacionadas ao corpo. Tais práticas podem ser verbais ou não verbais. Porém, não é exclusivamente pela imagem do texto, objeto material, que há uma produção de sentido. Muitos outros sentidos são produzidos a partir do que está implícito:

    Uma expressão não tem um sentido que lhe seja 'próprio', vinculado à sua literalidade. Ao contrário, seu sentido se constitui em cada formação discursiva, nas relações que tais palavras, expressões ou proposições mantêm com outras palavras, expressões ou proposições da mesma formação discursiva. (PÊCHEUX, 1997, p. 161).

    Atualmente há um emprego político dos corpos nos anúncios publicitários como: "emagreça 5 quilos em duas semanas" ou "enxugue 3 quilos em quinze dias". Nesse contexto, o indivíduo é controlado sem perceber e tenta obter transformações em seu corpo fazendo dietas, consumindo produtos light e/ou diet ou fazendo plásticas para entrar na ordem do discurso midiático: "tem que ser magro para ser aceito socialmente". Sobre esse discurso de controle, segundo Foucault (2008, pg. 147): "encontramos um novo investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação: 'fique nu…mas seja magro, bonito e bronzeado!'". Nessa perspectiva, existe um dialogismo com o que Orlandi (2002) diz sobre o interdiscurso que é: "o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra". Portanto, todos os sentidos nessa ordem discursiva que já foram ditos por alguém, em algum momento, mesmo que muito distantes, têm efeito sobre o que se diz atualmente nos anúncios publicitários.

    Analisar o discurso sobre o corpo com o arcabouço da análise do discurso é lançar nosso olhar sobre maiores horizontes, reconhecendo que o discurso é atravessado por suas condições sócio-históricas de produção gerando historicidade constitutiva. Com a análise das capas da revista Boa Forma tentaremos observar de que maneira colaboram no processo de popularização da ciência em relação ao corpo, concebendo-o como máquina, cujo verdadeiro discurso está traduzido muitas vezes pela divulgação midiática das variadas maneiras de como se cuidar do corpo, e quais sentidos são dispostos sobre a obesidade por meio do não-dito, delineando o sujeito ante o assujeitamento desse leitor às suas ideologias irreflexivas.

     

    2 Fundamentação teórica

    Pensando na função de atração do leitor para que compre uma revista a partir da capa, esta deve apresentar a realidade estetizada para comunicar de forma séria, mas também espetacular com imagens e cores vivas, negando os problemas do cotidiano ao divulgar o fato para o qual todos devem se submeter deixando de lado outros acontecimentos. Nesse sentido, segundo Boris Kossoy (2002), a imagem fotográfica é um eficaz instrumento na propagação de ideologias e da consequente formação e influência da opinião pública. Assim, " [...] elas são plenas de ambiguidade, portadoras de significados não explícitos e de omissões pensadas, calculadas" (KOSSOY 2002, p. 22). Para melhor visibilidade, o professor Boris Kossoy faz alguns comentários:

    Vídeo 2 – Entrevista Boris Kossoy / Fonte: Daniel Cosoy

    Tal fundamentação teórica dialoga com os pressupostos da Análise do Discurso francesa, cujo processo de construção de ideias permite manipulação ideológica. De acordo com essa linha de estudos, todo discurso pode ser formulado por uma sucessão de palavras, seja verbal, imagético ou que ouvimos. Porém, não é exclusivamente pela imagem do texto, objeto material, que há uma produção de sentido. Muitos outros sentidos são produzidos a partir do que está implícito. Logo, com tais meditações, observamos que perante a materialidade linguística, imagética ou textual, revelam-se processos ideológicos, políticos e históricos que lhes são constitutivos. E também, todo texto sempre se refere a outro, ocorrido em outro local que surge na superfície textual pelo fenômeno da memória discursiva, completando os não-ditos do texto, trazendo outros dizeres, outros fatos cruzando o explícito e influenciando de maneira contundente os seus sentidos.

    Assim, na Análise do Discurso, a ideologia faz parte do funcionamento da linguagem e é materializada na própria linguagem, por isso, "a conjunção língua/história também só pode se dar pelo funcionamento da ideologia" (ORLANDI, 2002, p. 96). Nesse domínio discursivo tem-se a interpelação do indivíduo em sujeito pela ideologia constitutiva.

    [A interpelação] faz parte do mecanismo elementar da ideologia, que é a interpelação do indivíduo em sujeito, o apagamento dessa opacidade que é a inscrição da língua na história para que ela signifique: o sujeito tem de inserir o seu dizer no repetível (interdiscurso, memória discursiva) para que seja interpretável. (ORLANDI, 2012, p. 48).

    Encontramos no corpo, portanto, marcas do poder-saber, pois para um corpo ser útil é necessário dotar sobre ele um sistema de dominação impondo disciplinas a partir de saberes eficazes, assim, o corpo é visto como acontecimento, pois traz em si o novo, a formação de um novo sentido, e o novo sentido de acordo com Orlandi (2007) não está no dizível, na materialidade linguística, mas no silêncio, no acontecimento a sua volta, por isso o enunciado possui seu caráter singular, mesmo que retomado, atualizado. E sobre o silêncio Orlandi (2007, pg. 29) diz que, "Para entender a linguagem é preciso entender o silêncio para além de sua dimensão política". … "o silêncio é fundante. Quer dizer, o silêncio é a matéria significante por excelência… O real significado é o silêncio". A autora ainda afirma: "O silêncio não está disponível à visibilidade, não é diretamente observável. Ele passa pelas palavras. Não dura. Só é possível vislumbrá-lo de forma fugaz. Ele escorre por entre a trama das falas" (ORLANDI, 2007, p. 32).

  • Com tais orientações metodológicas buscaremos, em algumas capas da revista Boa Forma, produzir saberes capazes de refletir e pondo em dúvida ao que será lido, examinaremos quais efeitos de sentido as capas provocam no discurso apresentado sobre o corpo ideal, socialmente aceito.

     

    3 Análises das capas

    Os dizeres espetaculosos da mídia fazem com que a ordem dos discursos de mercadoria e corpo se encaixem cada vez mais, convertendo-o em bem de consumo. Assim, ter o "corpo perfeito", a "boa forma", significa alcançar a vitória de ter o controle sobre o próprio corpo, trazendo à baila, através do não dito, o estigma sobre o gordo, como um corpo indesejável numa sociedade que propagandeia todas as formas possíveis de se conseguir o corpo "bem delineado". Dentro de uma suposta transparência do objeto linguístico e de uma legitimação pautada nas imagens das capas, o discurso encontrado nas chamadas e nas próprias imagens, enfatiza a necessidade de o sujeito "entrar em forma" e ser saudável através da perda de "quilos em excesso".

    Nesta capa, encontramos uma atriz bastante conhecida na mídia e bem-sucedida socialmente. A Imagem 1 traz a atriz de biquíni, mostrando seu corpo magro e bronzeado, sorridente, de braços abertos e não cruzados, mostrando sua suposta felicidade e satisfação por estar dentro dos padrões sociais da beleza e do sucesso, construindo o sentido, através do silenciamento, de que só se é feliz se for magro. A chamada que mais se destaca é a maior e mais colorida: "desafio de verão, menos 10 kg e o corpo novo até dezembro". Traz um aspecto muito perverso que é a discriminação de quem não consegue ter tal "corpo ideal". Dá a receita, de uma maneira rápida, da busca da felicidade e do bem-estar, estampa "o corpo novo" como o "melhor" e o mais "aceitável". Em outra chamada (ver Imagem 1), também em destaque, diz o nome da atriz, Flávia Alessandra, conhecida com muita credibilidade, o que dá legitimidade ao discurso, com sua idade 34 anos, dizendo que está 5kg mais magra antes de ter o bebê. Nesse ambiente, através da memória discursiva, formula o sentido de que quem gera uma criança fica muito gorda e consequentemente infeliz. Portanto, através do silêncio e da opacidade do discurso, encontramos formas de sentidos outros que não se encontram no objeto linguístico.

    Imagem 1 – Boa Forma (Flávia Alessandra) / Fonte: BoaForma

    Observamos um processo de subjetivação que enfatiza cuidados corporais como formadores de identidade, demonstrando assim o assujeitamento do indivíduo que é interpelado pela ideologia vigente, efetivando sentidos de que se pode moldar o corpo da forma que quiser e que, quem não consegue, não se cuida ou não é responsável, fazendo com que, características como obesidade sejam tratadas como anormalidades.

    A Imagem 2 exibe a imagem de um corpo dito "escultural", magro, de uma atriz também bastante conhecida. Em uma posição e fisionomia sensuais, com os lábios entreabertos, braços presos acima da cabeça, alimentando fetiches sexuais, traduzindo virilidade e prazer através da demonstração de seu corpo "perfeito". Assim, a exposição do corpo magro pelas capas de revista também produz sentidos libidinosos, pois através da satisfação com sua estética se obtém um gozo desejável a qualquer sujeito. Suas chamadas trazem novamente os sentidos de que uma mulher, depois de ter dois filhos, como a personalidade da capa, Carolina Dieckmann, pode, (apesar de ter ficado gorda e fora dos "padrões aceitáveis") conseguir perder os quilos indesejáveis. E ainda detona: "que corpo! Aprenda com ela". Trazendo assim, credibilidade e direcionamento na construção de sentidos recuperados no silêncio. Aqui, podemos constatar o silêncio como constitutivo, pois segundo Orlandi (2003, pg. 71): "[...] é nessa perspectiva que consideramos a linguagem como categorização do silêncio, isto é, ela é a gregaridade, a possibilidade de segmentação, ou melhor, o recorte da significação em unidades discretas".

    Na chamada principal, com letras maiores e de cores diferentes, chama atenção sobre uma fórmula pré-concebida de "secar 4 kg e desinchar com a dieta do suco verde" e, sobretudo, os resultados cientificamente comprovados sobre "as novas armas contra a celulite, flacidez e gordura localizada", fazendo circular um discurso médico-científico legitimando o discurso midiático, traduzindo, portanto, a voz dos especialistas. Dessa forma, a legitimidade do discurso está alicerçada em dois fatos, a força da imagem de quem fala, que não é qualquer um, mas sim uma atriz socialmente aceita e a credibilidade do discurso científico, tido como verdadeiro e competente, popularizando a ciência, levando o indivíduo a buscar nele a verdade para seus próprios sentidos formando assim um sujeito assujeitado, fazendo com que esse discurso se torne unânime e representativo das formas de agir e de pensar da coletividade, assumindo o aspecto no qual mora o poder histórico-social e ideológico dessa formação discursiva.

    Imagem 2 – Boa Forma (Carolina Dieckmann) / Fonte: BoaForma

     

    Imagem 3 – Boa Forma (Claudia Raia) / Fonte: BoaForma

    Na Imagem 3, a modelo também é uma atriz famosa que já teve três filhos trazendo uma imagem de credibilidade determinada socialmente. Novamente com o corpo magro à mostra, fisionomia sorridente, demonstra felicidade e satisfação em representar tal estereótipo. Esta capa traz para o leitor uma esperança para os gordos que não conseguem "resultados com a musculação" com a chamada: "por que eu malho e não perco peso? Nós temos a solução definitiva". Uma receita para solucionar os males estéticos. Nesse discurso, o corpo é pensado como um suporte do indivíduo a ser trabalhado, no qual a identidade se dissocia entre textos e imagens virtuais. Assim, ao pensar em memória como deslocamento, (PÊCHEUX, 1999, p. 53) afirma que "sob o mesmo da materialidade da palavra abre-se então o jogo da metáfora, como outra possibilidade de articulação discursiva" de forma que o já significado possa brotar o novo, o acontecimento. Portanto, o seu funcionamento acontece pela interseção da sistematicidade da língua, a historicidade e a interdiscursividade. Aqui encontramos essa interdiscursividade na memória discursiva de que só se é bonito, feliz e aceito socialmente se for magro, mesmo depois de ter ficado "gorda" e "feia" depois de várias gravidezes.

    Vídeo 3 – Making Of - Ana Hickmann / Fonte: Boaforma

    Nesse making of da apresentadora Ana Hickmann (ver Vídeo 3) para a próxima capa da Boa Forma, de Junho 2015, encontramos novamente, através da opacidade, fazendo uma transposição da dimensão do real para as imagens, uma estética sedutora que dá lugar a uma manipulação ideológica. O vídeo traz uma modelo e apresentadora muito conhecida com seu filho que teve a pouco tempo brincando a sua volta. Traz, pela memória discursiva, o estigma de que quem engravida fica "gorda", mas pode voltar a ter um "corpão" como esse da "famosa". Partindo da pressuposição de que todas as crenças estão fortemente relacionadas à cultura da sociedade a qual estamos inseridos, podemos refutar que o que consideramos desejável e bonito, por exemplo, não está afastado das representações sociais sobre a beleza. E essa ideia de que temos que ser magros para sermos bonitos é uma das visões mais poderosas que estamos encontrando ao longo dos últimos anos.

     

    4 Considerações finais

    Ser bonito é estar de acordo com padrões científicos de normalidade, logo, ser normal significa não ser gordo, ter músculos e manter a juventude, em vista disso, as revistas possibilitam essa constituição de corpos modeladores e de objetos cobiçados, formando o imaginário do descartável, no qual, aquilo que não satisfaz pode ser desenhado de acordo com padrões pré-estabelecidos. As imagens que encontramos nas capas de revistas aqui analisadas permitem a construção de um imaginário sobre a beleza, tendo como consequência um corpo magro, já que é colocado como parte de uma nova ordem estética em que todos devem ser introduzidos. Adequando-se a produção de sentido de que se obtém a felicidade através de hábitos que são vistos como os melhores e mais difíceis de seguir em nome do estímulo do combate ao mal do século, que é a obesidade.

    Assim, o indivíduo é assujeitado e de maneira coercitiva é obrigado a se enquadrar em processos de emagrecimento para adquirir o corpo ideal e para sentir-se bem a partir de princípios impostos como verdade pela exposição midiática de corpos belos, criando efeitos de sentidos, produzindo verdades cristalizadas.

    Referências

    ALENCAR, J. De. Diva. São Paulo: Martin Claret, 2003.

    BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

    CAPAS DE REVISTA BOA FORMA. Acervo digital. Acesso em: 30, junho, 2015.

    FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 25 ed. Tradução Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 2008.

    ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: Princípios e Procedimentos.Campinas, SP: Pontes, 4ed, 2002.

    ———————-. As Formas do Silêncio: No Movimento dos sentidos. 6ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.

    ———————–. Interpretação, autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 6ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012.

    PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. (Trad. Eni Pulcinelli Orlandi et al). 3ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.

    PÊCHEUX, M. "O papel da memória". In: ACHARD, P. et al. Papel da memória. Tradução José Horta Nunes. Campinas: Pontes, 1999.


    Sumário

    "LEMBRAM-SE DO QUE FOI DITO?": A MEMÓRIA DISCURSIVA NO TWITTER

    Jaqueline Lima Fontes (Mestranda / UFS / jaquelinefontes21@gmail.com)

    Thayza Souza Carvalho (Mestranda / UFS / carvalhothayzas@gmail.com)

    Resumo: Neste artigo, pretende-se apresentar o funcionamento do discurso no Twitter por meio de alguns exemplos, buscando-se identificar, sobretudo, a relação entre dito/não dito e memória discursiva (PÊCHEUX, 1999; ACHARD, 1999), com base na Análise do Discurso de linha francesa. Para tanto, são analisados tweets extraídos da conta @ThinkOlga, visando refletir sobre a composição "estrutural" (recursos tecnológicos do microblog utilizados pelas pessoas) e nos modos como o discurso é produzido no Twitter. Os resultados mostram o uso de hiperlinks e de hashtags de forma a não apenas complementar, mas contextualizar o discurso publicado na rede social, o que nos permitiu identificar uma espécie de "acervo hipertextual" de memórias.

    Palavras-chave: Texto digital; Memória discursiva; Twitter.

     

    1 Introdução

    As novas tecnologias de informação e comunicação têm proporcionado a adaptação de gêneros textuais ao meio virtual bem como o surgimento de novos gêneros. Tem-se, nesse percurso de evolução tecnológica digital, a emergência de possibilidades diversas de comunicação, especialmente as que se dão por meio da internet. As redes sociais digitais, por exemplo, configuram um desses novos modos de se significar na sociedade, sobretudo porque são espaços em que as pessoas podem estreitar laços sociais mesmo com pessoas que se encontram geograficamente distantes.

    Por conta disso, vale buscar compreender como funciona o texto (em suas diversificadas formas: vídeo, imagem, etc.) no ciberespaço, pois é por meio do discurso que o sujeito se instaura na sociedade causando efeitos de sentidos. Para empreender tal objetivo, ancoramo-nos no viés teórico da Análise do Discurso de linha francesa para identificar, especificamente, a relação entre intradiscurso e memória discursiva (PÊCHEUX, 1988, 1999; ACHARD, 1999) em uma rede social digital, a saber, o Twitter.

    Para este artigo, focamos na conta de Twitter @ThinkOlga, em que selecionamos tweets para apresentarmos, por meio de alguns exemplos, como se dão os implícitos que compõem a memória discursiva no ambiente digital virtual, buscando-se destacar, também, a composição "estrutural" na proliferação desses discursos no microblog, tais como as apropriações tecnológicas de que as pessoas fazem uso para facilitar/potencializar a circulação de informações nesse meio.

     

    2 O texto em ambiente virtual: a emergência dos gêneros digitais

    A comunicação mediada pelo computador, especialmente após o surgimento da World Wide Web (BERNERS-LEE) com suas interfaces mais sofisticadas, tem possibilitado às pessoas a efetivação de novos modos de produção de discursos, que se dão tanto por meio da incorporação de gêneros textuais ao ambiente virtual (a carta pelo e-mail, o diário pelo blog, etc.) quanto pela criação de ferramentas que permitem a convergência de variadas mídias (vídeos, textos, imagens) em um mesmo espaço. Face a esta diversificação de linguagens que a internet permite criar/agregar, surgiram novos tipos de textos, os gêneros digitais. Assim como os gêneros antes existentes foram surgindo para suprir a demanda da sociedade, os digitais apareceram para atender as necessidades do novo "mundo internetizado". Marcuschi (2010) argumenta que:

    [...] pode-se dizer que parte do sucesso da nova tecnologia deve-se ao fato de reunir em um só meio várias formas de expressão, tais como texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade para a incorporação simultânea de múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos linguísticos utilizados. A partir disso, a rapidez da veiculação e sua flexibilidade linguística aceleram a penetração entre as demais práticas sociais. (MARCUSCHI, 2010, p. 16).

    Tais elementos presentes na nova tecnologia caracterizam o hipertexto, que segundo Xavier (2005, p. 171) "é uma forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade". Em Marcuschi (2001, pp. 82-89) vemos que o hipertexto vai além do virtual e se caracteriza como um "espaço cognitivo", pois extrapola o espaço "internetizado", exigindo do leitor operações lógicas a fim de estabelecer relação entre os textos. Por outro lado, embora o hipertexto esteja bastante associado a nova tecnologia, por causa da World Wide Web, "ele não é novo na concepção, pois sempre existiu como ideia na tradição ocidental; a novidade está na tecnologia que permite uma nova forma de textualidade" (MARCUSCHI, 2001, p. 94). Com o ingresso na era digital a produção de informação ganhou nova configuração. O computador possibilitou a produção de textos sem custos, em que é possível integrar, através de links, várias linguagens (gráficos, fotografias, vídeos, áudio etc.) de maneira a aumentar a construção de sentidos e eficácia da mensagem.

    Vídeo 1 - Les Mille et Une Nuits / Fonte: Musiquedumonde

    Na literatura (ver Vídeo 1), encontram-se registros antigos de processos hipertextuais, ainda que essa nomenclatura ainda não existisse. A exemplo desses registros, tem-se Les Mille et Une Nuits, coletânea de 12 volumes de histórias encadeadas, cuja disposição foi elaborada de modo a formar links.

    Com o aperfeiçoamento das formas de produção escrita, os livros se modernizaram e passaram a apresentar "vários elementos que conhecemos hoje em dia, tais como paginação, sumários, citações, capítulos, títulos, resumos, erratas, esquemas, diagramas, índices, palavras-chave, bibliografias, glossários etc" (DIAS, 1999, p. 270). Essa nova configuração possibilitou ao leitor maior interatividade com o texto, agora a leitura não estava presa a uma página atrás da outra, não seguia apenas uma ordem linear, o leitor passou a ter a liberdade de ler apenas partes que lhe interessam, ou ler não mais pela primeira página, ou ainda acessar o livro para visualizar uma imagem, ou conhecer outros autores que discorrem sobre o mesmo assunto. Em 1945, Venevar Bush pensou numa máquina de armazenamento e pesquisa, essa invenção ficou conhecida como Memex.

    Em sequência, foram desenvolvidos diversos sistemas de hipertextos, até que em 1989, Tim Berners-Lee propôs a World Wide Web (www), rede mundial de armazenamento multimídia, em que informações digitalizadas de textos, sons e imagens estão conectadas e espalhadas por computadores de todo o mundo. Dentro da web, as redes sociais são espaços em que o hipertexto é bastante explorado através do compartilhamento de informações, conhecimentos e objetivos comuns. Dentre as redes sociais mais acessadas estão Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp, Youtube, entre outras. Esses ambientes permitem que o usuário dissemine suas ideias em rede, através de postagens de textos, sejam eles verbais ou não, em que é feito o uso de hiperlinks que se desdobram em inúmeros sites, potencializando a criação de acervos hipertextuais.

     

    3 O microblog Twitter e a Análise do Discurso: intersecções

    O Twitter foi criado por Jack Dorsey e lançado ao público em 2006, pela empresa Obvious Corporation. É um serviço que permite a postagem de mensagens curtas, cuja delimitação é de 140 caracteres no máximo. Por esse motivo o Twitter é chamado de microblog, pois apresenta características de um blog tradicional, porém com um formato diferenciado: além da delimitação do tamanho do texto a ser postado, no microblog as atualizações ocorrem a todo instante, tanto por meio de desktop como por dispositivos móveis (pelo celular, por exemplo). O Twitter permite várias maneiras de interações comunicativas entre as pessoas. Além de disponibilizar a opção de "seguir", que permite a um usuário receber atualizações de uma pessoa em seu feed de notícias, é possível, no Twitter, visualizar os conteúdos produzidos por outras pessoas, desde que estas não tenham seus perfis configurados em modo privado.

    Imagem 1 – Twitter / Fonte: Twitter

    Dentre as variadas opções do Twitter que permitem gerar interação com outras pessoas, a função de "mencionar" se destaca: basta, ao digitar um tweet, fazer referência à pessoa usando o sinal @ (arroba) seguido do nome do usuário, e publicar. Conforme destacam Santaella e Lemos (2010), "cada usuário possui, dessa forma, um fluxo pessoal - formado pelos tweets conjuntos de todos aqueles que esse usuário segue [...]; e também um fluxo coletivo - formado por todos os tweets que mencionam o seu nome de usuário" (SANTAELLA e LEMOS, 2010, p. 109). Para França (2014), o Twitter tem sido utilizado como importante ferramenta de mobilização social. Diante das diversas possibilidades de interação entre pessoas e do caráter informativo que o Twitter dispõe, como a capacidade de a pessoa ter dois tipos de fluxo - o pessoal e o coletivo - como apresentam Santaella e Lemos (2010), destaca-se, neste trabalho, o tratamento das funcionalidades do microblog na conversação, sobretudo naquelas que permitem às pessoas gerarem fluxos coletivos de discursos. Partindo do pressuposto de que o Twitter é uma rede social representativa do "lugar em que os acontecimentos são 'atualizados' a todo instante", por meio da divulgação e troca de informações, o embasamento teórico deste trabalho será pelo viés da Análise do Discurso (AD), fundada na década de 1960, por Michel Pêcheux, que tem como objeto o discurso.

    Com o surgimento de mídias eletrônicas (televisão, rádio, computador), e, sobretudo, da internet, novas formas de produção de sentidos ganharam destaque na sociedade atual. As condições de produção nas redes sociais digitais, nesse caso, podem ser apreendidas a partir da observação do contexto social histórico mais amplo em que os discursos se inserem, mas também pelos diversos recursos tecnológicos criados e utilizados pelas pessoas para gerar novas e diversificadas formas de manifestações discursivas. Para exemplificar essa questão, apresentamos neste trabalho tweets relacionados à conta @ThinkOlga. O grupo Think Olga, criado pela jornalista Juliana de Faria, é um grupo que objetiva "elevar o nível da discussão sobre feminilidade nos dias de hoje" (On-line. Acessado em 29 de junho de 2015). O grupo possui perfil em Blog, e nas redes sociais digitais Pinterest, Instagram, Facebook e Twitter. Focamos no Twitter por ser uma ferramenta de publicação de informações que se dá a todo instante. Outro fator que se destaca no Twitter é sua interface aberta, que permite às pessoas a criação de affordances, a exemplo da hashtag.

    Justamente por o Twitter ser um espaço onde o compartilhamento de opiniões e informações tem possibilitado identificar a produção de sentidos por meio das manifestações discursivas faz-se necessário observar como funciona o intradiscurso - o discurso tal como é formulado pelo sujeito (PÊCHEUX, 1988) - na relação com o interdiscurso, isto é, a memória discursiva. Na AD, a memória discursiva "seria aquilo que, em face de um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os implícitos (quer dizer, mais especificamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos transversos, etc.) de que sua leitura necessita" (idem, 1988, p. 52). Assim, no interdiscurso a nossa memória não é individual, mas coletiva, desse modo ativamos uma teia de significados e através da linguagem construímos ideias e articulamos saberes que são perpassados por várias ideologias presentes nas diversas formações discursivas. Segundo Orlandi (2005, p. 15) "o discurso é assim palavra em movimento", deste modo o interdiscurso é o movimento do discurso. Assim, as ideias são adquiridas por meio da linguagem e através dela o sujeito movimenta as palavras, que são sociais, imaginando que o discurso por ele proferido é original, quando na verdade ele apenas recupera o que está arquivado na memória discursiva.

    Quando nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Mas não somos o início delas. Elas se realizam em nós, em sua materialidade. Essa é uma determinação necessária para que haja sentidos e sujeitos (ORLANDI, 2005, pp. 35-36).

    É através da memória que uma pessoa recupera informações e ativa uma rede de implícitos que, sob a forma de repetição, causa um efeito de série, espécie de "regularização" que ocorre por meio de remissões, de retomadas e de paráfrases (PÊCHEUX, 1999, p. 52 apud ACHARD, 1999). O texto, portanto, é uma trama que articula conceitos, crenças, modos de organização social que se entrecruzam para produzir um novo sentido; de tal modo as opiniões e informações proferidas no Twitter recuperam discursos proferidos em outros momentos e permite que o sujeito transite por diferentes formações discursivas.

     

    4 O funcionamento da memória discursiva no Twitter: o caso da conta @ThinkOlga

    Como procedimento metodológico para a coleta de dados, seguiu-se alguns critérios: i) os tweets estarem escritos em língua portuguesa; ii) os tweets mencionarem a conta @ThinkOlga e/ou terem sido postados por ela; iii) os tweets possuírem a hashtag 'chegadefiufiu'. Selecionamos como parâmetro de busca a hashtag 'chegadefiufiu' por esta se relacionar a uma campanha promovida pela ThinkOlga e por gerar, ao nosso ver, uma participação mais ativa das pessoas nessa conta. O mecanismo de busca utilizado para a coleta foi o Twitter Advanced Search, por meio da 'busca avançada', em que coletamos os tweets publicados em novembro de 2014. Dos 26 (vinte e seis) tweets coletados, identificou-se a presença de links que remetem a outros sites em 17 tweets. Como visto na primeira seção deste artigo, o hipertexto tem a função de conectar vários textos possibilitando a construção não linear de conhecimentos na medida em que, por meio de hiperlinks, o leitor é "transportado" a outros textos/páginas. Citando Paulo Freire, Xavier (2010) diz que "se para ler/entender a palavra é necessário saber antes ler o mundo, o hipertexto vem consolidar esse processo, uma vez que viabiliza multidimencionalmente a compreensão do leitor pela exploração superlativa de informações, muitas delas inacessíveis sem os recursos da hipermídia" (XAVIER, 2010 apub MARCUSCHI e XAVIER, 2010, p. 210).

    Assim, destaca-se que o uso de links acentua o processo de conhecimento conforme oferece ao leitor diversas possibilidades de recuperar e de relacionar informações. No Twitter, microblog que se caracteriza pela configuração de postagem limitada a 140 caracteres por postagem, o uso de links mostra-se bastante produtivo, já que na falta de espaço para escrever tudo que se pretende o link acaba exercendo o papel de "complementador" do texto. Observe-se:

    Excerto (1):

    Informante-1: 17 de nov. RT @ThinkOlga: #chegadefiufiu http://www.catarse.me/pt/videochegadefiufiu … - bora ajudar a fazer documentário sobre a violência q assola as mulheres. AJUDEM

    O link que remete à página do Catarse contextualiza o discurso, já que atua como um complemento à vocação feita no tweet para que as pessoas assistam ao vídeo e conheçam a campanha. Registra-se a presença de dois termos que, ao nosso ver, se destacam no segmento discursivo: "violência" e "assolar". São termos que, ao tomarmos o contexto mais amplo (o documentário e os objetivos da campanha 'Chega de Fiu Fiu' do link), pode-se realizar seu encaixe e, assim, desvendar os implícitos de tais inscrições no discurso. O verbo 'assolar', que significa "destruir; por em grande aflição" (HOUAISS, 2009), e o termo 'violência' nos dão uma ideia do que o assédio sexual significa para o informante-1. Por estes termos, é possível observar a posição que o sujeito assume: é evidente que ele se coloca contra o assédio sexual, ao identificar-se com uma formação discursiva "feminista" com a qual se identifica os fundamentos da Campanha. A memória discursiva, por sua vez, emerge dessa conjuntura relação entre "aflição/violência" e a questão do assédio, isso porque o assédio sexual, mesmo do tipo verbal, tem se constituído como um tipo de violência à mulher, porque a oprime em seus direitos.

    Embora no intradiscurso o não dito esteja presente sob as marcas de um dizer que se ancora na memória discursiva (um já dito), sempre é fácil identificá-lo, já que, segundo Orlandi (2001) ele pode ter várias facetas: "se digo "deixei de fumar" o pressuposto é que eu fumava antes [...]. O posto (o dito) traz consigo necessariamente esse pressuposto (não dito mas presente). Mas o motivo, por exemplo, fica como subentendido. Pode-se pensar por que me fazia mal. Pode ser também que não seja essa a razão. O subentendido depende do contexto" (ORLANDI, 2001, p. 82). Observe-se:

    Excerto (2):

    Informante-2: ‏@ThinkOlga 24 de nov. Nos dizem que há coisas mais urgentes...#chegadefiufiu https://www.facebook.com/chegadefiufiu/photos/a...

    Para o leitor que não conhece a Campanha 'Chega de Fiu Fiu' (ver Vídeo 2), o segmento discursivo em (2) pode ser de difícil compreensão, pois apenas o uso da hashtag não é capaz de contextualizar de forma clara a discussão colocada em pauta no tweet. Para auxiliar a compreensão do que se publica no Twitter, o uso de hiperlink remetendo a um possível contexto da conversa é capaz de situar até o leitor menos familiarizado com o assunto. Os segmentos discursivos "nos dizem que há coisas mais urgentes...", publicado pela @ThinkOlga no Twitter, só faz sentido quando associado ao contexto mais amplo que é o conteúdo do hiperlink. Neste, observa-se uma imagem que foi postada no Facebook. Ao ver a imagem, o leitor é mais uma vez instigado à interpretação, na busca de uma resposta para: "afinal, do que se trata o tweet?", "qual o sentido da afirmativa 'nos dizem que há coisas mais urgentes?'". Com efeito, acessando o hiperlink tem-se uma possível resposta ao enunciado do Facebook: "Algumas pessoas -- por vezes mal-intencionadas, por vezes ignorantes da gravidade do problema -- nos dizem que há coisas mais urgentes para se lutar contra do que o assédio sexual".

    Vídeo 2 – Chega de Fiu Fiu / Fonte: Chega de FIUFIU

    Uma vez investigado o contexto do discurso, ou melhor, sua condição de produção, cabe identificar quais efeitos de sentidos ele deixa escapar. Afinal, o sujeito é um ser histórico e social, que produz seu discurso para o "outro" das suas relações sociais (no caso do discurso no ciberespaço, vale ressaltar que as relações sociais tomam proporções mais amplas). Todos os sentidos evocados pela formulação "Nos dizem que há coisas mais urgentes..." demonstram uma visão perpassada pela memória discursiva, mas, no entanto, para entendê-la é preciso observar a conjuntura em que foi enunciada. De tal forma, o Think Olga é uma conta do Twitter que promove o feminismo, assim, ao apresentar, em tom de revolta, uma ideia que é perpetuada, mas que não compactua, isso pode ser observado pelo verbo modalizado e uso de aspas, é retomada a desvalorização que as mulheres sofrem desde o começo das civilizações. Embora tenham conquistado espaços na sociedade, essa autonomia aparece de forma velada, pois a liberdade aparentemente conquistada cai por terra sempre que não dão a devida atenção ao assunto, alegando existir coisas mais urgentes que olhar para milhares de mulheres que são vítimas de assédio sexual diariamente.

    Assim, o sujeito que enuncia se filia a uma formação ideológica feminista a partir da contradição com o machismo, essa afirmação pode ser constatada através do contexto imediato, que inclui o site feminista Think Olga, que está promovendo sua campanha contra o assédio sexual, mal que acomete diariamente várias mulheres. Essa formação ideológica tem seus sentidos produzidos a partir das formações discursivas presentes nos segmentos "Nos dizem" e "há coisas mais urgentes...". Assim, o pronome "nos" faz referência aos sujeitos que estão recebendo a mensagem, logo, de acordo com o contexto de produção, são mulheres que lutam pela causa feminista e o verbo "dizer" flexionado na terceira pessoa significa que os que praticam essa ação são sujeitos que não fazem parte do mesmo grupo, essa ideia é ratificada quando observado o segundo segmento "há coisas mais urgentes" em que é perpassado um juízo de valor, o de que a luta contra o assédio sexual não é tão importante, o de que a desvalorização feminina não é tão preocupante quanto outros problemas que assolam a sociedade, como falta de escolarização e saúde, por exemplo.

    Dessa forma, no excerto (2), as impressões do já-dito ocorrem por meio da posição de sujeito: observa-se um enunciador que traz para a cena de seu discurso uma resposta a outrem, disfarçado no dito "nos dizem", de forma a confrontar uma formação discursiva cuja ideologia está atrelada a manifestações discursivas que não consideram o assédio sexual como um tipo de violência (ou, ao menos, não dão a devida atenção ao assunto). Mas, ao mesmo tempo em que o enunciador "responde" a outros que "dizem que há coisas mais urgentes para se lutar contra do que o assédio sexual" coloca sua resposta inserida numa coletividade quando diz "nos dizem". O pronome "nos" que aí se apresenta institui-se, portanto, num "espaço social" que, implicitamente, afirma a existência de uma coletividade que luta contra o assédio.

    Excerto (3):

    Informante-3: ‏@ThinkOlga 17 de nov. NOSSO CORAÇÃO: @LaerteCoutinho1 (assim como outros 100 lindos) apoiou a #chegadefiufiu http://www.catarse.me/pt/videochegadefiufiu …Ver foto

    Excerto (4):

    Informante-4: 18 de novTotal apoio ao documentário #chegadefiufiu das queridas do @ThinkOlga! Quem contribuir, ganha um cordel exclusivo escrito por mim. ;)

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    A partir dos excertos (3) e (4) é possível observar claramente a relação entre o já-dito (interdiscurso) e o que está sendo dito (intradiscurso). Está na memória popular que para um projeto, programa, produto ou serviço atingir grande visibilidade, além da grande divulgação, uma estratégia é associar o que está sendo anunciado a alguém famoso ou autoridade no assunto, o incentivo através da recompensa também é outro método para conseguir a adesão do público.

    A campanha Chega de fiu fiu conseguiu o apoio de personalidades como Laerte Coutinho e Jarid Arraes, quando estas figuras públicas escreveram em suas contas do Twitter "Eu apoiei este belo projeto do Chega de Fiu-Fiu!", "Total apoio ao documentário #chegadefiufiu das queridas do @ThinkOlga!" estas palavras significaram e através de tais formações discursivas tornaram evidente a ideologia feminista. Também fica subtendido que, assim como eles, figuras públicas, confiam e apoiam a campanha, os outros também podem confiar; tais palavras também conclamam os fãs, pois ao escreverem no Twitter e usarem a hashtag "chegadefiufiu" direcionam seus seguidores a página da campanha influenciando também a adesão, pois os fãs estabelecem uma relação de identidade.

    O incentivo de Jarid Arraes, ao presentear uma pessoa com um cordel exclusivo, aumenta as chances de mais pessoas aderirem à campanha, primeiro por não ter que pagar pela obra, segundo pelo fato de ser um cordel exclusivo, o que aumenta a importância da obra. Assim, esse discurso de adesão está ressignificando na medida em que, o sujeito, para construir seu discurso retorna ao que já foi dito em outras condições de produção através dos elementos pré-construídos.

     

    5 Considerações Finais

    É importante observar que o sucesso da campanha se deu, em grande parte, pelas facilidades oferecidas pela internet e o sistema de hipertexto. A oportunidade de não apenas ler o que o Think Olga postava, mas de retweetar, curtir e adicionar links sobre o tema tornou o assunto muito mais conhecido e possibilitou a circulação rápida pela rede de computadores, atingindo milhares de pessoas em espaços distintos. O custo de produção que, antes da era digital, era um dos problemas para a divulgação, por causa dos gastos na confecção de cartazes, folders, não existe mais, pois a conta do Twitter é gratuita e ainda permite a inclusão de outros recursos como imagem, foto, links e vídeos. Além disso, no que diz respeito à memória discursiva, a internet constitui um acervo hipertextual de memórias que podem ser acessadas em diversos lugares, repetidas vezes.

     

    Referências

    ACHARD, P. et al. O papel da memória. Trad. José Horta Nunes. Campinas: SP: Pontes, 1999.

    ALEXANDRE, L. R. B. O perfil fake como gênero do Twitter. (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Piauí: Programa de Mestrado em Letras, Teresina, 2012.

    FRANÇA, L.C.M. "´Occupy Brazil´: configurando uma rede de reações”. In: Revista Culturas Midiáticas. Ano VII, n. 12 - jan-jun/2014.

    HOUAISS, A; VILLAR, M. de S. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

    MARCUSCHI, Luiz Antônio. "O hipertexto como novo espaço de escrita em sala de aula". In: Linguagem e Ensino, vol. 4, nº 1, 2001, p. 79-111.

    MARCUSCHI, L. A. "Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital". In: MARCUSCHI, L. A. e XAVIER, A. C. (Orgs.). 3ª Ed. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. São Paulo: Cortez, 2010.

    ORLANDI, E. P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2001.

    SANTAELLA, L e LEMOS, R. Redes sociais digitais: a cognição conectiva do Twitter. São Paulo: Paulus, 2010.

    XAVIER, Antônio Carlos. "Leitura, texto e hipertexto". In: MARCUSCHI & ______(orgs). Hipertextos e Gêneros Digitais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p.170-180.


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    CIBERARTIGO: LINGUÍSTICA, HIPERTEXTO E EDUCAÇÃO